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Maceió/Al, 28 de março de 2024

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15/06/2020 às 15:17

Crônica: Xixi sentado

Rodrigo Alves de Carvalho (*)

Não tinha tempo a perder com desesperos tolos de despedida, pois o trem partiria dali vinte minutos e ele nem tinha saído da casa.

As malas estavam pesadas, mas o que pesava mesmo era aquele sentimento de que tudo poderia ser diferente e ao invés de estar indo embora no trem das catorze horas, estaria deitado nos braços acalentadores de sua amada. Ou melhor, ex-amada, já que tudo o que restava agora naquela relação era o gosto amargo do fim.

Ele saiu pelo portão, aquele mesmo portão que presenciou o primeiro beijo aos olhos curiosos e vigilantes do pai dela.
Ela ficou chorando no quarto, o mesmo quarto onde fizeram amor pela primeira vez quando a prima dela casou e eles deram um jeito de voltarem mais cedo para casa.

- Se quiser ir embora, que vá! Pois eu vou voltar para junto de minha mãe e nunca mais quero te ver novamente!

No início ele achou que seria só mais uma discussão. Uma coisa boba. E ela continuou:

- Cansei de você sempre fazer a mesma coisa. Cansei desse teu jeito. Me adaptei a suas manias, fiz concessões, mudei meu jeito de agir em muita coisa só para te agradar e você não consegue nem ao menos fazer uma coisa que te peço desde que casamos!

Ele poderia também fazer concessões. Talvez deixar de jogar futebol as quartas-feiras com os amigos, talvez parar de fazer barulho quando tomava sopa, mas o que ela pedia era demais para ele que se sentia ultrajado, aquilo feria sua masculinidade.

- Quero que você passe a fazer xixi sentado no vaso para não mais respingar urina na borda da privada e no chão!

Sinceramente, aquilo era o cúmulo para ele que preferiu ir embora, deixar quem amava para trás, porém, não se sujeitar a urinar como uma mulherzinha.

O caminho até a estação parecia sem fim e a mala pesava cada vez mais.

Pensava em tudo o que foi dito, em tudo o que foi gritado e chorado. Mas sua atitude estava de acordo com tudo o que apendera em sua vida. Homem faz xixi em pé, e não seria por um capricho de sua amada que mudaria sua natureza.

Viu o trem partindo quando chegou na estação e não teve tempo nem de gritar para que o esperasse.

Sentou-se num velho banco, colocou a pesada mala ao lado e na espera do próximo trem que chegaria dali cinco horas, fez uma longa reflexão de sua vida.

Pensou, chorou, sorriu e finalmente ponderou.

Quando o trem chegou, ele se levantou, foi até o banheiro da estação, abaixou a tampa do vaso, abriu um outro sorriso... arriou as calças, sentou-se... e urinou como mulherzinha.


(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

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