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Maceió/Al, 03 de dezembro de 2024

Colunistas

Arnóbio Cavalcanti Arnóbio Cavalcanti
Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.
28/12/2023 às 14:07

Veremos o Brasil superar a agenda da desigualdade?

Nos idos dos anos 1980, quando frequentava os bancos universitários, passei a compreender que o estudo da ECONOMIA tinha como intento organizar políticas que fosse possível articular, de forma equilibrada, os quatro principais mercados econômicos (produção bens e serviços, moeda, trabalho e títulos públicos), com a finalidade de minimizar os problemas da economia e maximizar os benefícios em favor do bem estar social. Soube que esses mercados se comunicavam entre si e deveriam permanecer sempre em equilíbrio. Aprendi ainda que, pela lei de Walras, desde que três desses mercados estejam equilibrados, o quarto permanecerá equilibrado.

Pela teoria econômica, uma vez provocado um desequilíbrio em qualquer um desses mercados, as consequências para a economia seriam bastante severas. Por exemplo, o desequilíbrio do mercado da produção bens e serviços provoca desabastecimento ou superprodução. Se a oferta de moeda registrar instabilidade, a consequência seria inflação, enquanto que, uma desconformidade no mercado do trabalho tem como consequência será o desemprego.

Ainda, no início dos anos 1980, havia uma discussão sobre três questões paradigmáticas da economia brasileira: inflação, reforma tributária e desigualdade. Enfrentar essas três agendas eram consideradas as condições essenciais para o Brasil entrar na era da modernidade. Acreditava-se, na época, que mesmo garantindo o equilíbrio desses 4 mercados na economia brasileira, controlar o nível da inflação, promover uma reforma no sistema tributário e combater a desigualdade brasileira seria um verdadeiro tabu. Alguns analistas chegavam a julgar que a teoria econômica não reunia instrumentos capazes para resolver esses três problemas, pois essas anomalias faziam parte da sociedade brasileira.

INFLAÇÃO - QUEBRA DO PRIMEIRO PARADIGMA COM O PLANO REAL

O Brasil já passou por diversos processos inflacionários ao longo da sua história que resultaram em graves perdas econômicas para o país. De fato, os elevados índices de inflação do Brasil já era uma marca registrada desde a época do império. Para complicar ainda, na segunda metade dos anos 1970, com crise da dívida externa, a economia brasileira começa a conhecer um processo inflacionário sem procedência, razão pela qual, nos anos 1980, o país entrou num processo hiperinflacionário obtendo índices só comparável com os registrados pela Alemanha (1921 e 1923) e na Hungria (1946). Em abril de 1990, por exemplo, a inflação acumulada chegou a atingir a cifra de 6.821%.

Para enfrentar essa crise, uma sucessão de planos de estabilização monetária foi implantada no Brasil (Cruzado I e II, Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Collor I, Collor II, Feijão com Arroz, entre outros), sem, contudo, lograr êxito. Finalmente, em 1994, um programa contendo um conjunto de reformas estruturantes na economia brasileira, conhecido como plano Real, foi decretado, resultando no fim dos processos inflacionários no Brasil. A digital de Fernando Henrique, então ministro da Fazenda, e dos economistas Persio Arida e André Lara Resende estão presentes na quebra desse paradigma.

SISTEMA TRIBUTÁRIO - QUEBRA DO SEGUNDO PARADIGMA

Há quase 30 anos fazendo parte das discussões no Congresso e nos sucessivos governos no Brasil, a reforma tributária (PEC 45/2019) foi finalmente aprovada pelo Congresso, um feito só comparável ao plano Real.

Boa parte do sistema tributário brasileiro atual está baseado ainda pelo Código Tributário de 1966. As tentativas de reformar o sistema tributário vem desde a Constituinte de 1988.

Essa discussão vem sendo pautada há mais de 30 anos, desde a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, passando pelo segundo mandato do presidente Lula, bem como nos governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, através de vários projetos de lei.

Nesse período, três propostas de Emenda à Constituição (PEC) foram apresentadas, sem conseguir aprovação no Congresso. Em 1995, o governo FHC apresentou uma PEC para acabar com o IPI. Em 2008, o governo Lula enviou uma proposta com um IVA federal, enquanto que, em 2018, sob o governo Michel Temer, uma comissão especial da Câmara aprovou apenas um relatório para uma mudança na Constituição. Havia uma descrença no meio dos analistas brasileiros na quanto a capacidade da nossa sociedade modernizar seu sistema tributário. Alguns mesmos apostavam que a mudança do sistema tributário só seria viabilizada em governos autoritários.

Com a aprovada da reforma, o sistema tributário entra em vigor em 2026 e estará em funcionamento total em 2033. A reforma trará, com certeza, ganhos estruturais capazes de levar o Brasil a entrar numa nova fase de desenvolvimento e crescimento econômico. Transformará uma gama de impostos, taxas e contribuições existentes no atual sistema, por um imposto sobre o Valor Agregado (IVA). O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos gargalos históricos do sistema tributário brasileiro, acabando também com a guerra fiscal entre os estados, entre outros. Destacamos, ainda, que atualmente mais de 170 países adotam IVA.

É importante reconhecer que na aprovação da reforma tributária, quebrando mais um paradigma de 30 anos, encontramos a digital do deputado alagoano Artur Lira, do senador Rodrigo Pacheco e do ministro Fernando Haddad, além do economista Bernard Appy.

DESIGUALDADE - QUEBRA DO TERCEIRO PARADIGMA ????

O Brasil conseguiu superar, nos últimos 30 anos, os níveis altos da INFLAÇÂO e aprovar uma REFORMA TRIBUTÁRIA moderna e importante. Um feito considerado inédito. Resta superar a agenda da desigualdade tornando-se um país mais justo e menos desigual. Não se construí uma agenda de desenvolvimento para uma nação com níveis de desigualdade que hoje assistimos no Brasil.

Tenho convicção que, quando a sociedade brasileira deixarmos de tratar  de banalizar a desigualdade, que marca o país a décadas, quebraremos, assim, esse terceiro tabu.

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