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Maceió/Al, 19 de maio de 2024

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31/10/2022 às 13:36

Crônica: O sorriso cegante de Ataliba

Por Rodrigo Alves de Carvalho 

Ataliba havia parado de sorrir por longos 12 anos. O coitado evitava ao máximo mostrar seus alvos dentes perto de outras pessoas. Por isso, vivia praticamente recluso. 

Tudo começou quando na meninice seus dentes de leite começaram a cair e os dentes permanentes foram substituindo e crescendo, cada qual em seu devido lugar. 

A cada dente que nascia, observava uma brancura intensa, por mais que o menino ficasse sem escovar os dentes, esses permaneciam brancos e limpos. Podia o sorridente Ataliba comer vários jatobás e mesmo assim, seus dentes não amarelavam. 

Ao crescer e após todos os dentes estarem em sua boca, Ataliba começou a perceber que a brancura aumentava cada vez mais, chegando a brilhar de tão brancos e limpos. 

O que no começo era motivo de elogios por parte das pessoas por conservar os dentes tão impecavelmente limpos, e uma grande insatisfação dos dentistas por não constatarem nenhuma cariezinha sequer, foi se transformando em constrangimento, a partir do momento em que o brilho de seus dentes passou a incomodar essas mesmas pessoas. O brilho passou a ser tão intenso que chegava a atrapalhar a visão e até mesmo, cegar temporariamente quem olhava para eles. 

Os amigos de Ataliba passaram a evita-lo para não sentirem vergonha. Nas ruas, quando Ataliba sorria educadamente para alguém, tinha que aceitar a triste sina de ver esse alguém sair correndo de medo do brilho de seus dentes. 

Uma vez, seu sorriso brilhoso chegou a causar um acidente envolvendo três automóveis, quando Ataliba sem querer, acabou sorrindo ao encontrar uma nota de dois Reais no chão da praça da cidade. Por sorte, ninguém se feriu seriamente, apenas houve danos materiais. 

Dizem, não sei se é verdade, que alguns cachaceiros do boteco perto da quitanda fizeram amizade com Ataliba, só para convida-lo para caçar rãs no brejo da saída da cidade. Assim, economizam com lanternas ao usarem o sorriso de Ataliba para caçarem os batráquios. 

Porém, Ataliba sabe, é claro que sabe, que essa amizade não é verdadeira, pois nunca sequer o convidaram para tomar uma cachacinha no botequinho sujo nos finais de tarde. 

Mas, o fim da picada aconteceu quando após muitas correspondências com Maria Zulmira, uma pretendente que morava numa cidadezinha próxima, conseguiu marcar um encontro com ela. 

No fatídico dia do encontro, a moça recebeu um brilho tão forte em seus olhos, que a coitada tem que usar óculos escuros até hoje, quando sai de casa na luz do dia. 

Por isso, Ataliba decidiu nunca mais sorriu e permaneceu assim por longos 12 anos. 

Até que recentemente, tomou uma atitude drástica e arrancou dente por dente. Conseguiu tal façanha com um dentista corajoso, que protegeu seus olhos com uma máscara de solda. 

Ataliba ficou banguela, com a boca murcha, mas com um sorriso enorme para todo mundo ver, mostrando orgulhoso suas rosadas gengivas que não cegam mais ninguém. 


(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2022 relançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores, disponível na Amazon, Americanas.com, Estante Virtual e Submarino.


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