A ciência está em todos os lugares. A frase parece clichê, pode até gerar discussões entre algumas pessoas, mas ela comprova sua veracidade a cada nova pesquisa e, principalmente, nos resultados. É o que nos mostra um estudo pioneiro em Alagoas e no Brasil, desenvolvido na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que investigou e detectou a presença de microplásticos em placentas e em cordões umbilicais de gestantes alagoanas.
Apoiado pelo governo de Alagoas, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o estudo, coordenado pelo professor Alexandre Borbely do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), teve início em 2024 e busca analisar 205 placentas. Em estudo piloto, 10 participantes tiveram as placentas e os cordões umbilicais analisados para a presença de microplásticos.
Segundo a enfermeira Camila Oliveira, uma das pesquisadoras da equipe, a análise do material se deu a partir de doações de mulheres alagoanas e de hospitais parceiros, como o Hospital da Mulher e o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HU). Ainda segundo ela, o estudo utilizou a microespectroscopia Raman, técnica que permite a identificação da estrutura química do material analisado e detectou microplásticos nas placentas e também nos cordões umbilicais dessas gestantes.
“Basicamente, filtramos 40 gramas das amostras em hidróxido de potássio por sete dias. Depois, filtramos as amostras em filtro de fibra de vidro com 1,6 micrômetros de poro, retendo neles todas as micropartículas maiores que não foram digeridas no processo. Esses filtros contendo as micropartículas são analisados por microespectroscopia Raman, técnica que consegue dizer a assinatura bioquímica das micropartículas, como por exemplo, se são microplásticos”, explicou Camila, complementando que essa análise é feita em parceria com o Instituto de Física (IF) da Ufal e com a University of Hawai’i at Manoa (EUA).
A pesquisa, também destaque do programa Minutos da Ciência produzido por Fapeal em Revista no final de abril deste ano, foi publicada na última sexta (25) no periódico Anais da Academia Brasileira de Ciências em uma edição especial sobre estudos brasileiros com o tema microplásticos. De acordo com Borbely, esse artigo é importante por ser o primeiro a mostrar microplásticos em gestantes do Sul global e o segundo a mostrar a presença de microplásticos no cordão umbilical – o primeiro foi publicado no final de 2024, na China.
“Esses resultados são muito importantes para valorizar a população alagoana, pois estudos com uma população tão específica e tão carente como a do nosso estado, ajudam a entender o perfil de contaminação local, que, com certeza, é diferente de uma população norte-americana, europeia ou chinesa”, explicou Alexandre, ao dizer que a publicação foi um convite da Associação para pesquisadores brasileiros que trabalham com microplásticos em todas as esferas do conhecimento.
Microplásticos alteram metabolismo das células da placenta
Além da parte epidemiológica, o estudo também vem analisando as células da placenta e, dentre outros pontos, os pesquisadores já mostraram que microplásticos de poliestireno conseguem passar com relativa facilidade pela barreira placentária e que esses microplásticos conseguem alterar o metabolismo das células da placenta, ou seja, as suas funções.
“Ainda não conhecemos os efeitos, por completo, no organismo, por conta disso, o estudo continua investigando as consequências dessa exposição. Pensando na gestação, é muito preocupante, porque isso é só do poliestireno sem contar os outros polímeros e produtos químicos envolvidos”, explicou Stephanie Ospina-Prieto, outra pesquisadora da equipe.
Natural da Colômbia, Stephanie desembarcou em Alagoas como bolsista da Fapeal por meio do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCTR) e contou que decidiu integrar o time por conta do impacto do projeto, pela contribuição com o desenvolvimento da Ciência alagoana, além do fato de ela já ser uma estudiosa do tema.
“Aceitei a oportunidade do PDCTR devido ao meu interesse no estudo de placentas e por acreditar que poderia contribuir para o desenvolvimento acadêmico e científico de estudantes de Alagoas. Para mim, como colombiana, o projeto foi muito valioso: trouxe novas habilidades em pesquisa e gestão, possibilitou um [estágio] sanduíche na Alemanha para fortalecer contatos científicos, e ampliou minha compreensão das dinâmicas regionais de saúde de Alagoas em contextos semelhantes aos da Colômbia ou da Alemanha”, contou a pesquisadora.
O professor destacou ainda que o apoio do governo de Alagoas, por meio da Fapeal, foi fundamental para o bom andamento da pesquisa. “Um estudo desse porte, na vanguarda da Ciência mundial, é caro e precisa de muito investimento para que seja bem-feito. Nesse sentido, a Fapeal e o governo de Alagoas ajudaram muito nossa equipe em um momento crucial com o aporte financeiro ali em 2022, de modo que a gente conseguiu publicar rapidamente e permanecer competitivos nessa corrida global tão importante”, frisou Alexandre Borbely.
Atualmente, Camila Oliveira e Stephanie Ospina-Prieto estão em estágio sanduíche na Medical University of Jena, na Alemanha, realizando testes modernos de expressão gênica e proteômica nas células da placenta expostas aos microplásticos de poliestireno. “Isso vai nos ajudar a ampliar os resultados moleculares e genéticos”, complementou Borbely.
Contaminação pelo ar, pela bebida e muito mais
O professor contou que os microplásticos podem, sim, ser encontrados em diversos órgãos por meio de contaminação pelo ar, pela bebida, pela comida e tantos outros. “Eles vão para dentro do nosso corpo e a gente não sabe muito bem como eles são absorvidos, mas a gente já encontra em diversos órgãos, como chegou a sair em vários estudos científicos e nas mídias”, salientou o docente.
E mais: segundo ele, após o estudo piloto, outras 20 mulheres também se voluntariaram para participar da pesquisa e o resultado foi o mesmo: todas as gestantes estão contaminadas e, consequentemente, seus bebês também. “Além disso, as duas pesquisadoras estão na Alemanha para ampliar os resultados moleculares e genéticos. Nesse meio tempo, também publicamos estudo experimental mostrando que os microplásticos passam com facilidade pela barreira placentária no periódico Placenta”, contou o professor Borbely.
Agora, além de ampliar o número de gestantes para o estudo epidemiológico das 205 placentas, o professor revelou que vem iniciando as análises dos efeitos imunológicos e nas mitocôndrias desses microplásticos de poliestireno. “Também começamos a fabricar microplásticos de outros polímeros como polietileno e polipropileno para testar nas células, feitos em laboratório para serem parecidos com os encontrados no ambiente”, complementou Borbely, ao dizer ainda que a pesquisa também conta com apoio de outros pesquisadores da Ufal, lotados no Instituto de Química e Biotecnologia (IQB) e no Centro de Tecnologia (Ctec), além da já citada Medical University of Jena.
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