OPINIÃO E INFORMAÇÃO Facebook Twitter
Maceió/Al, 18 de outubro de 2024

Colunistas

Arnóbio Cavalcanti Arnóbio Cavalcanti
Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.
14/10/2024 às 09:38

O comportamento da economia brasileira face ao I e II “choque” do petróleo: 1974-1984

Na véspera do primeiro choque do petróleo, em outubro de 1973, o Brasil importava quase 80% de suas necessidades energéticas, transformando-se, assim, no maior importador de petróleo entre os países em desenvolvimento.

Naquele momento, o governo militar encontra-se numa encruzilhada. Conceber uma política econômica capaz de conciliar, por sua vez, programas de ajustes estruturais para deter o forte desequilíbrio da balança comercial provocado pela quadruplicação do preço internacional do petróleo, assim como, manter a economia crescendo nos níveis da era do “milagre”. Diante desse dilema, o governo escolheu manter a economia crescendo, utilizando como instrumento a política de endividamento externo. De fato, entre 1974-78 a dívida externa brasileira passa de U$ 13,9 bilhões para U$ 52,2 bilhões.  A facilidade de obtenção de créditos internacionais em “petrodólares” junto aos bancos europeus foi a origem do endividamento brasileiro - os países árabes exportadores de petróleo passam a depositar parte significativa do excedente de dólares no sistema financeiro europeu, com medo de represarias por parte dos EUA. Por consequência, fruto da política de endividamento, a economia brasileira cresce, entre 1974-78, a uma taxa média anual de 6,4% a.a.

Após a posse do general J. B. Figueiredo, em março de 1979, a economia brasileira inicia um período de turbulência provocado por quatro acontecimentos exógenos: os países exportadores de petróleo resolvem decretar o segundo choque do petróleo, as taxas de juros crescem abruptamente no contexto internacional, a economia mundial inicia um processo de recessão e o sistema financeiro internacional, com medo de calote por parte dos países emergentes, passa a implantar uma política de crédito restritiva.

Os resultados econômicos no governo J. B. Figueiredo (1979-84) revelaram-se bastante fragilizados. A taxa média de crescimento do PIB do Brasil cai para 2,7% a.a., ante aos 6,4% a.a. do período 1974-78 e, pela primeira vez, desde 1949, quando foi instituído o sistema de contas nacionais, o país passa a registrar redução no seu PIB – nos anos de 1981 e de 1983. Esse período é também marcado por fortes ajustes estruturais na economia brasileira impostos, desta vez, pelo Fundo Monetário Internacional.

Esse artigo analisa o comportamento da economia brasileira durante o período que vai de 1974-84, onde o país foi afetado por dois importantes “choques” internacionais do preço do petróleo. A economia reagiu de duas maneiras distintas. Sob efeito do primeiro choque (1974-78), quando o preço de petróleo passa de U$ 3,00 para U$ 12,00, o Brasil conseguiu reagir de forma satisfatória, enquanto que os resultados obtidos a partir do segundo choque (1979-84), com o preço do barril de petróleo vai de U$ 12,00 para U$ 32,00, foram desastrosos para o país, caracterizados pela deterioração dos indicadores socioeconômicos.

A política econômica de enfrentamento ao segundo choque do petróleo

O primeiro choque do petróleo, em outubro de 1973, reduziu sobremaneira a capacidade de importações brasileiras, afetando principalmente o setor de matérias primas de bens de consumo. Para enfrentar a crise que se iniciava, o governo decide implantar cotas de importações e também reduzir os prazos de financiamento para aquisição dos bens de consumo, provocando inicialmente uma queda na taxa de crescimento da economia vis-à-vis ao período do “milagre”.

Em 1975, todavia, o governo decide reagir e implanta o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Esse plano, estruturado sob forte inspiração keynesiana, visou obter dois objetivos essenciais: reduzir a dependência energética estrangeira e retomar o crescimento econômico do país. Vários projetos são implantados, destacando-se, entre outros, a construção da Hidroelétrica de Itaipu (a maior hidroelétrica do mundo, até então) e o Proálcool (substituição do uso de gasolina dos veículos, por álcool). A economia do país, por sua vez, aquece e, entre 1974-78, cresce em média quase 7% a.a.

