O congelamento de óvulos é a técnica mais amplamente utilizada hoje para a preservação da fertilidade da mulher. No Brasil, dados recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o procedimento demonstram uma demanda crescente de mulheres que desejam adiar a gestação. Entre 2020 e 2021, foram realizados mais de 21 mil ciclos, com 154.630 óvulos congelados.
O tratamento apresenta-se como a opção para as mulheres que desejam adiar a maternidade por razões sociais ou médicas. Dra. Paula Marin, médica, especialista em reprodução assistida com experiência na área de preservação da fertilidade, explica que o congelamento de óvulos pode ocorrer por vontade da mulher, ou seja, de maneira eletiva, ou por indicação médica, em casos de urgência.
“Nos casos de pacientes com câncer, por exemplo, que vão ser submetidas à quimioterapia e à radioterapia, tratamentos que depletam de forma abrupta a reserva ovariana, temos o exemplo de preservação da fertilidade por indicação médica e de urgência”, explica.
Segundo a médica, “essas pacientes são encaminhadas ao especialista em Reprodução Humana Assistida pelo oncologista ou pelo mastologista para que o tratamento de preservação de fertilidade possa ser realizado e, depois de um ciclo rápido, o tratamento oncológico possa ser iniciado, sem prejuízos para a saúde da paciente”.
Outro exemplo de preservação de fertilidade por indicação médica são os casos de pacientes que vão fazer cirurgia para endometriose, com endometriomas, visto que essas pacientes têm risco de retirada de parte do tecido ovariano, bem como pacientes que têm o histórico de menopausa precoce em família. “Tanto a endometriose quanto o antecedente de menopausa precoce na família são razões médicas para se avaliar a reserva ovariana e pensarmos em congelamento de óvulos”, afirma Paula Marin, que também é diretora da Clínica Venvitre, em São Paulo.
Um tema em pauta
Mas não foram as indicações médicas ou de urgência que fizeram com que o congelamento de óvulos ficasse debaixo de holofotes. É o congelamento de óvulos eletivo, planejado ou social, que acontece a pedido da mulher, que escolhe postergar a maternidade por questões pessoais/sociais, que vem se expandindo e ganhando seu espaço na sociedade moderna.
Esse tratamento médico começou a ganhar atenção nos últimos 5-10 anos, quando a técnica do congelamento de óvulos sofreu uma grande melhoria e a técnica começou a oferecer cada vez melhores resultados. E esse crescimento foi ainda mais expressivo depois da pandemia do Covid-19.
Durante a pandemia, as clínicas de fertilidade americanas observaram um grande interesse pelo tema congelamento de óvulos. Alguns dados sugerem que nos EUA, o procedimento aumentou 39% em relação aos níveis pré-pandemia. No Reino Unido, o procedimento aumentou até 50%, no verão de 2020, em comparação com o ano anterior.
Ao longo dos anos, o congelamento de óvulos foi ganhando cada vez mais espaço e se mostrou uma opção para “contornar o problema” do relógio biológico feminino, pois, os óvulos congelados, hoje, podem ser usados para que a mulher engravide, no futuro, e eles terão a qualidade da idade do congelamento.
Paula Marin avalia que a busca pelo procedimento está atrelada às mudanças sociais que vivenciamos nas últimas décadas. "A sociedade mudou. A mulher, que antes ficava dentro de casa, se revezando nos papéis de esposa, dona-de-casa e mãe, agora assumiu outras funções e tem novas ambições. Ela abriu espaço no mercado de trabalho e conquistou seu espaço. Ela priorizou carreira, independência financeira, objetivos próprios. Ela não busca mais qualquer parceiro, ela almeja, agora, o ‘parceiro ideal’ para formar sua família. Ela quer curtir sua liberdade, aproveitar a vida, viajar. Ela muitas vezes nem sabe se um dia vai querer ser mãe”, destaca a médica.
Maternidade é uma escolha
Nesse contexto de conquistas, o avanço da educação sexual e da contracepção foram fundamentais. Evitar a gravidez e postergar a maternidade têm se tornado o caminho natural para a mulher que deseja ser independente, dedicar-se à carreira ou aos seus interesses próprios. “Hoje, enfim, podemos afirmar que a maternidade é uma escolha da mulher. Entretanto, é de extrema importância que essa mulher saiba que adiar a maternidade acarreta consequências reprodutivas. Toda mulher precisa receber informações sobre a biologia feminina, sua reserva ovariana, seu relógio biológico e, pautando-se nesse conhecimento, na sua situação atual de vida e nas perspectivas para o futuro, fazer escolhas sobre a maternidade. E isso é planejamento reprodutivo”, alerta Paula Marin.
