Jorge Luiz Bezerra

A incoerência do desarmamento: Entre a vontade popular e a leniência estatal

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RESUMO
Este artigo faz uma sucinta análise crítica do modelo brasileiro de desarmamento civil, confrontando-o com a vontade popular expressa no referendo de 2005 e com a realidade das facções armadas nas periferias urbanas. A partir de teorias criminológicas, argumentos filosóficos e dados comparativos internacionais, defende-se o direito à legítima defesa armada como expressão da cidadania e resistência à falência estatal. Jurisprudência nacional e estudos empíricos reforçam a tese de que o desarmamento legal atinge preferencialmente o cidadão honesto, sem reduzir efetivamente a criminalidade. Conclui-se pela necessidade de revisão crítica das políticas públicas de segurança, com base em evidências e respeito à soberania popular.

Palavras-chave: Desarmamento; Legítima defesa; Segurança pública; Criminologia; Direito comparado.

ABSTRACT
This article critically examines Brazil’s civilian disarmament model, contrasting it with the popular will expressed in the 2005 referendum and the reality of armed criminal factions in urban peripheries. Drawing on criminological theories, philosophical arguments, and international comparative data, it defends the right to armed self-defense as a legitimate expression of citizenship and resistance to state failure. Brazilian jurisprudence and empirical studies support the thesis that legal disarmament disproportionately affects law-abiding citizens without effectively reducing crime. The article concludes by calling for a critical review of public security policies based on evidence and democratic sovereignty.

Keywords: Disarmament; Self-defense; Public security; Criminology; Comparative law.


1. INTRODUÇÃO

Em 2005, o povo brasileiro rejeitou, por maioria expressiva, a proposta de proibição da comercialização de armas de fogo. O referendo foi claro: o cidadão deseja manter o direito à legítima defesa. No entanto, o Estado, por meio de regulações infralegais e entraves burocráticos, ignorou essa decisão soberana. O resultado é um paradoxo democrático: o povo quer, mas não pode.

Enquanto isso, facções criminosas seguem armadas, territorializadas e impunes nas periferias urbanas. O desarmamento legal atinge o cidadão honesto, enquanto o criminoso permanece protegido pela omissão estatal. Este artigo propõe uma análise crítica desse modelo, articulando teoria criminológica, jurisprudência nacional e dados comparativos internacionais.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A análise parte de três eixos teóricos:

2.1 Teoria Econômica do Crime e Teoria da Escolha Racional
Gary Becker (Nobel de Economia-1982) propõe que o crime é uma escolha racional, em que o infrator avalia riscos e benefícios. Desarmar o cidadão reduz o risco para o criminoso, tornando o crime mais atrativo. Tanto criminosos quanto não-criminosos agem buscando maximizar seu bem-estar como o concebem, mas as escolhas são baseadas em probabilidades de detecção, severidade das punições e ganhos esperados.

Ainda segundo a Teoria da Escolha Racional – Beccaria depois, Becker, Cornish & Clarke (1986) - um lar com uma arma aumenta o risco percebido pelo delinquente: o criminoso pondera que poderá enfrentar resistência armada. Isso eleva o custo potencial do crime e altera seu cálculo racional — podendo levá-lo a desistir da ação.

2.2 Teoria da Atividade Rotineira
Felson e Cohen (1979) afirmam que o crime ocorre quando há um infrator motivado, uma vítima adequada e ausência de guardião capaz. O cidadão armado é esse guardião.

2.3 Filosofia Política e Direito Natural
Stephen Halbrook (1994) e William Blackstone (1765) defendem que o direito à autodefesa é extensão do direito natural à liberdade e resistência à tirania. John Lott Jr. (1998) demonstra empiricamente que o aumento da posse legal de armas está correlacionado à redução da criminalidade.

3. JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trata a posse irregular de arma de fogo como crime de perigo abstrato, mesmo quando desmuniciada (HC 759.689). O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, admite o princípio da insignificância em casos específicos, como munição desacompanhada.

O artigo 25 do Código Penal garante a legítima defesa como excludente de ilicitude, mas o acesso ao instrumento de defesa — a arma — é cada vez mais restrito, criando um descompasso entre norma e realidade.

4. DADOS COMPARATIVOS INTERNACIONAIS 

Estudos internacionais revelam que o desarmamento legal não está necessariamente associado à redução da violência:

Estados Unidos: aumento da posse legal de armas correlacionado à queda da criminalidade (Lott Jr., 1998).