A política econômica de enfrentamento ao segundo choque do petróleo

O último governo militar do presidente J. B. Figueiredo, iniciado em março de 1979, foi influenciado por fatos econômicos que marcaram a econômica mundial: o surgimento do segundo choque do petróleo, a restrição de crédito do sistema financeiro internacional e a elevação da taxa de juros externa.

O barril de petróleo, que era negociado a U$ 12,00 dólares no final de 1978, passa a ser negociado por U$ 32,00 dólares, em 1979. A taxa de juros, por sua vez, passa a assumir a cifra de 17% a.a., em 1980, quando dois anos antes, em 1978, era o negociado por 8,5% a.a. O sistema financeiro internacional inicia um período de escassez de créditos com medo de calote dos países em vias de desenvolvimento.

Diante do recrudescimento dos indicadores da economia, o governo inicia o ano de 1980 mudando o direcionamento da política econômica. Acompanhando o cenário internacional, as autoridades monetárias passam a adotar medidas de restrição de créditos visando desaquecer a demanda interna. Dentre as providências adotas, destacam-se: cortes nas despesas públicas; proibição de financiamento interno para prazo superior a 12 meses e estabelecimento de caução de 50% do valor dos empréstimos para cujo prazo seja superior a 5 meses. Essas medidas afetam de cheio a indústria nacional, gerando um clima de descontentamento da classe produtiva brasileira.

Ainda em 1980, buscando melhorar o nível das reservas e equilibrar a balança de transações correntes, o governo provoca a desvalorização da moeda nacional e diminui as taxas de exportações. Apesar das ações adotadas, o país fecha o ano com um saldo da balança comercial negativo de - US 2,8 bilhões e a balança de transações correntes no montante negativo de - US 3,7 bilhões. Com a elevação da taxa de juros internacional e diante da escassez de créditos para financiar seus déficits, o Brasil entra num prolongado período de estagnação econômica, registrando altos índices de inflação e crescimento negativo do PIB.  Essa estagflação vai perdurar até o ano de 1984, que culmina com o fim dos governos militares.

Entre 1979 e 1984, por exemplo, o desempenho do comércio fica estagnado, crescendo apenas 0,68% a.a., enquanto que a produção da indústria nacional aumentou no ritmo de 1,24% a.a., o que representou cerca 10% do crescimento ocorrido na época do “milagre”. O setor primário expande próximo de 2,9% a.a.

Com a duplicação do valor da taxa de juros internacional, a dívida externa brasileira se elevou na mesma proporção. De fato, quando o presidente J. B. Figueiredo iniciou seu governo, em março de 1979, a dívida externa brasileira somava U$ 52,2 bilhões. Em dezembro de 1984, ao deixar o governo, a mesma representava praticamente o dobro do valor, atingindo o montante de U$ 102,1 bilhões.

A elevação da taxa de juros internacional e a escassez de créditos levam ao esgotamento das importações brasileiras, com a indústria nacional chegando ao seu sucateamento. Em 1980, por exemplo, o país importa próximo de U$ 23 bilhões, todavia, em 1984, o país importou apenas U$ 13,2 bilhões, quase metade do valor registrado 4 anos atrás. Razão pela qual a indústria de bens de capital e de bens intermediários reduziram em cerca de - 5% a.a.

Vale destacar, no entanto, que mesmo com a economia registrando resultados negativos do PIB e registrando a cada ano queda dos investimentos públicos e privados, durante todo o período do governo J. B. Figueiredo foi mantido a ortodoxia de ajuste fiscal da economia, com a política econômica sendo “vigiada” e consorciada pelo Fundo Monetário Internacional, enquanto que, na política salarial foi introduzido mecanismos que impedia ganhos reais.

