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23/11/2020 às 11:40

Crônica: Hoje tem velório

Rodrigo Alves de Carvalho (*)

Em meio àquela choradeira, o pequeno garoto sussurra no ouvido da mãe perguntando quem é aquele senhor que está ao lado do caixão. Sua mãe lhe responde que o homem se chama Arquimedes, e já era esperado no velório. 

Arquimedes, um senhor alto, pele clara, com umas mechas de cabelo branco acima da orelha, observava o defunto na sua estática palidez. 

Todos na cidade conheciam Arquimedes, sabiam de sua pequena fortuna, sabiam também que não tinha família, nenhum parente conhecido e sabiam ainda mais de sua fascinação por velórios e enterros. A explicação por Arquimedes comparecer a todos os velórios era simples, diziam as más línguas, ele comparece aos velórios para que, quando ele morrer, a cidade em peso compareça ao seu velório. 

Essa sem dúvida era a explicação mais lógica pelo fato de Arquimedes correr atrás de informações nas funerárias e hospitais da cidade todos os dias. Não era só isso, ele também ajudava as famílias que não podiam arcar com as despesas de um enterro. Isso fazia com que os moradores da cidade ficassem despreocupados, pelo menos na hora da morte. O problema era que muita gente aproveitava da generosidade de Arquimedes, emprestando dinheiro, dizendo que só assim morreriam felizes. Aquilo era a glória para o bondoso e ingênuo Arquimedes. 

Mas existia uma pessoa que fazia de tudo para endireitar o velório-maníaco, Mariana, seu amor por Arquimedes era muito grande e ela não se importava por todos dizerem que seu noivo era um louco varrido. O casamento que se aproximava fazia Mariana acreditar numa mudança do homem que amava. 

A igreja enfeitada, pessoas que saiam pelo ladrão, um padre com a Bíblia na mão e Arquimedes esperando Mariana, que entraria a pouco, vestida de noiva e bela. Correu um boato naquele momento que um velho havia falecido num bairro distante e o enterro seria dali a pouco. Arquimedes entrou em desespero. A vontade de comparecer ao enterro lhe subia a mente e ele tremia desesperado. 

A noiva começa a entrar sorridente na igreja, as pessoas se levantam, a marcha nupcial começa a tocar e Arquimedes toma uma atitude desesperadora. Sai correndo do altar em direção à rua, passa por Mariana e diz para esperar um pouco, que já voltava. Os convidados não entendem nada, o padre não entende nada, Mariana entende e não acredita. 

Pouco tempo depois, um cortejo fúnebre se aproxima do cemitério, haviam cinco pessoas no cortejo e uma delas estava vestida a rigor, com seu terno cinza, gravata preta, sapatos de couro, calça social e um casamento deixado para trás. 

Para encurtar a história, depois disso todos da cidade começaram a taxar Arquimedes de louco e que seu lugar era num hospício, a presença dele não era bem-vinda mais aos velórios, sua casa foi pichada, e as vidraças quebradas, a indiferença da cidade obrigou Arquimedes a se mudar de lá. 

Em outra cidade, o desconhecido e angustiado Arquimedes não durou muito tempo, morreu no hospital como indigente e nem houve velório, apenas o enterraram numa cova qualquer. 

Coitado do Arquimedes, tanto ajudou a vivos e mortos, tanto desejou um grande final para sua vida, num mega velório e no final as duas únicas pessoas que compareceram ao seu enterro foram os coveiros. 


(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

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