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04/01/2020 às 16:47

Quantas mulheres morrerão em 2020 para aplacar a sede de sangue do machismo patológico?

Sandro Melros - é advogado, escritor e professor
Instagram: @sandromelros / @lugares_da_literatura

No primeiro dia de 2020 inicia-se uma contagem funérea, mas que compõe bem o perfil da sociedade paternalista que sempre marcou este país. A mulher brasileira tem sido vítima de uma barbárie social, qual seja seu aniquilamento, muitas vezes acobertado pela alcunha da “legítima defesa da honra”. Nessa seara desenvolve-se uma falsa defesa da moralidade – por parte de boa parte da sociedade - reveladora do verdadeiro sentido da violência contra a mulher: a vontade de subjugar o outro que, no caso em tela, é de gênero diverso do homem. 

Alguns podem até dizer que o combate à violência contra a mulher e a defesa da igualdade de gênero componha um clichê advindo de um socialismo envelhecido nos muros das academias de ciências sociais e afins. Deixe-se que os incautos acreditem. Inclusive, permita-se que afundem em suas ignorâncias medievais e de desconstrução do outro. Todavia, há de surgir um enfrentamento a toda sorte de ingenuidade social. Não por que se esteja forjando criações de círculos de discussões sobre o tema, mas pela própria necessidade de sobrevivência do pensamento discordante que se insurja contra a covardia, a injustiça e a vilania elaborada por ações misóginas. 

É ultrajante ver a sociedade brasileira afundar num ambiente em que todos os tipos de violência contra a mulher seja algo comum, muitas vezes, banalizadas nas notícias produzidas pelas mídias em massa: “mulher atacada por ex-marido não sobrevive”; “companheiro esfaqueia mulher na frente dos filhos menores”; “Marido joga mulher de apartamento após agredi-la no elevador”; “vereadora é assassinada em avenida”; “menina é morta pelo pai e madrasta”. São notícias como essa que até chocam a sociedade, porém, perdem-se no tempo, esquecidas por muitos. 

Mulheres vitimadas diariamente viram notícia para “jornalecos-pingamsangue”, inclusive, tendo como desfecho nas matérias o passo a passo da trama criminosa e a entrevista com o algoz. Pior que isso, quando seus executores sequer são punidos e, quando há repressão às práticas criminosas, muitos não sentem a devida reprovação social. Aliás, ao contrário, vê-se muitas pessoas justificando crimes contra mulheres, com desculpas vis como, por exemplo, “homem é assim mesmo”, “mulher deve ser submissa ao homem”, “homem deve ir atrás de vingar sua honra”. 

A honra nada mais é que a condição para que alguém aja com decoro, em conformidade com a ética e com o bom senso. Portanto, a palavra jamais se adequaria ao comportamento violento contra mulheres. A honra é palavra atribuída àqueles que fazem da vida condição de igualdade. Ela revela a grandeza de indivíduos que não temem ser reduzidos, confrontados, expostos, postos à prova do que quer que seja, uma vez que envolva a própria decência humana. 

Na ausência desse preceito virtuoso, por suposto, há a falta de caráter daqueles que se servem de instrumentos a fim de dominar mulheres, de tirarlhes suas qualidades de – livres - existirem a fim de realizarem o que bem lhes aprouverem. Os indivíduos que agridem são, em grande parte dos casos, os mesmos que dizem amar. Mentem e, assim, também matam com frieza e aptos a manterem-se perenes nessa “névoa sombria”, que encobre indivíduos afeitos à tirania, à crueldade desmedia, à desumanidade perversa. São pessoas que, quando cobradas por seus atos, escondem-se na proteção que seus “escudos” machistas assegurados ante uma sociedade acostumada a ver a mulher a ser humilhada, violentada e morta, sem chocar-se com a quantidade, cada vez maior, de mulheres penalizadas pela violência desmedida. 

Iniciamos um novo ano, mas as práticas não mudam. Os costumes continuam a abalizar as atitudes violentas contra as mulheres. Não são casos esporádicos. Trata-se, na verdade, de perecimento de vidas de pessoas cujo maior “pecado” tem sido nascerem mulheres. Os detratores do gênero feminino são, invariavelmente, os mesmo que perseguem homossexuais, que maltratam animais, que jogam fogo em mendigos, que assassinam índios e pequenos agricultores, expulsando-os de suas terras. São criminosos que se consideram acima da lei e, por se tratar de um país, eminentemente de homens em cargos de decisão e na cadeia de comando e de poder, acreditam na impunidade. 

Caso 2020 haja mais violências contra as mulheres, ter-se-á estatísticas em que todos precisam pensar, posto que cada um deve sentir-se responsável – ao menos indiretamente – por estas marcas previsíveis e que podem ser enfrentadas seriamente por todas as esferas sociais com reprovações de todas as práticas que humilham, diminuem, agridem e destratam a figura feminina. Não se pode admitir que se coisifiquem seres humanos, prostituindo meninas, por exemplo, degradando mulheres que estão simplesmente trafegando por avenidas, parques e praças, com assovios e palavras ultrajantes. A sociedade é cúmplice quando vê e permite que homens ajam com palavras e ações de lubricidade de homens contra meninas e mulheres. 

Propugna-se pela diminuição desses números. Cada pessoa pode envolver-se denunciando agressores à polícia e, por conseguinte, à justiça, de modo que se torne uma ampla rede de proteção apta a afastar da história desse país casos de violação aos direitos de a mulher exercer a amplitude de sua cidadania. As pessoas precisam se perceber numa coletividade em que a humanização das práticas entre os indivíduos sejam uma constante, de maneira que não se rotule indivíduos em graus de importância perante os outros em razão de gênero ou qualquer outra condição. 

Banalizar a violência contra as mulheres tem sido uma constante nessa sociedade. Porém, há oportunidades de se reverter essa situação, agindo-se com decidido enfrentamento a atitudes que revelem discriminação, agressões, assédios e ações que denigram o outro ou atente contra a legitimidade de direitos de outras pessoas. Impossível que se haja qualquer tipo de mudança sem uma tomada de consciência coletiva. Seria mais fácil se os poderes legitimados do país contribuíssem para a redução desse quadro drástico. Todavia, não há como esperar apenas por eles, uma vez que a sociedade pode ser organizada e realizar uma transformação mais efetiva em razão da não tolerância de qualquer tipo de agressão às mulheres nesse país. 

Não é não! Desobedecer a esse advérbio é agressão

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