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Maceió/Al, 18 de setembro de 2024

Colunistas

Arnóbio Cavalcanti Arnóbio Cavalcanti
Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.
10/09/2024 às 13:50

A trajetória da economia brasileira nos governos Lula I e II: 2003 - 2010

Conforme visto no artigo anterior, nos anos 1990 o Brasil experimentou um padrão singular na sua economia, caracterizado pela estabilização monetária, abertura comercial e financeira, crises cambiais e a introdução do “tripé macroeconômico”: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário.

Na década de 2000, por sua vez, o Brasil imprimiu um regime considerado social-desenvolvimentista. Esse modelo baseou-se na promoção do mercado interno, pelo qual foi direcionado políticas de renda e sociais adotadas pelo Governo Lula. Desse modo, após um período de instabilidade no comportamento do PIB e da manutenção da política econômica liberais, o país viu ascender uma nova estrutura econômica e social caracterizado por crescimento econômico e o avanço de políticas sociais de combate à pobreza.

É verdade que durante boa parte da gestão dos Governos Lula I e II, os níveis de preços das exportações das exportações brasileiras foram apreciados, favorecendo os termos de troca com o exterior e os juros internacionais apresentaram quedas, criando as condições favoráveis ao crescimento do país. Todavia, esses fatores, por se só, não garantem o desenvolvimento sustentável.

Em termos de orientação econômica, o primeiro mandato de Lula foi fundado na manutenção do “tripé macroeconômico” para assegurar um superávit primário e um equilíbrio das contas públicas. O governo adotou, ainda, o compromisso de respeitar os contratos vigentes em relação à dívida pública doméstica e externa, e apoiou o programa de auxílio emergencial prestado pelo FMI, negociado com o governo anterior. Foi um início de governo promissor e garantista.

Em seu segundo mandato, no entanto, a política econômica brasileira sofreu uma inflexão. O governo ampliou os gastos públicos, questionou as ações adotadas pelo BC e tomou um caminho que “flexibilizava” o tripé econômico, intocável desde o plano Real.

Essa nova tendência adotada pelo governo Lula ficou mais nítida ainda após a crise do Subprime, em 2008, que produziu impacto imediato na redução da liquidez internacional e na escassez de linhas de crédito e, por consequência, o governo brasileiro resolveu adotar políticas econômicas anticíclicas para estimular o crescimento econômico.

Nesse artigo, buscamos analisar a trajetória de crescimento da economia brasileira a partir dos anos 2000, na tentativa de explicar o crescimento econômico apresentado no governo Lula.  Alguns economistas chegam a identificar esse período como “milagrinho”, em alusão ao período do “milagre brasileiro” do início dos anos 1970. Entre 2003 e 2010, por exemplo, o Brasil atravessou o maior ciclo de crescimento das duas décadas anteriores. O PIB cresceu em média 4,1% ao ano, quase o dobro de 2,4% ao ano, valor observado entre 1980 e 2002.

Nesse período, o Brasil foi marcado pela expansão do produto nacional, equilíbrio das contas externas e abertura para o comércio internacional - privilegiado pelo mercado chinês, aumento do consumo, valorização do salário, expansão do crédito interno e redistribuição de renda que contribuíram para reduzir a desigualdade no país. 

Lula I (2003-2006): A manutenção da ortodoxia vigente

O presidente Lula toma posse em meio a dilema de esperança e desconfiança de como iria administrar a economia brasileira. A esperança ficava por conta do anseio da população por transformações sociais. A desconfiança vinha do fato de que Lula pertencia a um partido de esquerda, além dos rumores constantes vindos da elite empresarial sobre a quebra de compromissos internacionais. Entretanto, após a publicação da “Carta ao Povo Brasileiro”, em junho de 2002, onde foi assumido o compromisso de respeitar os contratos vigentes, parece que esse clima foi atenuado.

