OPINIÃO E INFORMAÇÃO Facebook Twitter
Maceió/Al, 29 de março de 2024

Artigos

03/08/2020 às 12:33

Crônica: A Bacia Grande

Rodrigo Alves de Carvalho (*)

Dona Josefina gritava para dona Tereza trazer a bacia grande. Dona Tereza subia o barranco arrastando a gordura do corpo. 

Suava como um pedreiro sob o sol do meio dia em cima da laje. Corria dona Tereza para buscar a bacia grande na casa de dona Chica. 

As passadas de dona Tereza eram como pisadas de elefante sobre a terra. Os seios batiam-lhe o rosto, o quadril enorme esbarrava nas crianças e as atiravam para longe. O rosto vermelho, a testa franzida e a boca aberta. 

A bacia grande... a bacia grande... a bacia grande... 

O vento na tarde soprava uma poeira fina sobre os barracos de madeira. 

Homens sem camisa separavam latas de alumínio nos quintais sujos de entulho e as crianças brincavam de luta rolando como gatos no areal do final da rua. 

Dona Tereza adentra à casa de Dona Chica, esbaforida e suando uma mina d`água. 

Apanha a bacia grande e sai do barraco sem falar nada e nem por quê. 

Desce dona Tereza pelo barranco da rua em direção à casa de dona Josefina. Carrega os grandes seios, o grande quadril e a bacia grande. Esbarrando nas crianças e as atirando para longe. Gemia enquanto seus ossos estralavam pelo esforço da corrida. A bacia escorregava de sua mão, girava sob seu corpo, refletia o sol da tarde em seus olhos. 

Dona Josefina... dona Josefina... dona Josefina... 

Olhando para minha mãe estava o grande Jesus Cristo pregado na cruz pregado na parede. 

Dona Josefina apertava o barrigão de minha mãe, deitava-se sobre ele, queria que eu saísse. Minha mãe atarracava nas barras de ferro da cama do quarto enquanto contorcia-se de dor. 

Dona Tereza entra trazendo a bacia: Água quente. Limpe o sangue, limpe o que sair! 

Todos faziam força. Muita força para que finalmente ouvissem o choro recém-chegado 

E eu chorei pra valer, toda vila miserável ouviu meu choro. Os mais otimistas sorriram e os pessimistas fizeram beiço porque mais um pobrezinho vinha somar às estatísticas. 

Minha mãe suada e descabelada me abraçou e me colocou ao seu peito. O pequeno joelhinho de gente mamava alheio ao que estava em sua volta. Depois fui limpo na água quentinha em minha bacia grande. 

Presente de dona Chica. 


(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores. 

Comentários

Siga o AL1 nas redes sociais Facebook Twitter

(82) 996302401 (Redação) - Comercial: [email protected]

© 2024 Portal AL1 - Todos os direitos reservados.