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04/04/2020 às 20:58

Ser invisível na sociedade é pior que ser doente

Sandro Melros - é advogado e professor

Instagram: @sandromelros / @lugares_da_literatura

Quantas vezes presta-se atenção nos indivíduos que estão à margem da sociedade? Está aí uma das situações assustadoras: as pessoas que não estão dentro de um padrão na comunidade são invisíveis. Nesse sentido, percebe-se o quão covarde se mostra a humanidade ao dividir indivíduos em blocos, quais sejam os relevantes economicamente e os outros. A partir daí, a  crueldade é desenhada com contornos que vão do nojo ao desprezo; do não ligar para o não perceber o outro como pessoa. No entanto, se esse mesmo indivíduo estiver enfermo, ele é percebido, muitas vezes sem a dignidade que se deveria – nota-se nos inúmeros casos em que hospitais públicos superlotados em que o atendimento é realizado no chão da instituição.

Passeamos por todas as cidades brasileiras e vemos um verdadeiro exército de desabrigados, de mal abrigados e daqueles que, apesar de ter um local para se proteger, também não tem a proteção devida. As garantias constitucionais devem proteger. Todavia, elas por si só não tem o condão de criar uma rede de proteção eficaz. Cidadãos que estão fora do olhar humanizado das autoridades. Pior que isso: pessoas que não são percebidas pela maioria da população. Pasma-se quando entre elas próprias, ante o costume de serem ‘zerificadas’ socialmente, não há um reconhecimento de pertencimento a uma classe destituída de condições mínimas de vida e – o que deveria ser mais importante – de identificação desse descaso pelo qual são subjugados.

Mendigos, muito pobres, pobres, não tão pobres, ricos, que escala ridícula e imoral através da qual as pessoas acreditam mesmo serem melhores, piores ou – no caso em tela – insignificantes. Monstruosidade titânica essa em que uma sociedade chega a credenciar pessoas ou descredenciá-las de uma convivência a partir de um perfil econômico. Essa ordem social, todavia, consegue ter uma suspensão a se ver o mais lógico: todos realmente são iguais, ao menos no propósito biológico. Então, quando se vê pessoas perecendo de um mal que atinge indiscriminadamente qualquer um, há aí um rumo apropriado à humanidade, determinado pela simplicidade da existência: vida e morte não tem o controle a partir do dinheiro ou da ausência dele, por mais que funcione por um tempo. Tempo esse que é só uma ideia humana criada a fim de provar quem é mais ou menos feliz. Quem controla essa ordem mesmo? Quem pode garantir que um sujeito consiga ser mais feliz que outro por ter vivido um maior número de dias? Essas subjetividades talvez encontrem respostas em uma outra órbita que não a humana, mas enquanto terrenos há que se entender que ninguém deveria se encastelar como um ser mais importante que outro. Será necessário vir pandemias, guerras, conflitos de fé a fim de criar um cenário de equidade entre os indivíduos? A verdade é que todos têm um só caminho a ser traçado. Todavia, ficará mais fácil quando se partilha, quando se entende melhor, quando, por fim, percebe-se o outro, inclusive, aqueles que se encontram em uma sarjeta, em um banco da praça, nos passeios públicos cobertos por papelão, nas frentes das igrejas e das lojas, tentando ter ao menos uma proteção mínima da chuva ou do sol cortante em suas carnes sofridas.

Quem somos nós, afinal? Seres supremos de uma ordem inatingível e inviolável? Por que temos a petulância de nos compararmos e acreditarmos que nossas peles, idades, cabelos e outros itens sem a mínima importância conseguem superiorizar a vida de outrem? Ora, a resposta talvez consiga ser compreendida por uma ciência que estude comportamento, mas não faz sentido a olho nu; não encontra amparo quando o mais importante é partilhar uma existência com o outro, para o outro, posto que tudo isso retorne para si próprio, pelo prazer de ajudar. Não há grandeza nenhuma nisso. Ao contrário, há a certeza da pequenez da humanidade ante a vida. Encontrar-se com a natureza humana vai além de ser um transeunte existencial; perpassa pela responsabilidade de viver como um ser melhor em razão de si e no alcance do outro.

Na doença, há a percepção do indivíduo – nem que seja para um diagnóstico que virará um número estatístico – de modo que em algum momento se é visto socialmente. Não há glamour, nesses casos, mas faz parte da agenda a qual se acostumou toda a sociedade: ver geralmente o indivíduo na horizontal, caído, machucado, inerte em razão do fim do ciclo da vida. Dignificar o outro vai além; propõe que se note como igual; pretende-se identificar o indivíduo sem que critérios distintivos sejam os mais significativos, tais como cor, raça, etnia, situação econômica. Não importa nada disso. Realmente nada disso é merecedor de atenção quando o que está em jogo é o conceito de retidão humana, transmutada em encantar-se com um mundo em que todos consigam ser melhores e maiores em suas possibilidades. Se todos perecerão, não há como fantasiar superioridade. Ninguém as tem, por mais arrogante que seja. O fim é tudo que se tem como certeza. Para muitos prepotentes, a vida pode ser um vazio.

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