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Maceió/Al, 18 de setembro de 2024

Colunistas

Arnóbio Cavalcanti Arnóbio Cavalcanti
Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.
23/08/2024 às 11:37

A trajetória dos planos de estabilização econômica durante o governo Sarney (1985-1990): o debate da ortodoxia x heterodoxia

Durante a década de 80 a economia brasileira atravessou uma das mais graves crises de sua história, marcada pela explosão da dívida pública, estagnação do Produto Interno Bruto e hiperinflação. Essa crise se tornou a marca registrada do último governo militar que se encerrou em 1985, e só foi solucionada apenas em 1994, com a implantação do plano Real. Por isso, os anos 1980 ficou conhecido na literatura econômica brasileira como a “década perdida”.

A condução da política econômica durante o governo do presidente José Sarney, iniciado em março de 1985, elegeu controlar a inflação como a forma de assegurar a estabilidade econômica do país. Sarney inicia a implementação de planos heterodoxos no Brasil, diferentes daqueles defendidos pelo FMI, cuja natureza era a adoção de regras duras de ortodoxia econômica como condição para continuar financiando os desequilíbrios da economia brasileira.

Por conta deste contexto econômico conturbado, uma série de planos econômicos foram tentados para derrubara a inflação, dentre eles se inserem: Cruzado (1986), Bresser (1987) e Verão (1989). Todos esses planos tinham como diagnóstico a neutralização do fator inercial de inflação, associada ao congelamento de preços e salários, sendo que cada um desse planos incorporaram características específicas. Infelizmente, todas as tentativas de estabilizar a economia fracassaram, somente atingindo êxito na década de 90 nos governos Itamar e FHC, com o plano Real (1994).

Nesse artigo, descreveremos o comportamento da economia brasileira no período compreendido entre 1985 e 1990, onde ocorreu o governo José Sarney, destacando as principais medidas tomadas adotadas nos planos heterodoxos de combate a inflação e suas consequências.   


Plano Cruzado

Como descrevemos no artigo sobre o plano Real, ao assumir o governo em 1885, Sarney havia herdado a economia do país num quadro nada animador: estagnação econômica (PIB crescendo apenas 1,7%, entre 1980 e 1983), o choque da taxa de juros internacional (taxa de juros dobrando pós segundo choque do petróleo), explosão do déficit público (passando de 14% do PIB, em 1981, para 33,2%, em 1984) e a crescente elevação da taxa de inflação (saindo de 94,94% em 1981, para 215,28% em 1984).

O Plano Cruzado foi anunciado dia 28 de fevereiro de 1986, pelo ministro da Fazenda Dilson Funaro, e tinha como pilares alguns princípios: o congelamento de preços e do câmbio, a desindexação da economia, o deslocamento do período de apuração do índice de inflação para evitar contaminação dos próximos índices, a mudança nos rendimentos da poupança que passaram a ser trimestrais ao invés de mensal, além do congelamento dos salários, depois de sofrerem aumento em média de 8%, e especialmente de 16% para o salário mínimo. Foi criado também o “gatilho salarial”, sempre que a inflação atingisse 20% os salários seriam reajustados até no máximo esse valor, excedentes aos 20% seriam repostos nos próximos períodos. Houve a introdução de uma nova moeda, o Cruzado.

Nos primeiros seis meses o plano foi um sucesso, a inflação despencou de 15% em fevereiro para quase 0% nos meses seguintes. Houve queda no desemprego e uma grande aceitação popular, os níveis de apoio ao presidente Sarney subiram expressivamente.

Com a continuidade do congelamento dos preços, houve uma explosão do consumo, traduzindo em desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Além disso, o impedimento dos reajustes dos preços dos produtos, acabou diminuindo a rentabilidade dos produtos ou até inviabilizando a produção, resultando em desabastecimento de bens e as grandes filas nos supermercados. Por fim, como câmbio congelado e o consumo em alta produzem o derretimento das reservas monetárias internacionais do país.

Dessa forma, após as eleições de 15 de novembro de 1986, o Plano fracassou definitivamente e a inflação retornaria com mais força do que no período que antecedeu a sua implantação. O Plano Cruzado não atacou a causa básica da inflação no Brasil, que desequilíbrio das contas públicas.

