OPINIÃO E INFORMAÇÃO Facebook Twitter
Maceió/Al, 25 de abril de 2024

Artigos

20/01/2020 às 21:55

Racismo estrutural: a sociedade esconde seu modus operandi para segregar

Sandro Melros - é advogado, escritor e professor
Instagram: @sandromelros 
@lugares_da_literatura

Por racismo estrutural identificam-se certas ações, hábitos, situações, falas e pensamentos habituais no país, a promoverem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Essa situação ocorre de modo natural, de forma que muitas vezes não se percebe o quão grave, atroz e abjeta é o resultado de tais comportamentos na sociedade. A população negra do Brasil tem assistido/sofrido cotidianamente com esse processo covarde de humilhação de pessoas em razão da cor da pele. 

A intolerância aparece em todas as atividades da sociedade brasileira. Na linguagem se destaca às vezes de forma acintosa, outras vezes já entranhada no dia a dia da população. Ao se falar, por exemplo, que um indivíduo é um “negro de alma branca”, está implícito que o indivíduo com qualidade que são próprias de pessoas brancas. Falas como essa reflete que muitas pessoas utilizam expressões do passado de um país em que a escravidão subsidiava a economia da nação, de maneira ultrajante e repulsiva. A linguagem incorpora o preconceito racial nos falantes, no caso em tela. 

Preto e negro são expressões comuns, no tocante à fala do povo brasileiro. No cenário linguístico, várias metáforas que identificam aquilo que é inferior, feio, sujo, preguiçoso, irresponsável, desonesto, entre outras que conotam tudo que serve para reprovar, diminuir, humilhar muitos indivíduos na sociedade. Muitos dizem que esses destaques não passam de exagero daqueles que perseguem atitudes “politicamente corretas”. Como se isso fosse uma bobagem extraída de pessoas intelectualmente afetadas. Nesse sentido, expressões como “denegrir” a “coisa está preta” são comuns, até mesmo entre a população negra, posto que impostas ao longo do tempo pela população branca, presenciando-se em escolas exclusivamente de branco, com livros escritos por brancos. 

"Preto quando não suja na entrada, suja na saída" – a frase é um dito popular que condiciona as mazelas ao indivíduo negro, como sendo um comportamento específico àquele indivíduo. Discursos como esses conspiram para identificar uma sociedade que se acostumou com o preconceito na linguagem, como se fizesse parte dos costumes locais, sem nenhum pudor por parte de seus interlocutores. Além de sórdida, a frase destaca que ser preconceituoso sequer precisa disfarçar nesse país. O racismo instalou-se no país de diversos modos, principalmente, quando indivíduos foram trazidos – à força – de terras longínquas contra as suas vontades. 

Racismo, portanto, vê-se nas expressões linguísticas, no ataque às crenças de matrizes africanas, nas expressões culturais e manifestações artísticas. Kabengele Munanga lembra que alguns missionários, não satisfeitos com a não receptividade de suas atividades de evangelização de africanos capturados, instalavam nos navios capelas para que os batizassem, em flagrante desrespeito à religião deles. Pretendia-se, assim, salvar as almas, deixando-se os corpos morrerem – escravizados, portanto. Tal narrativa apenas confirma que a população, cooptada pela cristianização europeia desrespeita, ataca e destrói qualquer condição civilizatória de respeitar a religião dos outros. No Brasil, de forma acintosa, a religião de matizes africanas, inclusive, nos dias atuais. 

O racismo conceitua doutrina que prega a superioridade de uma raça – ariana ou nórdica – em detrimento das demais. Pode ser conceituado como a doutrina que prega a superioridade de uma raça sobre as demais. Assim, evidencia-se o preconceito de raças. Nesse sentido, a declaração da Organização das Nações unidas sobre “A Raça e os Preconceitos Raciais”, de 27 de novembro de 1978, preceitua em seu artigo segundo, in verbis, que “O racismo engloba ideologias racistas, atitudes motivadas por preconceitos raciais, comportamentos discriminatórios, disposições estruturais e práticas institucionalizadas causadoras de desigualdade racial.” 

Há de se considerar a gravidade do racismo, condenado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, veem-se indivíduos que verbalizam que são racistas, sem temor algum à coerção do Estado. Políticos que destilam suas verves preconceituosas, racistas, neofascistas e neonazistas sem que haja qualquer tipo de repreensão por parte de seus superiores. Quando há, sempre se relativizam o que fora falado. O racismo, na verdade, modifica o sentido científico pelo qual o conceito de raça fora criado, utilizando-o para caracterizar diferenças religiosas, linguísticas e culturais. 

Essa relativização do racismo faz com que a legislação penal não seja observada com rigor. Torna a sua aplicação, de certo modo, frágil. Esconde-se o preconceito como se pode. Todavia, ele é tão deformante, que aparece prontamente, nos números de protagonistas negras nas telenovelas, inclusive, reproduzindo-se o que acontece na literatura brasileira; em uma quase total ausência de negros em cargos de direção nas empresas particulares e, do mesmo modo, em empresas públicas. Vê-se o absurdo de em estados cuja maioria se define como negra ou parda, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, sequer se presencie, por exemplo, a maioria dos médicos nos hospitais públicos. Nas campanhas publicitárias, observa-se timidamente ainda a presença de negros. Há ações – motivadas por exigências de associações negras e políticos engajados que têm exigido a mudança nessas posturas colonialistas brasileiras. Mas ainda são atitudes muito incipientes, como é o caso das cotas, por exemplo, nos vestibulares e nos concursos públicos em geral. Sim, depois de tantas explorações da mãode-obra negra, deve-se muito aos negros desse país. Talvez jamais se pague, posto que o país ainda é escravagista em sua cultura, em seus hábitos, até mesmo em seu modo de ver e de falar sobre o povo negro – que é uma das vertentes na formação da nação brasileira, registre-se miscigenada – e, assim, rica em sua formação enquanto população. 

A imprensa brasileira não considera que há um verdadeiro genocídio nos dias atuais com a população negra. Hipócrita que é, apresenta, todos os dias um negro morto, atribuindo-se, na maioria das vezes aos revezes sociais. Não se quer macular os seus senhores donos brancos das redes de televisão, de rádio e de internet no país. A Casa Grande jamais revelaria que cria todos os dias senzalas de morticínio não anunciados. 

Deplorável ver uma população, reconhecida por sua miscigenação, ainda identificar indivíduos que se arvoram mais importantes, superiores a outros, em razão da cor da pele. Claro se aduz à necessidade de se ter cativos de estimação. Essa, inclusive, é a leitura de alguns dos membros da classe média deste país: contanto que sua vida esteja bem, não se dá a mínima importância àqueles que estão sendo subjugados. Nisso se incluem os negros brasileiros. 

Não há, portanto, fórmula para se consertar indivíduos com ausência de caráter. Mas a legislação do país precisa ser instigada à respeitabilidade das garantias individuais, dentre elas, o tratamento respeitoso a todo e qualquer cidadão. Necessita-se de que a população, que se pretende desenvolvida, consiga banir o racismo, aprendendo-se com as tragédias e genocídios em nome da superioridade branca europeia. Mais ainda, na atualidade, que todos percebam que só há um caminho possível: a percepção do outro com igualdade. Apenas isso

Comentários

Siga o AL1 nas redes sociais Facebook Twitter

(82) 996302401 (Redação) - Comercial: [email protected]

© 2024 Portal AL1 - Todos os direitos reservados.