Arnóbio Cavalcanti

Trump e o Comércio: Como a Política Econômica Aprofunda as Desigualdades Estruturais

As declarações e medidas econômicas de Donald Trump, ao longo de 2025, recolocaram no centro do debate uma questão antiga, mas longe de estar superada: as desigualdades estruturais do comércio internacional. O discurso protecionista do presidente dos Estados Unidos, combinado com ameaças tarifárias e gestos simbólicos de afirmação de poder, reacende discussões que mobilizaram economistas críticos ainda nas décadas de 1960 e 1970.

Naquele período, autores de inspiração marxista como Samir Amin e Arghiri Emmanuel questionaram a visão liberal dominante, representada por Walt Rostow. Para Rostow, o subdesenvolvimento seria apenas uma etapa transitória para se chegar ao estágio de desenvolvimento. Bastaria que os países pobres seguissem o mesmo caminho trilhado pelas nações industrializadas — passando pela fase de “decolagem” (take-off) — para alcançar o desenvolvimento e o consumo de massa.

Essa leitura otimista do capitalismo internacional, defendida pelos liberais seguidores de Rostow, pressupunha que as trocas comerciais entre os países ricos e pobres tenderiam ao equilíbrio ao longo do tempo. Mesmo que, num primeiro momento, países agrícolas perdessem ao negociar com economias industrializadas, o desenvolvimento de novos parques industriais corrigiria essa assimetria. A história, contudo, mostrou-se menos generosa com essa promessa.

Para os economistas marxistas, a troca desigual não é um desvio temporário, mas uma engrenagem central do atual capitalismo global. Países periféricos continuam exportando bens primários e produtos de baixo valor agregado, enquanto importam manufaturas, tecnologia e serviços caros. O resultado é a perpetuação do subdesenvolvimento e da dependência econômica — uma forma moderna de neocolonialismo, sem ocupação territorial formal, mas com forte dominação econômica e política.

É nesse contexto que a política econômica de Trump deve ser interpretada. Ao anunciar tarifas de 25% sobre aço e alumínio e ameaçar ampliá-las para outros produtos, o presidente norte-americano reforça uma lógica de defesa agressiva dos interesses dos países centrais. As declarações sobre anexações, controle de territórios estratégicos, como o da Venezuela, e a mudança simbólica do nome do Golfo do México, ainda que não concretizadas, revelam uma postura de reafirmação de hegemonia.

Para o Brasil, os riscos são evidentes. Os Estados Unidos são hoje o segundo maior parceiro comercial do país. Em 2024, o intercâmbio bilateral resultou em déficit para o lado brasileiro. Mais grave, porém, é a composição dessa pauta: o Brasil exporta principalmente petróleo bruto, produtos semiacabados e commodities, enquanto importa bens industrializados e de alto valor agregado. Trata-se de um padrão clássico de troca desigual.

Os EUA anunciaram recentemente a retirada da tarifa de 40% de alguns produtos brasileiros. Essa medida beneficia carne bovina, café, açaí, cacau e diversos outros produtos. São mais de 200 itens que foram acrescentados à lista anterior de quase 700 exceções ao tarifaço imposto ao Brasil. Caso as medidas protecionistas de Washington não sejam extintas na totalidade, os efeitos tendem a ser negativos para economias periféricas como a brasileira, aprofundando déficits externos, limitando o crescimento e reforçando a dependência tecnológica.

Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é inevitável: estariam errados os economistas marxistas ao afirmar que o capitalismo liberal reproduz desigualdades estruturais entre os países do primeiro mundo e do terceiro mundo? A política econômica de Trump sugere que, longe de superadas, essas contradições seguem vivas — e talvez mais explícitas do que nunca.

Arnóbio Cavalcanti

Arnóbio Cavalcanti

Sobre

Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.

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