Narcoterrorismo ignorado: a luta que o Brasil se recusa a travar

Resumo
Este artigo analisa criticamente a recusa do governo brasileiro em classificar facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho como organizações terroristas, mesmo diante de evidências de atuação transnacional e da pressão formal dos Estados Unidos. A partir de posições de especialistas brasileiros e norteamericanos, defende-se a criação de uma legislação específica contra organizações narcoterroristas como passo decisivo para enfrentar a guerra contra o crime organizado. A análise aponta os riscos da leniência institucional e propõe uma reorientação estratégica baseada em cooperação internacional e rigor jurídico.
Palavras-chave: narcoterrorismo, PCC, Comando Vermelho, legislação penal, cooperação internacional, segurança pública.
Abstract
This article critically examines the Brazilian government's refusal to classify criminal factions such as PCC and Comando Vermelho as terrorist organizations, despite evidence of transnational operations and formal pressure from the United States.
Drawing on expert opinions from Brazilian and American scholars, it argues that creating specific legislation against narcoterrorist organizations is a decisive step in the war against organized crime. The analysis highlights the risks of institutional leniency and proposes a strategic shift grounded in international cooperation and legal rigor.
Keywords: narcoterrorism, PCC, Comando Vermelho, criminal law, international cooperation, public security.

1. Introdução
A negativa do governo brasileiro em atender ao pedido formal dos Estados Unidos para classificar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas, conforme noticiado pela agência Reuters (2025), revela uma postura institucional que beira a omissão estratégica. A justificativa de que tais grupos não possuem motivação ideológica, conforme exige a Lei nº 13.260/2016, ignora o fato de que essas facções já operam como redes transnacionais de narcotráfico, lavagem de dinheiro e controle territorial — características típicas de organizações terroristas contemporâneas.
A recusa brasileira ocorreu em 6 de maio de 2025, durante reunião em Brasília com representantes do Departamento de Estado dos EUA e da OFAC (Office of Foreign Assets Control), órgão do Departamento do Tesouro responsável por aplicar sanções econômicas contra indivíduos e entidades envolvidas em atividades ilícitas internacionais. A negativa comprometeu a possibilidade de ações conjuntas de inteligência, congelamento de ativos e controle migratório.
2. Fundamentos da recusa brasileira
A legislação antiterrorismo brasileira (Lei nº 13.260/2016) define terrorismo como atos motivados por xenofobia, intolerância religiosa, política ou ideológica. Essa delimitação exclui facções como o PCC e o CV, cuja motivação é essencialmente econômica. O governo federal sustenta que a repressão deve ocorrer dentro do marco penal comum, evitando o uso de medidas excepcionais que poderiam gerar tensões sociais e críticas de organismos internacionais de direitos humanos.
Contudo, essa interpretação excessivamente formalista ignora a evolução das práticas criminosas e a sofisticação das redes que atuam em múltiplas jurisdições. Como alerta Shelley (2014), “nenhum país pode enfrentar sozinho redes criminosas que operam em múltiplas jurisdições”, sendo as forças-tarefa internacionais instrumentos indispensáveis para desmantelar estruturas que se alimentam da fragmentação legal.

3. Ameaça transnacional e cooperação internacional
3.1. Caso Massachusetts: prisões de brasileiros ligados ao PCC nos EUA
Em março de 2025, o Escritório do Procurador dos Estados Unidos para o Distrito de Massachusetts divulgou comunicado oficial anunciando a acusação de 18 cidadãos brasileiros por envolvimento em esquema de tráfico de armas e drogas, com vínculos diretos ao Primeiro Comando da Capital (PCC). A operação, denominada Take Back America, resultou na apreensão de aproximadamente 110 armas de fogo ilegais, munições e quantidades significativas de fentanil, substância considerada uma das principais causas de mortes por overdose nos EUA.
Segundo os documentos judiciais e o affidavit de prisão, os acusados operavam em diversas cidades do estado — incluindo Boston, Framingham, Malden e Marlborough — e comercializavam pistolas, rifles e espingardas provenientes da Flórida e da Carolina do Sul. A investigação revelou que parte do arsenal estava vinculado a atividades de facções transnacionais, com destaque para o PCC, além de conexões com gangues locais como “Tropa de Sete” e “Trem Bala”.
A procuradora federal Leah Foley classificou o grupo como parte de um “sindicato do crime transnacional” que se infiltrou em comunidades americanas, operando com estrutura organizada e métodos típicos de redes mafiosas. A diretora interina da ICE (Immigration and Customs Enforcement) e ERO ( Enforcement and Removal Operations), Patricia Hyde, destacou o risco da combinação entre tráfico de armas e fentanil, afirmando que os réus estavam “envolvidos com organizações criminosas transnacionais perigosas”.
Esse caso emblemático reforça a percepção norte-americana de que o PCC não apenas representa uma ameaça doméstica no Brasil, mas também atua como rede criminosa globalizada, com capacidade de infiltração em território estrangeiro. A existência de autos federais que mencionam diretamente o PCC como parte das alegações criminais fortalece a justificativa dos EUA para solicitar ao governo brasileiro a classificação dessas facções como organizações terroristas, além de propor cooperação legislativa e operacional mais robusta.
A atuação do PCC em ao menos 28 países, com células identificadas em 12 estados norte-americanos (Reuters, 2025), evidencia a transnacionalização da facção. O uso de criptomoedas, empresas de fachada e rotas internacionais de tráfico exige uma resposta articulada entre países. Nesse sentido, autores como Glenny (2008) defendem que “a ausência de uma resposta internacional articulada é o maior presente que os chefes do crime organizado poderiam receber”.
A recusa brasileira em aderir a forças-tarefa com os EUA, como sugerido pelo Departamento do Tesouro e pela OFAC, compromete a eficácia das ações de inteligência, sanções financeiras e controle migratório. Como destaca Miklaucic (2013), “nenhum país vence o crime organizado sozinho”, sendo a cooperação internacional uma exigência estratégica. Em sua obra Convergence: Illicit Networks
and National Security in the Age of Globalization, o Prof. Michael Miklaucic defende que o combate eficaz ao crime organizado exige respostas integradas e multinacionais, especialmente diante da convergência entre redes ilícitas, corrupção e terrorismo.

