Eu Tomate

Por Rodrigo Alves de Carvalho (*)

Sempre tive muita habilidade em cortar legumes. Aprendi observando os programas de culinária da TV e nossos comerciais de facas, onde uma cenoura era fatiada em milésimos de segundos ou uma cebola era minuciosamente cortada em rodelas milimetricamente iguais. Tudo isso, com uma faca afiadíssima que nunca perde o corte.

Meus amigos gostavam de mim ver cortando os legumes quando fazíamos jantares ou churrascos nos finais de semana.

Porém, naquele dia frio e fatídico, me pediram para cortar tomates para preparar um vinagrete. Os três primeiros tomates foram transformados em centenas de pequenos cubinhos vermelhos, mas no quarto tomate, outro tom de vermelho manchou a tigela, era meu sangue esguichando e um pedaço de meu dedo indicador boiando dentro do vinagrete.

Fui para o hospital, mas não houve possibilidade de recolocarem a ponta do meu dedo de volta.

Ao voltar para casa, levei o pedaço do dedo ainda com restos de tomate até o quintal, e o enterrei.

Uma semana depois nasceu no local, um pé de tomate.

Mas não era um pé de tomate qualquer, era o meu pé de tomate, ou melhor, o pé de tomate era eu; já que nasceu da ponta do meu dedo.

Muitos tomatinhos nasceram, cresceram e morreram no tomateiro. Eu considerava os tomatinhos como meus filhos e por isso, não deixava ninguém colher para comer.

Todos gostaram de ver meu tomateiro, mesmo que ninguém concordasse que o pé de tomate era uma parte do meu corpo que havia brotado.

O tempo passou e o tomateiro morreu. A ponta de meu dedo cicatrizou e eu voltei a fatiar legumes com habilidade e rapidez.
Pelo menos até ontem à noite, quando o resto do dedo foi decepado junto com os pepinos que eu fatiei para uma salada aos amigos.
Agora resta uma dúvida: enterrar o dedo para nascer um pé de pepino que será eu; ou encerrar minha carreira de fatiador de legumes, antes que eu perca todos os dedos (até porque, não gosto nem um pouco de pepino).

(*) Nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas promovidas por editoras e órgãos literários. Atualmente colabora com suas crônicas em jornais brasileiros conceituados e Blogs dedicados à literatura.
Em 2018, lançou seu primeiro livro intitulado “Contos Colhidos”, pela editora Clube de Autores. Trata-se de uma coletânea com contos e crônicas ficcionais, repleta de realismo fantástico e humor. Também pela editora Clube de Autores, em 2024, publicou o segundo livro: “Jacutinga em versos e lembranças” - coletânea de poemas que remetem à infância e juventude em Jacutinga, sua cidade natal, localizada no sul de Minas Gerais.