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Bens esquecidos no inventário podem virar prejuízo e dívidas para herdeiros

No Brasil, o prazo legal para abertura do inventário é de 60 dias após o falecimento, sob pena de multa. Ainda assim, milhares de famílias adiam o início do processo e acabam enfrentando um efeito colateral pouco discutido: a deterioração do patrimônio. Imóveis abandonados continuam acumulando IPTU, taxas e condomínio, veículos parados geram IPVA e multas, e aplicações financeiras ou créditos judiciais podem simplesmente passar despercebidos. Segundo especialistas, em casos extremos, as dívidas podem ultrapassar o valor dos bens, transformando a herança em prejuízo. Nesta entrevista, a advogada Valéria Lucena, especialista em Direito Sucessório, detalha quais bens mais costumam ser esquecidos durante o inventário, por que isso acontece e como a falta de gestão do espólio pode comprometer seriamente o patrimônio dos herdeiros.

Quais são os tipos de bens que mais costumam ser esquecidos ou negligenciados durante um inventário?

Os bens mais esquecidos costumam ser aqueles que não estão imediatamente à vista ou cujo valor a família desconhece: aplicações financeiras, terrenos em áreas afastadas, quotas de empresas, créditos judiciais e até restituições de imposto de renda.

Por que isso acontece com tanta frequência? Falta de orientação, burocracia, desconhecimento da família?

É uma combinação de fatores. Muitas famílias não possuem organização documental, desconhecem o patrimônio real do falecido ou têm dificuldade de acessar informações bancárias e fiscais. Soma-se a isso a falta de orientação jurídica desde o início do processo também contribui para omissões, assim como a própria burocracia de localizar certidões, cadastros e registros espalhados por diferentes órgãos.

Quais os principais prejuízos que bens abandonados podem gerar para os herdeiros?

O principal prejuízo é a perda financeira direta: o acúmulo de dívidas, multas, juros e encargos pode superar o valor do próprio bem. Além disso, há desvalorização por falta de manutenção, riscos de invasão, deterioração física e até perda do bem por execução fiscal. Em alguns casos, o espólio deixa de aproveitar oportunidades de venda ou locação que poderiam custear o inventário.

IPTU, IPVA, multas e taxas podem realmente consumir boa parte da herança? Há casos extremos?

Sim. Existem casos em que o IPTU atrasado por anos supera o valor do imóvel, especialmente em cidades com alíquotas elevadas ou imóveis desocupados. Da mesma forma, veículos com IPVA acumulado e multas podem tornar-se praticamente inviáveis para transferência, levando os herdeiros a abandoná-los. Há situações extremas em que a execução fiscal leva o bem a leilão, restando pouco ou nada para a partilha.

O que acontece quando o imóvel se deteriora durante o inventário? Quem responde pela desvalorização?

A deterioração resulta em desvalorização imediata do patrimônio, impactando diretamente o valor partilhado. A responsabilidade primária é do espólio, mas o inventariante pode responder se ficar demonstrado que houve negligência na administração. O Código de Processo Civil estabelece o dever de zelo e gestão responsável dos bens do espólio.

Em que momento essas dívidas passam a recair sobre os herdeiros?

As dívidas são do espólio até a conclusão da partilha. Após o encerramento do inventário, os herdeiros assumem proporcionalmente os débitos vinculados aos bens que receberam. Contudo, durante o processo, o espólio já pode sofrer cobranças, inscrições em dívida ativa e execuções.

Quem é responsável por administrar esses bens enquanto o inventário não é concluído?

O inventariante é o administrador legal. Cabe a ele preservar, manter, pagar despesas essenciais e evitar deterioração dos bens.

O inventariante pode ser responsabilizado se houver negligência?

Sim. Se comprovada má gestão ou omissão que cause prejuízo ao espólio, o inventariante pode ser removido, responder civilmente e ter de indenizar os demais herdeiros.

Existem prazos legais que obrigam a família a cuidar dos bens do espólio?