No início de 2003, o cenário econômico brasileiro era de muita instabilidade. O dólar, que começou o ano de 2002 valendo R$ 2,30, atingiu uma cotação de quase R$ 4,00. A taxa de pobreza era de 25,5% e a taxa de desemprego chegou a 13,4% da população, com uma queda de 5,1% do rendimento salarial. A expectativa de inflação para 2003, saltou no fim de 2002 de 5,5%, para o patamar de 12% em menos de dois meses. Para conter a expectativa de alta da inflação, o governo teve que elevar a taxa de juros para a cifra de 26%. Por fim, o PIB era de R$1,48 trilhões e a relação dívida pública/PIB era de 75%.

Diante desse cenário, na sua primeira fase, o Governo Lula foi instado a manter intacto a ortodoxia macroeconômica implantada no governo FHC, o chamado “tripé macroeconômico”, no sentido de levar segurança aos agentes econômicos.

Na política monetária, o governo adota o sistema de metas de inflação, com o Banco Central comprometendo-se a preservar a estabilidade dos preços e o alcance das metas no longo prazo. No âmbito da política fiscal, o governo Lula manteve o mesmo princípio do governo anterior, qual seja: o crescimento sustentável passa pelo ajuste definitivo das contas públicas, através de geração de superávits primários suficientes para reduzir a relação dívida/PIB.

O ambiente macroeconômico favorável

Nos anos 2000, o ambiente macroeconômico brasileiro foi favorecido por três fatores essenciais: o preço das commodities, o “efeito China” e a taxa de juros internacional.

Commodities

Entre os anos 2001 e 2013, também chamado de boom das commodities, a economia mundial foi impulsionado pelo aumento na demanda por commodities, notadamente da China e de outros países em desenvolvimento, que estavam investindo em suas economias. É importante destacar que, o avanço dos segmentos beneficiados por esse boom - industriais produtores de commodities e do agronegócio brasileiro – gerou efeito mais positivo para a economia nacional do que as políticas públicas estatais, traduzindo em novos investimentos de infraestrutura e crescimento econômico.



Efeito China

Em outra, a China elevou o Brasil como o principal parceiro comercial na América do Sul na década de 2000. As exportações brasileiras com destino à China, por exemplo, tornaram-se 30 vezes maiores em 2010 do que em 2000. Com isso, a participação dos produtos brasileiros na China saiu de 2%, no início de 2000, para 17% em 2010, o que permitiu a geração de um comercio bilateral, entre esses países, de mais de U$ 31 bilhões de dólares.

Taxa de juros

Uma vez que os países desenvolvidos estavam atravessando um ciclo econômico de políticas expansionistas, os bancos internacionais baixaram as taxas de juros baixas beneficiando ainda mais o crescimento da economia brasileira e global.

Lula II: Mudança de paradigmas (2007-2010)

O início do segundo mandato do Lula (2007-2010) se deu num clima de euforia na economia mundial e brasileira.  A expectativa dos agentes econômicos era de mais anos com alto crescimento, estabilidade econômica e continuidade da melhoria do quadro social do país. Essa condição bem estar social propiciou que o governo Lula provocasse uma inflexão na política econômica brasileira. Essas mudanças produziram resultados macroeconômicos ainda mais positivos em termos do crescimento do PIB, fortalecimento das grandes empresas nacionais (estatais e privadas), distribuição de renda e redução da pobreza.

Várias inovações foram introduzidas por essa inflexão na política econômica.  A principal mudança foi na diminuição da taxa básica de juros interna (Selic). Se no início de 2006, a Selic chegou a 17,5%, ao fim do governo Lula caiu para 10,75%.

Além de reduzir a taxa básica de juros, controlou-se a inflação. Enquanto a média da taxa de inflação no primeiro governo foi de 6,3% ao ano, no segundo mandato de Lula ela atingiu uma média de 5,3%.