A fertilidade declina com a idade. Sim! É muito importante que toda mulher saiba. E ela deve estar ciente disso ao optar por postergar a maternidade. “Ela precisa ser orientada sobre o funcionamento do seu organismo. Deve estar ciente de que ela nasceu com um relógio biológico em contagem regressiva, que sua reserva ovariana vai decaindo quantitativa e qualitativamente, que as chances de gravidez vão sendo menores com o passar dos anos, principalmente após os 35 anos. A mulher precisa saber que ela pode precisar de ajuda médica para engravidar e que as técnicas de reprodução assistida não são capazes de resolver todos os casos de infertilidade”, destaca a diretora da Clínica Venvitre.
É nesse momento de diálogo com o ginecologista sobre o planejamento reprodutivo e o adiamento da gravidez que o congelamento de óvulos entra em cena. "O congelamento de óvulos surge como uma alternativa para a mulher moderna ‘fazer parar o relógio biológico’. A ideia é coletar alguns de óvulos hoje, congelá-los e armazená-los para que você possa usá-los para engravidar no futuro", explica Paula Marin.
Como funciona o congelamento de óvulos?
O tratamento consiste em coletar, congelar e armazenar os óvulos congelados quando a mulher é mais jovem. E mais tarde, quando a mulher sentir que é o momento certo para uma gravidez, os óvulos podem ser descongelados, fertilizados, por meio da fertilização in vitro (FIV), e os embriões transferidos para o útero.
Congelando óvulos, a mulher tira um grande “peso das costas”, pode seguir a vida sem tanta pressão em ter filhos já sem se sentir pronta, em ter que encontrar um parceiro, em ter que diminuir o ritmo do trabalho...
“O congelamento de óvulos permite congelar a qualidade dos óvulos no tempo. Você pode engravidar aos 45 anos com seus próprios óvulos congelados aos 33 anos, que vão ter qualidade de 33 anos e riscos de abortamento e de doenças cromossômicas dos 33 anos”, explica a especialista em Reprodução Humana Assistida.
Qual a idade certa para congelar óvulos?
Em geral, qualquer mulher que atualmente tenha pelo menos alguns óvulos saudáveis e ainda não esteja pronta para ter um bebê é uma boa candidata ao congelamento de óvulos.
No entanto, quanto mais jovem, menor a chance que essa mulher tem de usar esses óvulos. A partir dos 30 anos, a qualidade dos óvulos começa a declinar, sendo esse declínio mais expressivo a partir dos 35 anos e, principalmente , após os 40 anos.
Portanto, a recomendação é que o congelamento de óvulos seja feito até os 35-37 anos.
"Se você estiver chegando perto dos 30-35 anos e não vislumbra gravidez nos próximos um ou dois anos, agende uma avaliação com um especialista em Reprodução Humana Assistida, é altamente recomendado que você se informe. O congelamento de óvulos realizado até os 35 anos traz excelentes taxas de sucesso no futuro. Mas e se você tiver mais de 35 anos, não pode fazer? Você pode fazer sim, sabendo de alguns senões", explica Paula Marin.
Segundo a médica, até os 37-38 anos, o tratamento pode trazer ótimas chances de “bebê no futuro”, mas talvez você tenha que congelar um número maior de óvulos para compensar a pequena queda na qualidade deles e, portanto, maior a chance de você ter que fazer mais de um ciclo de congelamento. Após os 40 anos, o tratamento de congelamento ainda é possível , mas pode trazer menores taxas de sucesso.
Como é o passo a passo do congelamento de óvulos?
Quem pensa que o congelamento de óvulos é um bicho de sete cabeças engana-se. "Precisamos desmitificar o congelamento. As mulheres precisam conhecê-lo melhor e ter mais acesso a informações sobre esse tratamento", diz Paula Marin.
São três as etapas do tratamento: estimulação ovariana, aspiração folicular e congelamento de óvulos propriamente dito.
A primeira etapa do tratamento de congelamento de óvulos é a estimulação ovariana, que se inicia geralmente nos primeiros quatro dias do fluxo menstrual ou após a ovulação. A mulher vai usar hormônios subcutâneos por meio de agulha fina (a mesma agulha de aplicação de insulina), que vão estimular os ovários a desenvolverem múltiplos folículos, diferente do que acontece todo mês, em que apenas um cresce.
