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16/11/2020 às 19:03

Crônica: O real de São Francisco

Rodrigo Alves de Carvalho (*)

No largo da igreja existe uma fonte onde moradores e turistas costumam jogar moedas para São Francisco (padroeiro da cidade) e fazem desejos, na esperança que o santo possa atender. Todo dia ao anoitecer, o vigário apanha as moedas com uma peneirinha amarrada a um cabo de vassoura. O dinheiro, que não é muito, serve para comprar alguns apetrechos e objetos de uso da igreja como velas, toalhas e materiais de limpeza. 

Certa noite, um bêbado sem nenhum tostão no bolso e seco de vontade de tomar mais uma cachaça antes de voltar para o barraco onde morava estava rodeando a fonte com ideias no mínimo pecaminosas.  Ele olha para os lados e sem avistar ninguém se estica todo para apanhar uma moeda, mas perde o equilíbrio e cai dentro da fonte. Sai todo molhado, mas com seu belo sorriso faltando quatro dentes na frente e uma moeda de um real na mão. Ao sair da água, o vigário chega apressado com o dedo em riste soltando os cachorros: 

- O que está acontecendo aqui meu São Francisco? Você está roubando o dinheiro da fonte? 

- Calma seu padre, eu posso explicar, essa moeda é minha. Não roubei nada. 

- Então como explica você estar todo encharcado? 

- É que eu tava tomando banho! 

O padre estava uma fera e passa um sermão. O bêbado molhado e cambaleando tenta dialogar: 

- Oh seu padre, só por causa de um real? São Francisco não é aquele que se desfez de todo bem material? Então ele não vai fazer conta de um real. 

O padre perde a paciência e é enérgico: 

- Saia daqui! Não quero ver você roubando a fonte de novo! 

O bêbado sai em direção a um boteco. Quando chega ao bar, uma chuva repentina começa a cair e logo se transforma numa tempestade com raios, trovões e um vento muito forte. Logo que o temporal passou, o ébrio foi embora. Ao chegar em casa constatou que a tempestade havia derrubado seu barraco, não havia sobrado nada. Alguns moradores ajudaram e ele acabou passando a noite na casa de um vizinho. No outro dia ao anoitecer, o bêbado estava de volta à fonte tentando alcançar outra moeda. O vigário ao ver a cena não acredita: 

- Você de novo! Já não basta o castigo que caiu sobre você. Roubou a moeda do santo e sua casa desabou! 

O bêbado deu dois passos para frente e um para trás. Foi sucinto: 

- Seu padre... se eu não tivesse parado aqui, pegado a moeda e ido tomar cachaça no boteco e ao invés disso tivesse ido embora direto para casa, o barraco teria caído em cima de mim. Então, acredito que só pode ter sido um milagre de São Francisco. 

O padre se cala. 

- É por isso que vim agradecer e pegar mais um real para tomar outra cachaça para comemorar... O senhor quer ir comigo? 


(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores. 


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