A lei não define prazos específicos para manutenção, mas há prazo para abertura do inventário (60 dias a contar do falecimento, sob pena de multa). Porém, a jurisprudência entende que a omissão que provoque prejuízos pode gerar responsabilidade do inventariante ou dos herdeiros que se beneficiaram da negligência.

Quais medidas devem ser tomadas imediatamente após o falecimento para evitar acúmulo de dívidas?

As principais medidas são: levantar toda a documentação do falecido, mapear bens e dívidas, comunicar bancos e instituições, regularizar IPTU, IPVA e taxas essenciais, providenciar a escolha do inventariante e iniciar o inventário dentro do prazo legal. Também é recomendável verificar alugueis, contratos em vigor e seguros ativos.

Como manter imóveis, veículos ou empresas do falecido em funcionamento ou preservação durante o processo?

Para imóveis: manutenção mínima, pagamento de impostos e, quando possível, locação para gerar receita. Para veículos: pagamento de IPVA e seguro, guarda em local adequado e manutenção básica. Para empresas: continuidade das atividades, regularidade fiscal e, se necessário, nomeação de administrador provisório.

É recomendável vender bens antes da finalização do inventário? Em quais situações isso é permitido?

A venda antes da partilha é possível, mas depende de autorização judicial ou consenso de todos os herdeiros em inventário extrajudicial. É recomendável quando o bem está se deteriorando, acumulando dívidas ou quando há necessidade de custear o próprio inventário.

O que as famílias devem observar para garantir que nenhum bem seja esquecido no inventário?

Organizar documento por documento, solicitar extratos fiscais, consultar cartórios, bancos e juntas comerciais, verificar veículos no Renavam, checar registros imobiliários, processar buscas na Justiça e analisar declarações de imposto de renda dos últimos anos. Um levantamento patrimonial completo evita omissões.

Como lidar com IPTU, IPVA e outras taxas que continuam correndo?

Enquanto o inventário tramita, o espólio deve continuar pagando tributos e taxas. Caso haja dificuldade, é possível solicitar parcelamentos, renegociações e até utilizar valores de contas bancárias do falecido mediante autorização judicial.

Há maneiras de reduzir custos e evitar desvalorização do patrimônio enquanto o inventário tramita?

Sim. Manter os bens ocupados ou locados, parcelar débitos, renegociar tributos, permitir manutenção preventiva e evitar litígios que prolonguem o processo. Também é possível antecipar decisões de uso ou venda mediante consenso dos herdeiros.

Quais mudanças recentes na legislação sucessória impactam esse tipo de situação?

A ampliação do uso do inventário extrajudicial acelerou processos. Além disso, a jurisprudência vem fortalecendo o dever de administração diligente do inventariante, aumentando o risco de responsabilização por negligência.

Casos de inventários muito longos (às vezes mais de 10 anos) são comuns no Brasil? Por quê?

Infelizmente, sim. Os principais motivos são conflitos entre herdeiros, falta de documentos, dívidas elevadas, litígios paralelos, imóveis irregulares e má administração do espólio. Em inventários judiciais congestionados, um processo pode perdurar décadas.

Há diferenças no tratamento de bens abandonados em inventários judiciais e extrajudiciais?

Sim. No inventário extrajudicial, os herdeiros precisam estar de acordo, o que tende a evitar abandono. No judicial, a existência de conflitos pode paralisar decisões de manutenção, permitindo acúmulo de dívidas e deterioração. Além disso, no judicial o juiz precisa autorizar diversos atos, o que pode retardar providências urgentes.

Qual é o maior erro que as famílias cometem ao lidar com bens do falecido?

Aguardar para “resolver depois” e atrasar a abertura do inventário. O tempo multiplica dívidas, deteriora bens e amplia conflitos.

Se pudesse dar uma única recomendação para evitar prejuízos, qual seria?

Iniciar o inventário imediatamente e fazer um levantamento completo de todos os bens e dívidas, buscando orientação jurídica especializada desde o primeiro momento. A prevenção é mais barata e eficiente do que tentar recuperar patrimônio já deteriorado.

Fonte: Assessoria