A política econômica nos governos Dilma Rousseff, período que se estendeu de 2011 à 2016, foi caracterizada por dois momentos distintos. No seu primeiro governo (2011-2014), a presidenta Dilma buscou manter o ritmo de crescimento econômico do governo Lula, mudou a política “macroeconômica” e ampliou os programas sociais herdados. A condução da política econômica no seu breve segundo governo (2015-2016), no entanto, foi marcada pela implantação de um plano de austeridade fiscal de natureza ortodoxa, com a economia brasileira perdendo seu dinamismo.
Nesse artigo fazemos uma breve análise sobre a política macroeconômica nos governos Dilma. Buscaremos destacar os fatores que levaram, no seu primeiro mandato, o governo conduzir a política de crescimento econômico vigente e a implantação de uma agenda industrialista. Destacaremos, ainda, que em seu curto segundo mandato, a orientação da macroeconômica consistiu essencialmente em implantar políticas voltadas para a contração da demanda doméstica e para o “ajuste” dos preços estratégicos visando garantir o nível de investimento, aqui caracterizada como “austeridade”.
A herança do governo de Lula e os ajustes estruturais
Em 2010, último ano do governo Lula, foi marcado por uma rápida recuperação da economia brasileira. O país registrou um crescimento industrial de 10,7%, aliado a uma forte redução da taxa de desemprego (5,3%, em dezembro), com o dólar em queda (em janeiro de 2010, o dólar era negociado por R$ 2,34, fechou o ano de 2010 em queda sendo cotado a R$ 1,67), a inflação controlada (4,3%) e a população contemplando aumento do poder de compra. Com isso, os programas sociais implantados durante a “era Lula” e a política econômica adotada passaram a ter inclusive reconhecimento e destaque internacional. Por tudo isso, a maioria dos economistas apostavam que, em 2011, a economia brasileira tinha se recuperada da crise financeira de “subprime” de 2008.
Primeiro governo Dilma (2011-2014) - “a nova matriz econômica”
O ano de 2011, primeiro ano do governo Dilma, foi marcado pelo debate da manutenção do crescimento herdado da “era Lula”, com a defesa da efetivação de uma política estatista e desenvolvimentista, baseada na ampliação dos gastos públicos, associado a uma expansão dos programas sociais. Em termos de orientação da política econômica, o governo foi marcado pelo abandono do “tripé macroeconômico”, que vinha sendo adotado desde 1999, inaugurando a “nova matriz econômica - NME”.
Os 4 pilares da “nova matriz econômica”
A nova “agenda desenvolvimentista” foi estruturada em quatro pilares: política monetária expansionista, reversão da política cambial expansionista dos governos anteriores, preços monitorados e desoneração tributária (renúncia fiscal).
i. A principal premissa da “nova matriz econômica” consistia em reduzir o papel da política fiscal vis-à-vis a política monetária. Nesse novo arranjo da política econômica, o governo passou a atuar com uma política monetária expansionista, reduzindo a taxa de juros. Assim, o Banco Central passou a adotar uma prática de corte na taxa Selic, mesmo em situação em que a expectativa da inflação fosse de alta. A rápida redução dos juros teve início em agosto, quando a taxa anual de juros era de 12,5% a.a., alcançando o valor de 7,25% a.a., em outubro de 2012. Além disso, o governo passa a usar também os bancos oficiais - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES - para forçar artificialmente a redução do spread bancário. Neste período, por exemplo, o BNDES foi expandiu sua carteira de crédito, passando seu valor de R$ 549 bilhões, em 2010, para R$ 877 bilhões, em 2014.
ii. Na política cambial, o BC passou a adotar medidas para flexibilizar a taxa de câmbio. O objetivo dessa política era desvalorizar o real, visando aumentar a competitividade da indústria nacional, impactando as exportações brasileiras. Com efeito, entre 2011 e 2013, a taxa de câmbio se desvalorizou em cerca de 40%, traduzindo em aumento das exportações do período.
