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02/12/2019 às 18:56

Quando a hipocrisia bate na porta da sociedade: “não tenho preconceito”

Sandro Melros - é advogado e professor. Autor de Linguagem Jurídica: cidadania e comunicação no Direito.

As palavras preconceito e discriminar advêm do latim. Elas significam, respectivamente, algo concebido de modo prematuro e deixar fora, separar. As duas, todavia, representam uma herança etimológica infeliz da nossa sociedade. Aliás, estas são palavras que têm o fito de negativar a convivência humana, de restringir, de repelir a coexistência entre os indivíduos de forma pacífica e igualitária.

Se perguntada no Brasil, grande parte da sociedade irá dizer que não é preconceituosa, que jamais discriminou alguém em toda sua vida. Todavia, questionada se conhece alguém que aja de tais modos, rapidamente, encontra- se um ‘sim’, ou seja, a confirmação de que o outro tem preconceito e discrimina pessoas. Eis que surge a curiosa condição de apontar o outro e negar sua própria perversidade moral. Assim, cria-se um status acusatório, legitimando-se no outro toda e qualquer questão em que se confirme a intolerância.

Toda atitude que resulte em exclusão, restrição ou preferência é uma atitude discriminatória. Não há como desconhecer que, nos dias atuais, existam indivíduos que tenham privilégios em detrimento de outros. Da mesma forma, ainda se encontram pessoas que, na defesa do que acreditam, teimem em desacatar gratuitamente cidadãos, com ações que os afrontem em suas dignidades, em razão de origens, culturas, costumes, gênero, entre outras situações que asseguram a ampla diversidade na formação dos povos que componham o conjunto social. Se for discriminação motivada por raça, cor, sexo, nacionalidade ou religião, deve ser enquadrada na esfera criminal.

De acordo com a legislação pátria, quando alguém é tolhido de entrar em algum lugar ou de fazer algo legal, resultado de uma postura discriminatória, incorre-se em crime. O ódio ao outro sempre se manifestou na história da humanidade. No Brasil, apesar da composição de sua população ser de ampla miscigenação, encontram-se atitudes resistentes atentatórias à igualdade, à liberdade, ao comportamento e à postura individual ou coletiva de algumas pessoas em decidir sobre o que elas acreditam e vivenciam legitimamente em seus cotidianos. A ninguém é dada a condição de escolher os atos que outros indivíduos desempenharão, desde, claro, que essas atividades sejam legais.

No país, registra-se preconceito com pessoas cuja crença tenha relação com matrizes africanas; assim como existe preconceito em razão do tom da pele. Do mesmo modo, o preconceito manifesta-se diante de um relacionamento homoafetivo ou mesmo quando uma mulher resolve vivenciar um comportamento sexual com ampla e irrestrita liberdade de escolha. Atitudes preconceituosas são estimuladas desde a mais tenra idade, por exemplo, quando pais dizem a seus filhos que “o velho do saco” irá levá-los para longe se desobedecerem. De modo que estão tão engendradas na realidade social que, inclusive, frases, expressões e adágios populares têm conotações discriminatórias e, por conseguinte, preconceituosas.

O conjunto dessas atitudes preconceituosas e discriminatórias constitui o que se denomina de intolerância. Esta é fruto de como agem aqueles que não admitem opiniões divergentes das suas; tanto em relação a questões sociais e políticas, quanto a expressões de religiosidade ou sexualidade, por exemplo. Tudo isso tem sido fruto de uma sociedade comprometida com uma estrutura baseada em injustiças e desigualdades. Uma sociedade composta por uma minoria que sempre determinou posturas à grande maioria. Parte dessa coletividade instaurou aleivosias sobre superioridade raciais, condenou um posicionamento que contrariasse o patriarcado histórico e assombrou gerações com o silenciamento de vozes destoantes aptas a aperfeiçoarem a pluralidade universal das gentes.

A verdade é, mesmo que se apresentem discursos mentirosos - que assustam e reverberam grandiosamente no contexto social - sempre restarão luzes a contribuírem para o esclarecimento da verdade real, com o mérito de promover justiça social, de conceber esperança no surgimento de uma sociedade igualitária, em sua grande maioria, Sopros de decência humana resistem em todos os períodos em que a História resgata a evolução social. A ausência de caráter de alguns indivíduos não justifica que muitos sucumbam a negação de seus direitos mais fundamentais. Sobrepujar a legitimidade adquirida pelos indivíduos no ordenamento jurídico brasileiro é negar a própria existência de um povo e de sua pluralidade.

Por fim, a hipocrisia que ainda teima em destituir indivíduos de seus efetivos direitos deve sucumbir ao imperativo legal. Corrigir as desigualdades é a lógica essencial a fim de que se construa uma sociedade mais justa. Urge, assim, uma revisão das arbitrariedades temporais, estruturais e cumulativas que têm mantido os privilégios de um grupo em prejuízo da difusão de direitos fundamentais para a totalidade da população. Este comportamento não deve ser um predicado apenas do Estado. Precisa-se ser uma característica de toda a comunidade.

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