Outra inflexão emblemática foi a mudança de concepção do gasto público: as taxas de juros e inflação baixas impactaram positivamente no investimento e favoreceram a expansão do consumo. Assim, em 2017, o governo Lula optou pelo aumento no investimento estatal e privados nas áreas de infraestrutura econômica e social, questionou as ações adotadas pelo BC e tomou um caminho que “flexibilizava” o tão importante “tripé macroeconômico”, antes “imexível”.

Crise Mundial de 2008

Em meados de setembro de 2008, teve início nos EUA a crise financeira de 2008, conhecida também como “crise do subprime” ou “crise no pagamento de hipotecas”. Ela foi agravada quando aconteceu com a quebra do Banco Lehman Brothers, um dos mais tradicionais dos Estados Unidos. Ela atingiu a economia real e acabou explodindo e contaminando o mundo.

Para enfrentar a crise do Subprime, o governo Lula decide flexibilizar ainda mais o “tripé macroeconômico”, ao adotar políticas econômicas anticíclicas para estimular o crescimento econômico: ampliação dos investimentos e gastos governamentais.

O PAC foi a principal representação da inflexão entre as mudanças do primeiro mandato Lula e o segundo. Além do PAC, o governo também ampliou e implementou outras políticas sociais, como o Bolsa Família, o Programa de Saúde da Família e o Pronasci. Essas políticas tinham como objetivo reduzir a pobreza e promover a inclusão social da população brasileira. Os resultados para economia se apresentaram exitosos.

O abandono completo do “Tripé Macroeconômico” e a substituição pelo modelo batizada de “Nova Matriz Econômica” vai ocorrer somente no governo Dilma.

Um balanço

Após o final de seu segundo mandato, em 2010, a situação dos indicadores macroeconômicos tinha mudado significativamente para melhor. Senão vejamos:


Entre 2003 e 2010, as contas externas da economia brasileira apresentaram resultados muito expressivos, acumulando um superávit do balanço de pagamentos de US$231,82, razão pela qual permitiu que o governo saldasse as dívidas com o FMI.

O índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda nas regiões, quanto mais próximo de 1, mais desigual o local é considerado. Em 2003, havia uma desigualdade de renda de 0,583. Após o fim do seu mandato, o índice caiu para 0,531, uma redução de 9% em comparação ao ano de 2003. O total de famílias de baixa renda que, em 2004, era de 3,6 milhões e detinham apenas 0,4% da renda nacional, passaram, em 2010, a somar 12,8 milhões, se apropriando de cerca de 1,28% da renda nacional.

O governo ampliou o crédito bancário para pessoas físicas e empresas, com juros abaixo da taxa de mercado, incentivando o consumo e investimentos. O volume de crédito para as pessoas físicas, por exemplo, que no início do governo representava 14% do PIB, atingiu, em 2010, o percentual de 24% do PIB.

Os resultados positivos se refletem também no ensino superior. Em 2000, por exemplo, o Brasil contava com 2,6 milhões de estudantes no ensino superior, atingindo 6,4 milhões de matrículas em 2010. A taxa de escolarização do Nordeste saiu de 5,2% para 14,1%, nesse mesmo período. O número de bolsas de estudos (PROUNI) para estudantes brasileiros de baixa renda acessarem as instituições privadas de ensino superior que ara 112 mil, em 2005, mais do que dobrou num período de 5 anos, atingindo o montante de 241 mil bolsas, em 2010.

Não podemos negar que o governo Lula terminou por cima, com todos os indicadores econômicos e sociais se apresentando positivos, associado a uma alta aprovação da população brasileira. Não é à toa que muitos consideram ter sido um “milagre” se conseguir manter a economia brasileira com tal performance.

Dito isso, como você classifica o advento do “milagrinho” ocorrido nos anos 2000: esse crescimento é fruto de medidas acertadas adotadas durante os governos Lula? Decorre da alta do preço das commodities que exportávamos à época: petróleo, minério de ferro e soja? Ou é consequência das reformas estruturantes ocorridas nos anos 1990?

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