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18/11/2019 às 11:58

Libertai-nos de toda a hipocrisia moral: 20 de novembro. E os outros dias?

Sandro Melros - é professor de redação
Instagram: @sandromelros  
@lugares_da_literatura

A humanidade define-se como evoluída, superior e, até mesmo, racional. Alguns, inclusive, determinam-se santificados de tão elevados que acreditam ser. Bem, de racional, com essa crença, há muito pouco. Mas, faz-se necessário investigar alguns episódios da história da humanidade, inclusive, alguns bem recentes. Podem ser percebidos que o ato de um indivíduo subjugar o outro tem sido lugar-comum na cena humana ao longo dos milênios. O forte, o estrategista, o rico, o enganador, o usurpador e o insano são praticamente sinônimos nesta sanha do domínio sobre o outro. É quase um perpétuo quadro alucinatório generalizado.

Identificar as desventuras do homem passa pela intolerância, pelo preconceito, pela coação desmedida. Ao longo da história, viu-se, por exemplo, que a escravidão se dava em razão de conceitos sobre poderes de alguém influente – através de algum recurso: material, força física, crenças. Na Roma Antiga implicava-se uma quase absoluta redução nos direitos daqueles que ostentavam essa condição, convertidos em simples propriedades dos seus donos. Com o passar do tempo, não ficava melhor, apenas encontravam maneiras de garantir o domínio sobre indivíduos por mais tempo. Assim cuidava-se da “posse” como garantia de execução de atividades extenuantes.

Ausências de direitos eram situações frequentes nas sociedades escravocratas. Aliás, essa era a característica mais humilhante entre povos dominados, sem falar nas separações de entes queridos, de seus territórios de nascimentos, de sua cultura e até de suas vaidades, recatos, enfim, de suas dignidades. Suplícios, humilhações e todas as sortes de sevícias eram praticados em nome da superioridade de um povo sobre outro, da grandeza de uma gente sobre outra. Barbaridades que o tempo não consegue apagar. Pior que isso, tais situações teimam em se repetir. Se existe escravidão nos dias de hoje? Pede-se licença a historiadores, sociólogos e demais acadêmicos, mas apenas mudam-se as nomenclaturas, posto que sejam as mesmas truculências da escravidão. Para a professora Zilda Yokoi, professora titular da USP, muda- se o conceito de escravidão, antes compreendido como a compra e venda de uma pessoa humana. Todavia, há uma ampla identificação com toda e qualquer forma de aprisionamento, expropriação, perseguição, prisão e a não remuneração pelo trabalho realizado.

Dizer que 20 de novembro é uma data de consciência sobre a população que fora escravizada no Brasil até 1888 – ao menos, oficialmente – é um leve alento na mácula que a sociedade brasileira impõe na história do negro no país. Atualmente, iniciativas como estas são bem-vindas, mas ainda aquém do que se deva realizar a fim de fazer-se justiça social à população negra do Brasil. A história do país, para o grande público, quase que romantiza o processo de libertação dos escravos por aqui. No entanto, não se vê um cenário de igualdade, de equidade na sociedade ao ponto de não se identificar todo negro como um potencial criminoso, como se pode perceber dos casos de prisão, de morte e de humilhação que ocorrem de norte a sul do país.

Em 2018, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) informa que entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos. O trágico, se não fosse insano, é que 53,63% da população brasileira têm essa característica. Lamentável, acintoso, vergonhoso e cruel, portanto, ver que não se há um alarde para identificar as causas das prisões, as reincidências. Não há estudos de maiores volumes sobre as situações de vulnerabilidade desses indivíduos que estão entre a população carcerária brasileira. Por outro lado, há o senso comum que se apropria de dados como esses apenas com o intuito de eternizar e intensificar atos de atrocidade contra a população negra. Inúmeros são os caso, no cotidiano da sociedade, em que crianças ou o jovens negros não são tratados em sua dignidade em shopping center, lojas de departamento, escolas e outros lugares públicos. Como a representatividade do dia 20 de novembro poderá incidir para afastar situações de intolerância será de grande valor à prática de justiça social.

Vive-se com a política do mal menor, do conformismo com o que está posto, com o lugar de fala realizado no “depois melhora, o importante é que já está diferente”. Arrasta-se à população aos ditames do mandante de plantão que, sinceramente, não realiza uma perene política centrada numa sociedade inclusiva, igual e fraterna. Mesmo que o político defenda políticas inclusivas, seu sucessor, quase que de modo doentio, tenta desfazer as práticas, tendo em vista suas intenções enquanto partido, suas pretensões políticas, a eliminação de ações de seu antecessor tão somente, ou mesmo pela perversidade que tem sido a marca indelével de boa parte dos representantes políticos do povo brasileiro.

A lei no 12.519, de 10 de novembro de 2011, institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado em 20 de novembro. Zumbi lembra o projeto de liberdade sediada na Serra da Barriga, localizada em União dos Palmares – AL, de uma camada da sociedade que fora combalida à escravidão e, aquele seria um refúgio contra as implacáveis desumanidades. Conscientizar a sociedade sobre as condições da população negra neste país, desde os longínquos anos vividos por Zumbi e seus comandados, será um traço de afabilidade e humanismo ímpar de uma sociedade que se afirma civilizada. Ter noção das atrocidades a que fora acometida a população negra - e que ainda ocorrem - determina um novel período da população brasileira, em que a igualdade, a liberdade e a solidariedade possam desempenhar papéis de relevantes protagonistas da história recente do país.

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