4. Posições de especialistas favoráveis ao endurecimento legal
Diversos especialistas brasileiros e norte-americanos defendem o endurecimento da legislação contra facções criminosas:
Lincoln Gakiya (Promotor de Justiça do GAECO/MP-SP) afirma que a atuação do PCC já ultrapassa os limites do crime comum e exige uma legislação nos moldes da antimáfia italiana.
Marcus Vinícius Oliveira de Almeida (Secretário de Segurança do Amazonas) sustenta que a união entre PCC e CV deveria ser suficiente para sua classificação como terroristas.
Christopher Garman (Eurasia Group) alerta para a infiltração do PCC no setor privado e a necessidade de medidas excepcionais.
David Gamble (Departamento de Estado dos EUA) defende que a designação como terroristas facilitaria sanções econômicas e ações coordenadas.
Felipe Gonzales Saraiva da Rocha (DefesaNet) argumenta que o narcotráfico latino-americano já opera com métodos idênticos aos de grupos jihadistas.
Louise Shelley (George Mason University) sustenta que a fragmentação legal entre países é explorada pelas redes criminosas, e que forças-tarefa
internacionais são essenciais para enfrentá-las.
Misha Glenny (jornalista investigativo britânico) documenta como redes criminosas globais exploram falhas de coordenação entre países e defende jurisdição cruzada como resposta proporcional à ameaça.
5. A urgência de uma lei contra narcoterrorismo
A proposta de ampliação da Lei nº 13.260/2016, em tramitação no Congresso Nacional, visa incluir facções e milícias como alvos da legislação antiterrorismo. Essa mudança permitiria:
Aplicação de penas de até 30 anos;
Classificação como crime hediondo, inafiançável e insuscetível de anistia;
Investigação de atos preparatórios e financiamento ilícito com maior rigor;
Proteção de servidores públicos e infraestruturas críticas.
A ampliação da Lei nº 13.260/2016 está sendo discutida no Congresso Nacional por meio de três projetos principais:
PL nº 2.428/2025, de autoria do Deputado Capitão Alden (PL/BA), propõe incluir como atos de terrorismo as ações de organizações criminosas armadas que pratiquem domínio territorial e intimidação da população. O relator, Deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP), apresentou parecer favorável.
PL nº 240/2025, do Deputado Sargento Portugal (Podemos/RJ), busca incluir crimes cometidos por milícias e facções na definição de terrorismo. O projeto está apensado ao PL nº 4465/2024 e aguarda despacho para tramitação.
PL nº 1.283/2025, do Deputado Danilo Forte (União-CE), propõe punições mais graves para quem impõe terror social por meio de domínio territorial. O regime de urgência foi aprovado em 26 de maio de 2025, e o projeto será votado diretamente em plenário.
Essas propostas representam um avanço legislativo necessário para enfrentar o narcoterrorismo com instrumentos jurídicos proporcionais à gravidade da ameaça.
A equiparação ao terrorismo não é apenas simbólica — é estratégica. Reconhecer que o PCC e o CV impõem domínio territorial, controlam comunidades e desafiam o Estado é reconhecer o óbvio de que estamos diante de uma guerra assimétrica.
6. Conclusão
Como afirma o procurador antimáfia italiano Giovanni Melillo (apud G1, 2025), “o mundo do crime está globalizado, e só com cooperação internacional e legislação robusta é possível enfrentá-lo”. O Brasil precisa abandonar o receio de parecer autoritário e assumir o protagonismo no combate ao narcoterrorismo. A recusa em endurecer a legislação é, na prática, uma concessão à impunidade.
O Brasil tem capital humano, inteligência policial e apoio internacional para virar esse jogo. Com coragem legislativa e articulação estratégica, pode transformar-se em referência no combate ao crime organizado — não pela repressão cega, mas pela firmeza constitucional. A guerra contra o narcoterrorismo pode ser vencida. Mas ela começa com a escolha de lutar.
Referências bibliograficas
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MIKLAUCIC, Michael; BREWER, Jacqueline (Ed.). Convergence: Illicit Networks and National Security in the Age of Globalization. Washington, D.C.: National Defense University Press, 2013.
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SHELLEY, Louise. Dirty Entanglements: Corruption, Crime and Terrorism. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.
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