A estimulação ovariana é feita por meio de medicamentos subcutâneos aplicados diariamente, associados ou não a medicamentos por via oral. Há diferentes protocolos na literatura, mas basicamente temos que usar nessa fase os medicamentos que fazem o crescimento dos folículos, o estímulo propriamente dito, e outros que fazem o bloqueio da ovulação, que impedem a ovulação.
"Vamos monitorando o crescimento desses folículos ovarianos por meio de ultrassonografias transvaginais (cerca de 2-3 nesse período de estímulo). Quando eles atingem o tamanho ideal, o que geralmente após 10-12 dias de estímulo, administramos um último medicamento para a maturação final dos óvulos, e agendamos a aspiração folicular, que acontece cerca de 34-36 horas após a última medicação", esclarece a médica.
A aspiração ou captação folicular é um procedimento feito no centro cirúrgico do laboratório de embriologia, onde a paciente recebe uma sedação, uma anestesia geral leve. A aspiração trata-se de um procedimento relativamente simples para quem tem experiência na área e boa habilidade. Em geral, em menos de 20 minutos a aspiração folicular já terminou.
"Fazemos um ultrassom transvaginal semelhante àquele realizado em consulta, mas acoplamos ao probe um guia e uma agulha comprida, que vai perfurar o fundo de saco vaginal e chegar nos ovários. Lá, cada folículo que se desenvolveu é perfurado por essa agulha e aspirado. O líquido presente dentro de cada folículo vai sendo coletado em tubos e entregue ao embriologista, que vai naquele mesmo momento olhar no microscópio e contar quantos foram recuperados, aspirados", explica.
Após poucas horas, os embriologistas limpam as células ao redor dos óvulos e os congelam pela técnica de vitrificação, a técnica de congelamento rápido. Eles são levados em tanques de nitrogênio líquido e lá podem permanecer por anos.
"É rápido e mais simples do que a maior parte das mulheres imagina! São geralmente 10 a 12 dias de estimulação ovariana, de uso de medicamentos para os folículos ovarianos crescerem, e essa aplicação é feita pela própria mulher em casa. Ela continua sua rotina nesse período, segue trabalhando, e encaixa 2 ou 3 visitas à clínica para ultrassonografias rápidas. A aspiração dos folículos ocorre normalmente no 12º a 14º dia do ciclo de estímulo. Esse é o único dia em que a mulher deve realmente ficar em repouso e se afastar do trabalho. Poucas horas depois da coleta, os óvulos são analisados e então congelados. Ou seja, o ciclo completo dura cerca de 12-14 dias", detalha Paula.
Taxa de sucesso após o descongelamento
Congelar não é garantia de gravidez no futuro, mas muitas vezes pode ser o melhor possível a ser feito num determinado momento da vida, em que a gravidez realmente não é possível. O congelamento deve ser encarado com um plano B. É uma oportunidade que a mulher tem para gerenciar de forma proativa sua fertilidade e não só esperar e observar passivamente sua reserva ovariana declinar.
As chances de ter um bebê no futuro dependem fundamentalmente de dois fatores: o número de óvulos congelados e a idade em que o congelamento aconteceu. De forma geral, mulheres até 35 anos têm 80-85% de chance de ter um bebê se tiverem 15 óvulos congelados, uma boa meta. Se ela tiver 10 óvulos, cerca de 70%. Acima dos 35 anos, nós começamos a aconselhar número um maior de óvulos para congelar, uma vez que a qualidade deles vai diminuindo de forma significativa. Uma mulher com 37 anos que congela 20 óvulos terá 75% de chance de ter um bebê.
“O congelamento de óvulos é um tratamento que requer individualização de conduta, mas ao mesmo tempo ele não é garantia de bebê no futuro. Ele é um excelente tratamento, mas é bom que a mulher esteja bem consciente das limitações da Medicina Reprodutiva na hora de tomar as decisões na sua vida, para evitar frustrações no futuro”, afirma Dra. Paula Marin.
Sobre a Dra. Paula Marin:
Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital das Clínicas da USP. Sócia-fundadora da Clínica Venvitre , em São Paulo, clínica de Reprodução Humana onde atende hoje. Dedica-se exclusivamente à área de Reprodução Humana, com foco principal no congelamento de óvulos.
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