Filipe Norberto
Com o objetivo de compreender os efeitos da escravização de pessoas negras no racismo estrutural do Brasil contemporâneo, aconteceu, nesta quinta-feira (24), o primeiro encontro da leitura guiada do livro "Um Defeito de Cor", da autora Ana Maria Gonçalves.
A ação ocorreu na sede da escola Superior da Magistratura (Esmal) e foi promovida pela Biblioteca Geral do Poder Judiciário de Alagoas, como parte das atividades do projeto "Justiça que Lê".
Pesquisa jurídica e literatura
A técnica judiciária do TJAL, Isabelle Bordalo, encontrou no livro "Um Defeito de Cor", um diálogo marcante com a sua pesquisa para a produção de sua dissertação de mestrado intitulada "Dos orixás a casa grande: o (de) colonizar do axé nas decisões do Judiciário".
Na obra, Ana Maria Gonçalves, aborda o apagamento religioso dos povos escravizados e como esse silenciamento dava margem a violências que até agora, são perpetuadas e que atravessam até mesmo o sistema de justiça, como Isabelle visualizou em seus estudos.
"A experiência está sendo enriquecedora, conciliar a leitura do livro com a atividade jurídica é indispensável para todos que atuam no Judiciário. A academia precisa estar de mãos dadas com quem atua na prática forense. Espero que mais iniciativas desta monta sejam realizadas pela Escola de Magistratura", pontuou.
Leitura obrigatória
No mês de maio, "Um Defeito de Cor" foi eleito em votação realizada pelo jornal Folha de São Paulo, o melhor livro da literatura brasileira do século XXI.
Luiza Cristina Silva, que é a responsável pela mediação das reuniões e professora adjunta do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), apontou os fatores que fazem o livro ser crucial para entender a colonialidade brasileira, a escravização e os efeitos que ainda permeiam a sociedade contemporânea.
"A obra tem o poder de trazer a narrativa em primeira pessoa de uma mulher negra que foi escravizada, mas que diante de diferentes estratégias de resistência conseguia sua alforria e não no sentido individual somente, mas no sentido de trazer também a sua coletividade negra, de resistência histórica para ressignificar o Brasil e sua história. A história da protagonista é a de muitas outras mulheres que também criaram formas de transformar a realidade social no Brasil", comentou.
Recentemente, a autora Ana Maria Gonçalves foi eleita imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Esta é a primeira vez que uma autora negra é convidada a ocupar uma das cadeiras da associação.
Romance histórico
Integrantes do Judiciário alagoano debatem sobre o livro "Um defeito de cor", da autora Ana Maria Gonçalves. Foto: Kenny Lucas - Ascom/Esmal
Pedro Montenegro, coordenador de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) , revelou que ler este livro é essencial para compreender como racismo estrutura relações políticas, jurídicas, sociais e econômicas do Brasil.
"O Judiciário é muitas vezes chamado a participar de discussões desta natureza, e é importante ter conhecimento sobre o racismo presente nas nossas relações ainda no dia de hoje. O passado é uma das chaves mais interpretativas da nossa história", afirmou.
A diretora da Biblioteca, Mirian Ferreira Alves, ressaltou que a ideia da leitura coletiva surgiu dos debates desenvolvidos nas reuniões mensais do Clube do Livro Direito e Literatura.
"A leitura guiada é um desdobramento do que a gente já desenvolve no Clube do Livro Direito e Literatura, que, inclusive, completa seis anos neste mês de julho. Já tivemos outras experiências, com minicursos, mas esta é primeira com uma leitura guiada", destacou.
Mirian Alves afirmou que o formato dos encontros ultrapassa o eixo individual e parte para a abordagem coletiva das impressões da obra para entender o contexto sociocultural da narrativa.
"A ideia é que nós possamos ter esse tempo de leitura e reflexão, uma vez que a obra é muito extensa, para nos aprofundarmos sobre as questões históricas que o livro traz e que poderiam passar despercebidas numa leitura individual", contou.
Cronograma
Até outubro, mais três aulas dialogadas serão ministradas para os integrantes da leitura guiada, confira:
21 de agosto - com os capítulos 4, 5 e 6 (páginas 187 a 454), sobre divisão do trabalho escravo e dimensões jurídicas do Brasil colonial;
25 de setembro - com os capítulos 7 e 8 (páginas 455 a 730), que tratam de resistências, aquilombamentos, revoluções e recusa ao sistema escravista;
23 de outubro - com os capítulos 9 e 10 (páginas 731 a 948), focando no Brasil pós-colonial, na relação Nigéria–Brasil e nas festas afro-religiosas.
Os encontros acontecerão das 8h às 10h, sempre na sede da Esmal, localizada na Rua Cônego Machado, 1061, Farol.
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