OPINIÃO E INFORMAÇÃO Facebook Twitter
Maceió/Al, 16 de abril de 2024

Artigos

11/10/2019 às 18:47

Isabelas, Joões e Aylans: crianças que jamais crescerão

Sandro Melros - é advogado e professor

Intagram: @sandromelros
@lugares_da_literatura

Dia da Criança. 12 de outubro, dia alusivo à criança, as reflexões precisam vir acompanhadas de ações. Falhamos enquanto sociedade ao não conseguirmos proteger aqueles que são frágeis, indefesos. Registramos na sociedade inúmeros casos de abandonos de crianças, agressões sexuais a menores, discussões e mortes que as crianças presenciam, menores que são usados pelo tráfico de drogas. As perversões não param de crescer. Enquanto isso, parte da sociedade deseja diminuir a idade penal, a fim de trancafiar os erros de pais e responsáveis em razão da educação que oferecem aos seus filhos, desde seus nascimentos.

Não há uma análise eficiente da sociedade sobre o início de tudo isso, de modo que se consiga refletir por que menores estão disponíveis ao “universo” da ilicitude. Eles são apresentados às ações de maiores, às práticas daqueles que deveriam protegê-los ou ensiná-los como exercerem suas cidadanias. As crianças são simplesmente vítimas de pais que não planejam tê-los, ou de genitores que creem que o ter é mais importante que o ser. Assim, os pequenos crescem expostos a todo tipo de negligência. Falham pais, falha o Estado, falha a sociedade.

Entre escola ou prisão, a última opção é vista, por parte do grupo social, como alento ante a problemática de menores infratores. Há pessoas que preferem isolar-se da discussão, atribuindo ao Estado a responsabilidade única sobre uma situação a que todos devem se envolver ativamente. Como sociedade, há que se entender que a todos é delegada a responsabilidade daquilo que se apresenta na coletividade. Em 1990, no Brasil, passou a vigorar o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentando direitos e deveres inerentes ao menor. A lei federal determina, em seu artigo 18, ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” Portanto, aguarda-se que crianças e adolescentes tenham segurança em suas existências, sendo exigido de todos esse encargo.

O aludido estatuto, ainda, em seu artigo 7o, apresenta que a “criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” Não é isso, todavia, que se mostra na vida de garotas e garotos no país. Mesmo aqueles que são amparados por seus pais, necessitam ser acompanhados em seu desenvolvimento psicossocial. Ocorre que muitos indivíduos têm, na infância, suas vidas conduzidas pela ausência de um planejamento efetivo, fruto de descuidos de seus genitores, de desleixos de todas as ordens.

Muitos pais, com o advento da tecnologia e ascensão da internet – presente em grande parte dos lares – delega às redes sociais, aos blogueiros e afins boa parte do tempo de vida de suas crianças, muitas vezes, desconhecendo os conteúdos apresentados aos seus filhos. Essa será uma das situações de preocupações, caso não se haja discussões aprofundadas, em todas as instituições que compõem a comunidade. Nada de demonizar tecnologias; ao contrário, entendê-las e disciplinar seus usos podem contribuir para amenizar sequelas futuras em razão da enormidade de informações – positivas e negativas – oferecidas através da internet, por exemplo.

A sociedade ainda não despertou para os prejuízos que se causa às pessoas quando suas infâncias são ultrajadas, insultadas, afrontadas, ignoradas. O mundo está sendo julgado por não conseguir cuidar das crianças. Elas passam fome, são violadas em seus impúberes corpos, abandonadas em razão de gênero, negadas à cidadania em razão de saírem dos padrões físicos que a sociedade estabelece. Pequenos indivíduos expostos às guerras e às humilhações de todas as formas. Miúdos e miúdas que só querem brincar e lhes são negados a bolinha de gude, colocando-os em contato com a bala de fuzil. Nunca seremos capazes de perdoar-nos por não os defender, por não interceder por eles, por não gritarmos contra essas vis crueldades a que são submetidos.

Quando o mundo presenciou o frágil corpo do menino sírio Aylan Kurdi, de apenas três anos, numa praia da Turquia, a sociedade fenecia com ele em sua missão de promover o indivíduo. No momento em que a garota Isabela Nardoni fora trucidada por seu próprio pai e madrasta, a sociedade perecia com ela. Na ocasião em que o menino João Hélio estivera arrastado preso ao cinto de segurança do carro de sua mãe e, por conseguinte, morto por um assaltante, todos expiraram juntos de sua inocente agonia.

A infância merece a lufada de vento no rosto ao descer uma ladeira de bicicleta. Meninas e meninos devem reconhecer a vida numa brincadeira de rua, sem preocupação se a bola irá além da calçada. Ser criança precisa confirmar um sopro de santidade terrena, num abraço seguro e terno de colo de mãe – e, na ausência desta, sentir que este vácuo será completado num plano que só criança alcança: o imaginário. A vida imberbe não pode ser interrompida pela maldade humana. Ao menos, precisam-se envidar esforços no sentido de protegê-las, de diminuir o número de situações de violência. Espera-se empenho de todos a fim de que se perenizem situações de conforto às crianças, aos jovens, enfim.

Dia da Criança será a comemoração de inocentes sorrisos, a pureza no abraço comprometido apenas com a suprema felicidade da proteção. Dia da Criança é o soberano brilho no olhar pueril presenciando os raios do sol ou os pingos de chuvas molhando os jardins. Dias para crianças e jovens comemorarem: manhãs renascendo sem notícias e pesares de agressões em suas jovens vidas. Na sabedoria ingênua e grandiosa do poeta Manoel de Barros, há de se seguir na vida, enxada às costas para cavar no quintal vestígios dos meninos que fomos.

Comentários

Siga o AL1 nas redes sociais Facebook Twitter

(82) 996302401 (Redação) - Comercial: [email protected]

© 2024 Portal AL1 - Todos os direitos reservados.