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12/08/2021 às 13:18

Fé e pandemia

Francisco Araújo

Tenho lido bastante nos últimos tempos e dentre as temáticas de maior interesse para mim está a problemática da pandemia. Pois nunca foi tão necessário compreender os desafios desses tempos, tanto em nível individual quanto coletivo, para fazermos o necessário enfrentamento. Fé e ação, portanto, têm sido palavras de ordem para mim neste momento.

No livro A Flecha de Apolo, lançado no primeiro trimestre deste ano, o médico e sociólogo da Universidade de Yale, Nicholas A. Christakis, faz uma análise interessante sobre o percurso devastador da COVID-19 em 2020 e cita os impactos profundos deste “inesperado evento” no nosso modo de viver, especialmente nas áreas da saúde, economia, política e cultura.

“Apesar dos avanços que fizemos na medicina, no saneamento, nas comunicações, na tecnologia e na ciência, esta pandemia é quase tão danosa quanto as do século passado. Mortes em solidão. Famílias impedidas de se despedirem de quem amam ou de realizarem as cerimónias fúnebres e as ações de luto com dignidade. Meios de subsistência destruídos e educações atrofiadas. Filas para o pão. Negação. Medo, tristeza e dor.” O diagnóstico do médico me ajudou sobremaneira a ter uma visão mais profunda do que estamos vivendo em nível planetário, levando-me a crer que essa pandemia trouxe consigo uma mudança estrutural e de rearrumação quase que forçada na vida das pessoas.

O grande desafio não é passar ileso e sem máculas, mas sobreviver a tudo que a vida nos oferta, nesse instante da história, sabendo extrair o máximo de aprendizado e experiência.

“É uma leitura errónea da História acreditar que, por alguma razão, a nossa época seria poupada ao fardo de ter de lidar com uma pandemia ou que outras pessoas, noutras épocas, não enfrentaram o mesmo medo e solidão, a mesma polarização, as mesmas lutas relativamente às máscaras e ao encerramento de negócios, o mesmo apelo à cooperação e entreajuda comunitária. Enfrentaram”, esclarece Christakis, situando-nos não como seres à parte, mas como partes integrantes dessa história, vivendo seus ciclos e suas propostas de evolução e progresso a partir da repetição das experiências.

“As abóbodas se ajeitam quando a carruagem começa a andar”, pois é preciso seguir em frente e não nos é possível parar o carro da vida para fazer esse reordenamento. A partir de agora, o indivíduo, a sociedade, o Brasil, e o mundo como um todo, está sendo convidado a se rearrumar, individual e coletivamente.

Escrita entre março e agosto de 2020, exatamente no período em que esteve em confinamento com a família, a obra traz um diagnóstico do problema, especialmente nos Estados Unidos da América, mas também faz um prognóstico dos possíveis cenários com os quais iremos nos defrontar nos próximos anos, e propõe soluções. Utilizando-se da figura mítica de Apolo, Christakis traça um paralelo entre a dualidade dos deuses e a capacidade humana de autodestruir-se e de se recompor, em um movimento quase natural de autorregeneração.

“Eu tinha um enorme fascínio pela dualidade dos deuses: imortalidade e poder contrastavam com fragilidade e vício. O deus Apolo, por exemplo, era simultaneamente um curandeiro e um portador de doença”, explica o autor no prefácio da obra.

Pensando em Apolo e na sua vingança, ao contemplar as provações deste nosso século mais de três mil anos após os eventos descritos na Ilíada, o “ataque” do novo coronavírus pareceu aos olhos deste sociólogo uma ameaça novinha em folha, mas fundamentalmente antiga: “Esta catástrofe exigiu que confrontássemos o nosso inimigo de forma moderna, recorrendo, contudo, à sabedoria do passado”.

É tudo tão complexo, eu diria, e ao mesmo tempo tão simples. Tão inusitado, mas também predito. Tão difícil de ser resolvido, mas, paradoxalmente, tudo tão ao nosso alcance. Afinal, a capacidade de transformar lágrimas em aprendizagem nos pertence.

A leitura desta obra me fez vislumbrar além da dor do momento e compreender que o ser humano já enfrentou ameaças semelhantes, ou ainda piores, no passado, mas conseguiu se reinventar e seguir em frente, ainda que só depois de grandes sofrimentos. “A forma como chegaremos a esse ponto definir-nos-á a nós e ao nosso tempo, enquanto enfrentamos esta ameaça antiga”.

Passada a onda da pandemia, o mundo precisa se rearrumar, as pessoas precisam se rearrumar, individual e coletivamente.

Este “novo normal” tão propagado pela mídia vai exigir de cada família uma reorganização estrutural; e de cada pessoa, uma reorganização mental, espiritual e social. E essa reorganização nesses três níveis – mental, espiritual e social –, requer muita fé. A fé, portanto, nunca foi tão necessária quanto agora. É preciso que as pessoas introjetem este sentimento de fé para seguirem andando, para tocarem as suas vidas e se ajudarem mutuamente, pois muitas das coisas que foram abreviadas com a pandemia já estão voltando ao presencial.

E, como avalia esse grande sociólogo dos novos tempos, “ainda há muita coisa que não sabemos — em termos biológicos, clínicos, epidemiológicos, sociais, económicos e políticos. Em parte, tal acontece porque as nossas ações alteram o curso dos acontecimentos. E há muita coisa que só o tempo dirá, incluindo os efeitos a longo prazo da infecção na saúde e as consequências a longo prazo da nossa resposta ao contágio”.

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