Rodrigo Alves de Carvalho (*)
O renomado deputado federal Almir Farinha de Andrade recebe o companheiro de partido e deputado estadual, Samuel Soledade Gusmão para tomarem um delicioso café da manhã em sua mansão. Entre um pedaço de queijo suíço e um gole de suco de laranja, o deputado Farinha, comenta:
- Nobre colega. Não sabe como me sinto bem nesta manhã!
- Ora nobre deputado. Eu também me sentiria bem na sua situação. Afinal de contas, o governador está por lhe indicar para o senado.
- Isso para mim é coisa pequena.
Samuel Soledade fica curioso, o que mais poderia ser melhor que uma indicação para o senado.
- Há algum tempo tenho um sonho. É um sonho incrível, desses que a gente precisa transformar em realidade a qualquer custo.
- Que sonho é este nobre colega? Por acaso quer se candidatar ao governo do estado?
- Não! Estou pensando em ser preso! O que acha?
Silêncio.
- Como assim ser preso? Quer dizer... preso mesmo, numa cadeia, camburão, Polícia? ...
- É claro! Tenho sonhado com isso há muito tempo.
O deputado federal se levanta com ar de deboche.
- Você deve estar louco caro colega. Você sabe que um deputado não vai preso.
- Não! Eu vou ser preso nesse país nem que a vaca tussa!
- A gente rouba o povo, legisla a favor próprio, recebemos propina de meio mundo, subornamos, superfaturamos dinheiro de obras públicas... e nunca fomos presos. Como é essa sua ideia fantástica para ser preso?
- Hoje em dia a melhor coisa para roubar do povo é a Previdência. Roubar velhinhos aposentados e doentes dá o maior Ibope.
- Impossível!
- Mas eu vou roubar na cara do povo. Todo dia se for preciso, roubo de dia e de noite, roubo até na fila do INSS à mão armada se for preciso.
A tarde Samuel Soledade vai embora indeciso, duvidando da estratégia do nobre colega para ser preso.
Na outra semana os jornais estamparam a manchete:
Deputado federal desvia mais de cem milhões da Previdência.
A notícia abalou toda a população. A Polícia Federal interveio junto com o Ministério Público, mas depois de dois meses de investigações, ficou constatada a isenção do deputado Farinha nesse escândalo. Mesmo que o deputado jurasse de pé junto que era o responsável pelo desfalque. Segundo o juiz, o deputado havia sido um joguete da oposição e que sua reputação era inquestionável. Sem desanimar, Almir Farinha, tentou ser preso outra vez, e novamente desfalcou a Previdência. A imprensa noticiou os fatos, foram apresentadas provas, parecia que o deputado iria realizar seu sonho. Mas os juízes decidiram arquivar o caso.
Passados alguns meses, os amigos, deputados Samuel Soledade e Almir Farinha se encontraram novamente na mesma mansão.
- Não disse que o nobre colega nunca seria preso neste país?
- Não é justo colega. Também sou um cidadão. Por que não posso ir preso como qualquer pessoa normal?
- Porque nós somos políticos!
- Que sina maldita. Por que não segui os conselhos de minha mãe quando dizia para não me meter com política!
(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.
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