Violência urbana e o peso na rotina das mulheres: medo, assédio e a restrição de direitos

Por Adriana Ramalho
A violência nas cidades não se manifesta apenas em crimes como roubos ou homicídios, mas também em uma constante sensação de medo, assédio e restrição de liberdade. Para muitas mulheres, a realidade da violência urbana é um fardo diário, que molda suas escolhas e limita suas vidas. O ambiente urbano, que deveria ser um espaço de oportunidades e crescimento, muitas vezes se torna um local de insegurança e vigilância constante.
Para as mulheres, o medo é um companheiro diário. A decisão de usar uma roupa, o trajeto para casa depois do trabalho ou da faculdade, e até mesmo a simples ação de pegar um ônibus ou chamar um carro de aplicativo são influenciados por essa preocupação. Pesquisas recentes confirmam essa realidade preocupante.
Um estudo do Instituto Patrícia Galvão, em parceria com a Locomotiva, revelou que 80% das mulheres brasileiras sentem "muito medo" de sofrer violência ao se deslocarem pela cidade.
Em outra pesquisa realizada pela Agência Brasil, 97% das mulheres afirmam sentir medo ao se moverem pela cidade, e 71% delas já sofreram algum tipo de violência durante seus deslocamentos.
A pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, no ano de 2023, 29 milhões de brasileiras foram vítimas de assédio. As mulheres negras são as mais afetadas, com 64,2% das vítimas.
Esse medo constante gera um estado de alerta permanente, que impacta a saúde mental, causando estresse e ansiedade.
Assédio: uma violência invisível e silenciosa
O assédio nas ruas, no transporte público ou em locais de grande movimento é uma das manifestações mais comuns da violência urbana contra as mulheres. Ele pode acontecer de várias formas: olhares lascivos, comentários indesejados, toques, perseguições ou exibicionismo.
A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que as formas de assédio mais comuns são cantadas e comentários desrespeitosos na rua (40,8%), seguidas por agressões físicas como empurrões ou tapas (16,9%).
Uma pesquisa da ActionAid de 2016 já mostrava que 86% das mulheres brasileiras ouvidas tinham sofrido assédio em público.
O assédio não só provoca uma sensação de humilhação e invasão, como também reforça a ideia de que o corpo feminino é um objeto público, disponível para qualquer um. Como consequência, as mulheres precisam desenvolver estratégias de autoproteção, como fingir que estão ao telefone ou evitar contato visual, o que limita ainda mais sua liberdade de movimento.
A violência urbana restringe o direito fundamental de ir e vir das mulheres. Em uma sociedade justa e equitativa, todos deveriam ter o direito de ocupar o espaço público com segurança, sem medo. No entanto, o risco de ser assediada ou agredida leva as mulheres a se auto impor restrições.
A pesquisa do Instituto Patrícia Galvão mostra também que 96% das mulheres evitam passar em locais desertos ou escuros.
O estudo da ActionAid de 2016 também demonstrou que as mulheres mudam de rota (55%) e evitam parques ou áreas mal iluminadas (52%) para se proteger.
Essa perda de autonomia afeta diretamente a vida social, profissional e pessoal, impactando oportunidades de trabalho, estudo e lazer. O que deveria ser um direito básico de cidadania se torna um privilégio que depende de circunstâncias e da presença de terceiros.
O problema da violência urbana contra as mulheres não pode ser resolvido apenas com ações individuais. É necessário um esforço coletivo da sociedade. Políticas públicas de segurança devem considerar as especificidades da violência de gênero, com ações focadas na prevenção e no combate ao assédio. A educação é fundamental para conscientizar a população sobre a gravidade do problema, desconstruindo a cultura do machismo e do assédio. Além disso, é importante que as cidades sejam planejadas e projetadas de forma segura e acessível, com iluminação adequada, ruas mais movimentadas e espaços públicos bem cuidados.
A luta por cidades mais seguras e acolhedoras para as mulheres é uma luta por direitos humanos. É uma batalha pela liberdade de viver sem medo, de ocupar o espaço público com autonomia e de ter o direito de ir e vir sem restrições.
Adriana Ramalho
Formada em Direito, política (vereadora em SP 2016/2020), ativista social e palestrante sobre combate a violência doméstica, alienação parental, empreendedorismo feminino, e saúde mental.
Fonte: AL9 Comunicação