Por fim, é importante assinalar que, por força dos ajustes fiscal implantado pelos programas do FMI, o último governo militar conseguiu a proeza de reduzir o déficit das contas públicas, saindo de um déficit de 8,3 % do PIB, em 1979, chegando, em 1984, a um déficit de 2,7 % do PIB. Ver tabela abaixo.


Destacamos, por fim, que a melhoria do comportamento do déficit público desse período, não pode ser associado a melhoria das contas governamentais. Uma análise mais detalhada nos componentes dos indicadores do déficit, mostra que ao decrescimento do déficit decorre, na verdade, da queda e esgotamento dos investimentos públicos do país.

Herança do ciclo dos governos militares

O Brasil chega no final dos anos 1970 na condição de ser a oitava economia mundial e ter apresentado o maior crescimento industrial no pós-guerra, entre as economias ocidentais.

Os dados revelam que, a grande parte da construção do parque industrial brasileiro ocorreu notadamente durante a época da intervenção militar, quando ocorreu o “milagre brasileiro” (1968-1973), com a indústria crescendo 14% a.a., e também do momento da implantação o II Plano Nacional de Desenvolvimento - período compreendido entre os dois choques do petróleo (1974 e 1979) - com o setor industrial registrando alta próxima de 7% a.a.

A reforma tributária de 1977 contribuiu sobremaneira para a onda de investimentos da indústria nacional desse período. Durante o “milagre” o país investiu próximo de 25% do PIB, graças ao desempenho da poupança interna que chegou a contribuir com 20% do PIB para manter os investimentos da época. Como a taxa de juros se encontrava em queda e o mercado financeiro internacional estava com excesso de liquidez, o país utilizou a política de endividamento externo para manter seus investimentos em alta.

Em 1979, o segundo choque do petróleo trouxe uma nova realidade na economia mundial, influenciando, sobremaneira, a trajetória da economia brasileira. Os créditos externos se tornam restritos e a taxa de juros crescem exponencialmente. A economia brasileira, que sempre dependeu da poupança externa para manter seu crescimento, mergulha numa estagnação crônica, desta feita, com níveis de inflação galopante.

A crise da dívida externa e a hiperinflação passam a ser a tormenta da economia brasileira dos anos 1980. O país não encontra outra alternativa para equilibrar suas contas, senão através da adesão aos diversos programas de ajustes estruturais ortodoxos promovidos pelo F.M.I. O Brasil seguiu o receituário de ajuste das contas públicas, tendo como consequência a queda da sua poupança interna e transferência de importantes soma de recursos para o exterior.

Como praticamente 80% da dívida externa brasileira era estatal, o governo militar não conseguiu reduzir o déficit público, pois não conseguia gerar dólares a partir das exportações. O setor público iniciou um processo de endividamento interno, através da aquisição de dólares do setor privado, responsável por quase 90% das exportações brasileiras. Ademais, as taxas de juros permaneceram elevadas durante toda a década de 1980, fazendo com que o encargo da dívida externa consumisse todo esforço fiscal. 

Seguindo esse modelo, durante toda a primeira metade dos anos 1980, o Brasil mergulha numa crise econômica sem precedentes. Não conseguindo obter êxito na sua ortodoxia econômica, com o país passando a registrar crescimento negativo do PIB, inflação elevada, desemprego em alta, nível de investimento decepcionante e endividamento externo crescendo de forma exponencial, o governo militar é instado a iniciar um processo de transição política, devolvendo o poder aos civis.

Em 15 de março de 1985, depois do Brasil passar por 21 anos sob comando de sucessivos governos militares, é instaurado um novo período democrático na história brasileira e, para superar essa crise econômica, o país começa a implantar políticas econômicas heterodoxas.

Comentários

Siga o AL1 nas redes sociais Facebook Twitter

(82) 996302401 (Redação) - Comercial: [email protected]

© 2024 Portal AL1 - Todos os direitos reservados.