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Crônica: Truco!... Seis, ladrão!

Por Rodrigo Alves de Carvalho

Meu tio Vicente sempre foi um exímio jogador no carteado: Pife-pafe, vinte-e-um, buraco... qualquer jogo que envolvesse um baralho, meu tio estava participando.

Contudo, seu jogo preferido e o que lhe proporcionou uma relativa fama, primeiramente em minha cidade, foi o truco.
Meu tio Vicente e seu compadre Ditinho eram imbatíveis!

Nos jogos de brincadeira nos churrascos com os amigos, nos botecos da cidade valendo cerveja ou em torneios patrocinados pela prefeitura, os dois parceiros estavam presentes, e mais que isso, sempre estavam ganhando.

Mas, tinha um porém que sempre marcou a carreira de truqueiro de meu tio Vicente: ele era boca suja.
— Truco ladrão! Orelha seca! — É seis! Seu cagão reboque de igreja velha!

Além de boca suja, meu tio também costumava se levantar, bater na mesa, subir na cadeira.
Para quem estava acostumado, não tinha nada de mais, mas para quem não entendia muito do jogo, chegava a assustar a cada grito de meu tio.

Os dois parceiros ganhavam sempre, e decidiram participar de torneios realizados na região, onde também passaram a vencer as competições e ganharem fama.

Muita gente se reunia em volta da mesa onde meu tio Vicente e o Ditinho estavam jogando e sem mais nem menos, meu tio se levantava com as cartas em punho e gritava:

— É truco seu ladrão! Sofá de Zona!
Os adversários quando corriam, meu tio não tinha nada, mas quando pediam seis, meu tio gritava:

— Nove milhos! Seu pé de rato!
E quando era chamado, tinha “Zap” e “sete copas”.

Com tantas vitórias no currículo, os dois parceiros foram convidados para o torneio estadual e após mais uma vitória, se classificaram para o torneio nacional.

O problema era que alguns canais de televisão iriam transmitir a final do torneio, e como muitas famílias e crianças iriam estar na audiência, foi pedido gentilmente para os jogadores não falarem palavrão.

E por capricho do destino, meu tio Vicente e o seu parceiro Ditinho se classificaram facilmente para a final.
No dia do jogo decisivo, em frente às câmeras, na primeira jogada, meu tio já gritou:

— Truco, seu Maria mijona sem privada!
Os organizadores e diretores de TV, com olhos arregalados, logo intervieram e pediram para meu tio manter a compostura ou seria eliminado.

Tio Vicente manteve a calma, mesmo com uma vontade incomensurável de gritar, xingar e subir na mesa. Com isso, acabaram perdendo a partida e o campeonato.

Meu tio não xingou durante a partida, mas depois, quase saiu no tapa com os organizadores pela proibição incabível numa partida de truco.

Agora, meu tio Vicente não participa mais de torneios, prefere jogar nos botecos, valendo cerveja e tira-gosto, onde pode subir na mesa, chutar a cadeira e desafiar os adversários com palavrões e trucadas sem censuras.