Plano Bresser

Após o fracasso do Plano Cruzado, o então Ministro da Fazendo, Dílson Funaro foi substituído por Luís Carlos Bresser Pereira, professor na FGV-SP. Este anunciou em 12 de junho de 1987 um novo plano de estabilização, o Plano Bresser.

A ideia era que a inflação agora não tinha apenas o diagnóstico inercial, além deste problema também foi considerada a questão da demanda aquecida como causa. Assim, o congelamento de preços foi mantido por 3 meses, mas entra em cena o congelamento de salários e de câmbio também. Todavia, os preços foram congelados no seu pico; os salários, pela média de inflação do trimestre anterior; e o câmbio, por fim, sofreu uma desvalorização de 10%. Diferentemente do plano Cruzado, adotou-se uma política monetária e fiscal ativa, mantendo a taxa de juros positiva para inibir o consumo.

A inflação que em julho era de 19,71%, despencou para 9,21% em julho e para 4,87% em agosto. Todavia, em setembro a inflação atingiu 7,78% e continuou subindo no mesmo ritmo nos meses subsequentes. Além disso o aumento salarial concedido ao setor público acabou por minar a redução do déficit público pretendida. A inflação atingiu 14,5% (IGP-DI) em novembro 1987 e em meio a uma grande insatisfação popular e uma resistência à reforma tributária e o ajuste das contas públicas, Luís Carlos Bresser-Pereira renunciou ao cargo e foi substituído por Maílson da Nóbrega, funcionário do Banco do Brasil, em janeiro de 1988.

Plano Verão

Durante o ano de 1988, o Ministro Mailson da Nóbrega buscou a estabilização econômica adotando uma política de redução de déficit público gradual e outras medidas contracionistas, rejeitando a ideia de choques heterodoxos e visava estabilizar a inflação em 15% a.m. e, ao mesmo tempo, reduzir o déficit operacional de 8% do PIB para a metade. Essa estratégia ficou conhecida na literatura econômica como “Política do Feijão com Arroz”. 

No primeiro semestre a inflação esteve abaixo de 20%. No segundo semestre, todavia, o governo se viu obrigado a reajustar as tarifas públicas influenciando a elevação gradual do nível da inflação, que chegou a 27% e 29% em novembro e dezembro, respectivamente. Visando evitar a hiperinflação, em 14 de janeiro de 1989, o ministro anuncia o plano Verão.

Neste novo plano, Maílson da Nóbrega não buscava baixar a inflação, mas evitar que ela continuasse aumentando, adotandos um híbrido entre medidas ortodoxas e heterodoxas.

Do ponto de vista ortodoxo, foram extintos a indexação dos contratos (extinção da URP - Unidade de Referência de Preços), reajuste das tarifas públicas, controle de gastos públicos, desvalorização do câmbio e promessas de amplo ajuste fiscal. Na ótica heterodoxa procedeu-se o congelamento dos preços e salários por tempo indeterminado, desindexação salarial e introdução de nova moeda, o Cruzado Novo, que correspondia a mil Cruzados. Seu objetivo não era baixar a inflação, mas evitar ela continuasse a subir, mantendo a um nível abaixo de 20%.

O Plano Verão foi lançado no ano eleitoral de 1989, onde não reunindo as condições políticas necessárias para a realização dos ajustes das contas públicas necessárias. Com isso, em maio de 1989, cinco meses depois do seu lançamento, o plano Verão já apresentava sinais de esgotamento: a desindexação salarial, por exemplo, foi abandonada, voltando a reindexação e o prometido superávit primário das contas públicas jamais foi alcançado. 

Assim como nos planos anteriores, o Plano Verão também não conseguiu lograr êxito. Quando chegaram as eleições, em novembro de 1989, a inflação não apenas tinha atingido o patamar de 20% como chegou a 45% ao mês. A tendência de alta permaneceu e, no início de 1990, a economia brasileira viveu pela primeira vez a hiperinflação. Assim, nos últimos três meses do governo Sarney, a taxa de inflação chegou a 56% em janeiro, 73% em fevereiro e 84% em março.

Foi nesse cenário de hiperinflação e estagnação econômica, em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello  foi empossado como o 32º presidente do Brasil.

Diante do desempenho da econômica brasileira na década de 80 relatados nesse artigo, você concorda com a expressão “Anos 1980 - Década Perdida” do economista Edmar Bacha?

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