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23/09/2019 às 10:07

Judas: o beijo que ainda se dissimula

Sandro Melros - é advogado e professor

A figura bíblica de Judas Iscariotes metaforiza a traição. Na fala de Jesus aos apóstolos: “Em verdade, em verdade, vos digo: um de vós me entregará”. Ele sabia que seria traído e aceitou essa condição. Esse acontecimento, creditado por diversas vertentes religiosas, representa um sentimento que aflige a humanidade. A história registra a morte do imperador Júlio Cesar que cunhou a célebre frase “Até tu, Brutus, filho meu?” no século I A.C. O imperador romano Júlio César foi vítima de uma conspiração de senadores para tirá-lo do cargo. Entre eles estava o seu filho adotivo Marcus Brutus. Com o tempo, a frase adquiriu sentido simbólico e repercute sempre que alguém que se estima muito age contrário à expectativa de outrem. De modo enigmático o romance machadiano Dom Casmurro perpetua uma suposta infidelidade que eleva debates literários sobre a intencionalidade no julgamento de um narrador-personagem que acredita ter sido traído pela mulher, sua amiga desde a infância.

Vive-se na contramão da segurança sobre as relações humanas. Aliás, esse foi um alerta genial de Nelson Rodrigues quando disse que “Só o inimigo nunca trai”, isso por que, deste, já se esperam atos de contrassenso. Todavia, em atitudes daqueles que se estima muito isso é doloroso, degradante e, em muitos casos, mortificante. Ao tratar de deslealdade, há que se entender o vil caráter de um indivíduo que restringe o grau de confiança não só naquele que age com perfídia, mas em todos os demais, Tira-se a capacidade de acreditar no outro, desvanece a possibilidade de fazer do outro um parceiro de vida em quem se deva agregar a sua mais profunda intimidade.

A ideia de traição categoriza várias situações do cotidiano, inclusive, quando se trata da fiança que se concede às representações políticas. Nestas, há o empenho de promessas que possam amenizar os conflitos sociais e, assim infligir melhorias à população. Diz respeito a se sentir traído, diminuído, despejado de seus melhores anseios se aqueles que poderiam agir em nome do povo, simplesmente subvertem as promessas e a natureza de seus mandatos políticos.

A figura do político, aliás, combina sempre com a vilania, com a traição desmedida, com ausência de correção. Essa peculiaridade ocorre dada a enormidade de maus exemplos daqueles que exercem mandatos políticos. Não é incomum vermos representantes do povo traindo suas esperanças, fugindo àquilo a que juraram honrar. Muitas vezes pode-se pensar sobre o motivo de a população dar nova oportunidade àquele político que não se empenhou em honrar promessas de campanhas. Pode-se atribuir à ingenuidade tão somente, à ausência de conhecimento, à capacidade de perdoar ou mesmo à alienação política. Qualquer desses motivos justifica a presença de um indivíduo na cena política mesmo abusando da confiança da comunidade que o elegeu.

Ao se falar de Judas, leva-se a um político romano, acusado de conduzir Jesus Cristo à morte: Pôncio Pilatos. O homem que fora nomeado por Tibério governador da Judeia no ano 26, tinha em seu nome contradição de natureza semântica: Pôncio, que significa ponte e Pilatos, derivado de pilum (terrível arma romana). Era o político responsável por exterminar o Messias e contou com discípulos de Jesus, entre eles, o apóstolo Judas para executar tal vilania. O fato é que causa horror imaginar que um indivíduo igual, uma pessoa nas mesmas condições que você, aja com tamanha covardia.

O que não se pode perder de vista, no entanto, é que todos os fatos propõem análises das mais variadas: as pessoas que traem a confiança das outras o fazem simplesmente pela perversidade que trazem em si ou são conduzidos a terem esse tipo de atitude? Por que vemos tantos indivíduos motivados a quebrar o laço de confiança em razão de dinheiro fácil? Ganância simplesmente? Ausência de reservas morais? Será que Judas entregou Cristo pelas moedas de prata ou desejava que seu Mestre evidenciasse os poderes a todos e assim, alcançassem a vida santa? Por que não se dá oportunidade de defesa a Capitu? Será que Dom Casmurro seria tão notável, sem essa suspeita  de traição? Talvez as respostas estejam nas próprias perguntas. Por outro lado, pode ser que ainda não compreendamos que a estupidez humana cria instrumentos que perpetuam espécimes peçonhentos. O beijo de Judas retrata valores - ou preços - pelos quais os indivíduos se hasteiam merecedores.


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