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25/10/2019 às 14:50

Gracilianou Vidas Férteis na literatura mundial - Salve Graciliano Ramos!

Sandro Melros - é advogado e professor
Instagram: @sandromelros 
@lugares_da_literatura

Minhas leituras foram urdidas na Casa-museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios – AL. Lá, na década de 1980, funcionava a biblioteca pública municipal. Comecei a ler a obra de José de Alencar, depois Machado de Assis. Achava a obra de Graciliano Ramos muito visceral, posto que refletisse fidedignamente a vida crua da população do meu lugar. Portanto, naquele espaço prodigioso de leitura, a percepção de um garoto enxergava apenas as ideias fantasiosas, românticas e de assimilação suave.

Lia de modo compulsivo. Na verdade, precisa concluir as leituras o mais rápido possível, posto que as obras não fossem emprestadas, ou seja, como não podiam sair da biblioteca, apressava-me para ler com celeridade e ainda contava com a boa vontade das funcionárias que guardavam os livros até que eu pudesse concluir a leitura. Atravessava toda a cidade no horário contrário àquele em que estava na escola. Não havia dinheiro para lanches nem direito a merendas naquele espaço, mas disso não sentia necessidade alguma, pois estava devidamente ligado ao universo dos livros. Sequer percebia o passar das horas, até anunciarem o fechamento da biblioteca.

A referência que tinha de Graciliano era aquela do filme de Nelson Pereira dos Santos Vidas Secas (1963) – obra homônima ao livro de maior sucesso do escritor alagoano. Trata da narrativa da trajetória de retirantes nordestinos nas décadas de 1930 e 1940. O ambiente da biblioteca é totalmente ornado com elementos utilizados nas gravações do filme e, também, de cenas do cotidiano do escritor. Então, projetava em mim certa aflição em vivenciar aquele cenário tão comum – e tão dolorido – em que pessoas abandonam seus lares em busca de sobrevivência. Ao nordestino, a linguagem de Vidas Secas é um misto de esperança por uma melhor existência e tristeza em abandonar o seu espaço, a sua família, os seus costumes. Vidas áridas de oportunidades.

Gracilianar é verbo que transmite a capacidade de escrever com seriedade, realidade e engenharia literária. A genialidade do escritor ocorre ao substantivar com intensidade os personagens, os espaços e os perfis psicológicos de cada indivíduo perpassado em suas obras. Não há muitas adjetivações em suas narrativas, mas essa maneira de ver a vida ata-se à própria natureza do escritor. Ele, de maneira genial, não deixava espaço para meias-verdades. Odiava, inclusive, as reticências, como sugerira seu filho, também escritor, Ricardo Ramos. Ao contrário, expunha a crueza de vidas, inclusive a sua – Infância, Memórias do Cárcere, são livros que expõem experiências do escritor – as tramas psicológicas, sociológicas, políticas pelas quais todos invariavelmente são alcançados.

Graciliano Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios – AL, entre 1928 e 1930. À época protagonizou episódios de extrema seriedade à frente da gestão da cidade, impactadas pelos relatórios que redigiu e, despretensiosamente, o projetou como escritor. A forma de escrever, ao mesmo tempo sucinta, crítica e com de elementos de ironia, interessou ao editor carioca Augusto Schmidt, que o animou a publicar "Caetés" (1933), seu livro de estreia.

Em relação à Caetés, o Mestre Graça tinha reservas, pois o considerava sua obra menos relevante. Todavia, o livro desfila personagens da “classe média” da época em Palmeira dos índios. A narrativa nos apresenta, lentamente, o cotidiano da cidade: jornalistas, políticos, padres, bacharéis em Direito, farmacêuticos, médicos, comerciantes, por exemplo. Na obra aparecem costumes, hábitos, intrigas, perspectivas, o que, per si, traz aspectos de riqueza histórico-literários, desfazendo, desta forma, o temor do autor sobre a obra.

Nas palavras do escritor Mikhail Bakhtin, nos estudos literários, deve-se estabelecer o vínculo mais estreito com a história da cultura. Para ele, a literatura não deve ser entendida fora do contexto pleno de toda a cultura de uma época. Graciliano assim o fez. Assim o fez o Mestre Graça ao dizer que se deve escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Ele escrevia com o mesmo afinamento que as lavadeiras alagoanas, com a mesma persistência, com a mesma convicção de correção. A alegoria graciliana reflete a elegância de assumir-se junto às agruras, às ausências de finezas, aos elementos de sua cultura alagoana, nordestina, sertaneja.

27 de outubro registra seu nascimento. A data reverbera, hoje, a alegria de ter um escritor que perpetua em suas reminiscências literárias a história dele que perpassa a história do seu povo. Registra sua maneira austera de pensar o mundo. Não desavia as suas crenças, ao contrário, escancara suas condições ante a vida. Há preços a pagar, inclusive, com sua própria liberdade. Dir-se-ia comunista numa região e num país que trata a questão como um verdadeiro sacrilégio. Anunciava: “Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício. Acho medonho alguém viver sem paixões”. Percebia que a vida era ou quente ou fria; o meio termo era fraqueza de espírito, covardia extrema, pequenez d’alma.

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