Arnóbio Cavalcanti

O Imposto “Zucman”: proposta para reduzir desigualdade e déficit público ganha força na Europa e repercute no Brasil

A pandemia de Covid-19 deixou um rastro profundo nas contas públicas das economias ocidentais. Com déficits crescentes e pressão orçamentária, muitos governos recorreram novamente ao receituário liberal do Consenso de Washington. Mas, em meio a esse movimento, uma proposta vem ganhando destaque — e dividindo opiniões — na Europa: o chamado Imposto Zucman.

A ideia é defendida pelo economista francês Gabriel Zucman, professor da Escola de Economia de Paris e diretor do Observatório Tributário Europeu. Especialista em desigualdade e evasão fiscal, Zucman tornou-se uma das vozes mais influentes no debate tributário internacional, com apoio de nomes de peso, como Joseph Stiglitz, George Akerlof, Paul Krugman e Esther Duflo, todos laureados com o Prêmio Nobel.

O que propõe o Imposto Zucman?

O imposto prevê uma alíquota mínima sobre o patrimônio dos super ricos, com o argumento de aliviar a carga tributária sobre a classe média. Segundo Zucman, os bilionários utilizam brechas legais nos sistemas tributários nacionais e influência política para reduzir seus impostos a níveis mínimos — algo que, em sua avaliação, aumenta a desigualdade e mina a capacidade do Estado de financiar políticas públicas.

Diferentemente de impostos tradicionais sobre bens móveis e imóveis, a proposta inclui também ativos financeiros, ações empresariais e ganhos de capital.

O caso francês: 1.800 famílias poderiam equilibrar o orçamento

Para demonstrar o impacto da medida, Zucman usa como referência os dados da economia da França. Estudo do Observatório Tributário Europeu aponta que os 0,0002% mais ricos do país — cerca de 1.800 famílias — pagam, em média, 26% de impostos, percentual que, em alguns casos, fica abaixo do pago por parte da população de renda média.

Segundo as estimativas, uma alíquota de apenas 2% sobre o patrimônio líquido desses bilionários seria suficiente para equilibrar o orçamento francês.

A proposta ganhou forte adesão popular: pesquisa do Instituto IFOP mostra que 86% dos franceses apoiam a criação do novo imposto.

Resistência: mercado e políticos liberais se opõem

O entusiasmo da população contrasta com a forte resistência de setores do mercado financeiro, CEOs de grandes empresas e políticos de direita e centro. Para esses grupos, o Imposto Zucman seria “populista” e poderia provocar fuga de capitais, prejudicar a competitividade da economia francesa e desestimular investimentos.

E no Brasil?

No Brasil, a Constituição de 1988 já prevê, no artigo 153, inciso VII, a possibilidade de criação de um imposto sobre grandes fortunas — um mecanismo semelhante ao que Zucman propõe. Apesar disso, o tema não avança. O Congresso acumula projetos sobre taxação patrimonial, mas o IGF nunca foi regulamentado. Recentemente, o STF reconheceu a omissão legislativa, mas não estabeleceu prazo para solução.

Vale destacar que estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovam que os 10% mais pobres da população brasileira chegam a comprometer cerca de 33% de seus rendimentos em impostos, enquanto os 10% mais ricos pagam, em média, cerca de 23%. Outros estudos indicam que os pobres podem pagar até três vezes mais impostos, proporcionalmente, do que os super ricos.

Com o país enfrentando sucessivas crises fiscais e aumento de desigualdade, a pergunta volta ao centro do debate.

A taxação das grandes fortunas poderia ajudar a resolver o desequilíbrio das contas públicas e redução da pobreza, ou seria uma medida ineficaz e potencialmente prejudicial à economia brasileira?

Arnóbio Cavalcanti

Arnóbio Cavalcanti

Sobre

Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.

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