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Maceió/Al, 25 de abril de 2024

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01/06/2020 às 12:42

Crônica: Quando ninguém mais espirrava

 Rodrigo Alves de Carvalho (*)

Logo de manhã, numa pequena cidade chamada Escangaia, seu Raimundo, um nortista que chegara ainda criança na cidade, se preparava na porta de sua mercearia para o matinal espirro das sete horas. Infla os pulmões e absorve o puro ar interiorano com leve cheiro de bosta de vaca, olha rapidamente para o sol surgindo atrás do morro e ...

O espirro falha. Raimundo sente uma sensação ruim, algo estranho na atmosfera estranha daquela cidade. Lurdinha Linhares, uma moça prendada, mas feia, que ainda sonha com seu casamento interrompido numa tarde de eclipse solar (mas isso é outra história) caminha em direção à matriz de Bom Jesus, quando para no degrau da escada que dá acesso ao largo, coloca as grandes mãos alongadas e secas sobre a boca se preparando para um espirro, porém, nada sai.

E assim acontece sucessivamente, todos que se preparavam para um estrondoso espirro acabavam frustrados quando a grande explosão de ar misturado com fluidos corporais e ranho não saiam de suas bocas e narizes.

Com o passar dos dias a situação fica caótica. Ninguém conseguia espirrar, nem mesmo quem estava resfriado o que era mais desesperador.

E não adiantava usar de artimanhas como passar pena de galinha na pontinha do nariz, tampouco cheirar pimenta ou rapé.

Ninguém espirrava e com isso muitas doenças eram adquiridas como gripes, inflamações na garganta, sinusites e até problemas nos pulmões, já que bactérias e vírus entravam pelas narinas e boca e não eram expelidas pelos espirros. Padre Adamastor rezou missas, as beatas cantoras fizeram promessas para todos os santos e a população sucumbida do triste destino de não mais espirrar desfalecia moribunda.

Um pouco mais de um ano se passou, tudo foi tentado, mandingas, simpatias, medicamentos e reza brava, nada fez com que o cidadão escangaiense fosse curado e voltasse a espirrar.

Até a chegada de Selminha do Anjos, a mais nova moçoila do cabaré de dona Nice. Que lindeza de mulher, que perfeição e que perfume delicioso, mas insuportavelmente forte. Tão forte que os frequentadores da casa tiveram um súbito de espirros que duraram a noite toda e o dia todo. Quando a notícia de que o perfume adocicado de Selminha dos Anjos havia provocado ondas de espirros naqueles que se faziam presente ao pecaminoso cabaré, houve uma mistura de alegria e decepção.

Alegria da população em descobrir uma cura para a falta de espirros e decepção de alguns maridos da alta sociedade escangaiense que tiveram que dormir no sofá de suas casas por um bom tempo.

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

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