Reino Unido: após o Firearms Act de 1997, houve aumento nos índices de crimes violentos. Amiúde, o Firearms (Amendment) Act 1997 e o Firearms (Amendment) (No. 2) Act 1997 foram duas legislações consecutivas aprovadas pelo Parlamento do Reino Unido em resposta ao massacre de Dunblane/Escócia, ocorrido em março de 1996, quando um homem armado com pistolas legalmente registradas assassinou 16 crianças e um professor em uma escola primária naquela cidade.

Aprovado pelo governo trabalhista de Tony Blair, este segundo ato(Firearms nº 2) proibiu a posse privada de todas as pistolas de cartucho, independentemente do calibre. Com isso, praticamente todas as armas curtas foram banidas da posse civil na Grã-Bretanha.

Interpretação crítica acerca do Desarmamento no Reino Unido

Antes de 1997, o Reino Unido já era um país com baixíssimos índices de homicídio. A posse de armas curtas era permitida, mas fortemente regulada.

Após o banimento, houve um aumento nos homicídios por cerca de sete anos, o que sugere que o impacto direto da proibição foi, no mínimo, ambíguo.

A queda posterior estaria associada a estratégias integradas de policiamento, prevenção comunitária e reformas sociais do que exclusivamente à retirada das armas.

O crescimento recente (2016–2017) indica que fatores como desigualdade, gangues urbanas e tráfico de drogas teriam mais peso na dinâmica da violência do que o acesso legal a armas.

Suíça e Áustria: alta taxa de armas por habitante e baixos índices de
homicídio.

Honduras: baixa taxa de armas legais e altos índices de homicídio.

No Brasil, após o Estatuto do Desarmamento (2003), os homicídios com arma de fogo aumentaram 22% na década seguinte (Instituto Defesa, 2023).

5. DISCUSSÃO: O DIREITO DE DEFESA COMO RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA

A arma legal não é símbolo de violência, mas de resistência legítima à falência estatal. O desarmamento civil, ao atingir apenas os cidadãos honestos, revela-se uma política pública ineficaz e injusta. Como afirmou John Lott Jr.: “A criminalidade não diminui quando se desarma o cidadão. Ela apenas muda de alvo.”

6. CONCLUSÃO
Enquanto o Estado insiste em desarmar o cidadão que paga impostos, cria empregos e sustenta a máquina pública, os criminosos desfilam com fuzis pelas ruas, como se fossem os verdadeiros beneficiários da política de segurança.

Desarmar o cidadão honesto é negar-lhe o direito à sobrevivência diante da omissão estatal. O referendo de 2005 expressou claramente a vontade popular, ignorada por políticas públicas que privilegiam o controle sobre a proteção. É urgente revisar criticamente o modelo vigente, com base em evidências empíricas, respeito à soberania democrática e valorização da cidadania ativa.

A lógica desarmamentista, travestida de política pública, revela-se uma forma de justiça invertida: protege o agressor e expõe o vulnerável. É chegada a hora de reconhecer que a arma guardada na mesa de cabeceira não é símbolo de violência, mas de resistência legítima à ameaça de um bem público essencial como a segurança.

REFERÊNCIAS
BECKER, Gary. Crime and Punishment: An Economic Approach. Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, 1968.

BLACKSTONE, William. Commentaries on the Laws of England. Oxford: Clarendon
Press, 1765.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SANNINI NETO, Francisco. Porte de Armas e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2018.

CLARKE, Ronald V.; CORNISH, Derek B. The Reasoning Criminal. New York: Springer, 1986.

COHEN, Lawrence E.; FELSON, Marcus. Social Change and Crime Rate Trends: A Routine Activity Approach. American Sociological Review, v. 44, n. 4, 1979.

GUSMÃO, Diego F. H. O. O Controle de Acesso ao Armamento e o Direito à Legítima Defesa. Rio de Janeiro: ESG, 2021.

HALBROOK, Stephen P. That Every Man Be Armed: The Evolution of a Constitutional Right. Oakland: Independent Institute, 1994.

LOTT JR., John R. More Guns, Less Crime: Understanding Crime and Gun Control Laws. Chicago: University of Chicago Press, 1998.

STJ. HC 759.689/SP. Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro. DJe 15/03/2023.

INSTITUTO DEFESA. Principais dados científicos e estatísticos sobre liberdade de
acesso às armas. Disponível em: https://www.defesa.org/. Acesso em: 20 ago.
2025.

VEJA. O porte de armas aumenta ou diminui a violência? Disponível em:
https://veja.abril.com.br/. Acesso em: 20 ago. 2025

Jorge Luiz Bezerra

Jorge Luiz Bezerra

Sobre

É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos

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