iii. A estratégia de monitorar os preços de energia e de combustível teve a dupla função: redução de custos para o setor industrial e, por outro lado, de compensar a alta inflação de serviços, para manter a inflação no intervalo da meta.
iv. Para preservar a competitividade da indústria nacional no contexto internacional, o governo Dilma implantou um programa de desoneração tributária. Inicialmente o programa foi estruturado para beneficiar apenas quatro setores da indústria: moveleiro, calçadista, de artefatos de couro e de confecções, consideradas, à época, as indústrias mais afetadas pela competição externa e as importações. Entretanto, com o passar do tempo, a lista dos setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamento passou a 56. Com a ideia de que a desoneração aumentaria a competitividade da indústria nacional, compensando assim a perda de receita da União, estima-se que, entre 2012 e 2015, a arrecadação da Previdência Social foi penalizada em mais de R$ 54,3 bilhões de reais. Destacamos, ainda, que mesmo implantado em 2012, a prática da desoneração da folha de pagamento continua nos dias atuais.
Crise econômica de 2014
A mudança da política econômica para nova matriz econômica, baseada nos seus 4 pilares estruturantes, não surtiu efeito positivo para o país. A economia brasileira chega no último trimestre de 2014 numa situação econômica crítica, com o PIB crescendo apenas 0,5% no ano, afetando formalmente a recessão técnica no biênio 2015/2016, quando o país encolhe - 3,5% e - 3,3%, respectivamente. Entre 2014 e 2016, o produto per capita brasileiro caiu cerca de - 9%.
Essa crise foi resultado de fatores internos e externos.
O primeiro fator que contribuiu para a recessão de 2015/2016 foi o esgotamento da “nova matriz economia”, a partir do final de 2014. A condução da política econômica no primeiro governo Dilma através da nova matriz economia não conseguiu manter a economia brasileira num nível de crescimento sustentável. De fato, a adoção da política de flexibilização do “tripé macroeconômico”, combinando com uma política monetária que reduziu artificialmente a taxa de juros e uma política fiscal com dirigismo no investimento, elevação de gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços de energia, reduziram a produtividade da economia brasileira e, com isso, o produto potencial.
Diferente da “era Lula”, quando o mundo viveu o “boom” das comodities, ainda no início dos anos 2010 a economia internacional começou a apresentar sinais de desaquecimento, notadamente na Zona do Euro. A partir de 2012, o mundo assiste a elevação da taxa de juros internacional.
Segundo governo Dilma (2015-2016): o ajuste neoliberal
Em 2014, após 17 anos de superávits consecutivos, o país registra um déficit de 0,6% do PIB brasileiro, evidenciando um resultado negativo nas contas públicas de - R$ 32,5 bilhões. Esse descontrole das contas públicas resultou numa exploração mediática da direita nacional, gerando munição para iniciar um clima de polarização, ódio e descontentamento no país.
Diante desse fato, o governo resolve acenar para o mercado implementando um importante ajuste neoliberal na economia brasileira. Nesse programa, o governo decide implementar um corte nos gastos de mais de R$ 70 bilhões de reais. Esse corte atingiu não somente o PAC, mas também os gastos com saúde e, sobretudo, a educação superior com suspensão de bolsas de pós-graduação em diferentes áreas disciplinares, atraso na transferência de verbas para as universidades, atraso no desembolso dos recursos do Fies, do Pronatec e a suspensão dos programas Ciência sem Fronteira e Farmácia Popular.
A troca da “nova matriz econômica” pelo “ajuste fiscal liberal” se mostrou ineficaz enquanto política econômica. Senão vejamos:
Em 2014, o Brasil registrava 6.452.000 de desempregados ou 6,50% da população economicamente ativa. No final do segundo governo Dilma, havia 11.089.000 de desempregados ou 10,90%. Entre agosto de 2014 e agosto de 2015, o mercado de trabalho brasileiro perdeu 985.669 postos de trabalho formais. Nesse mesmo período, a taxa de desemprego subiu de 5,0% para 7,6%, nas seis regiões metropolitanas do país;
Em 2014, a dívida chegou a R$ 2,30 trilhões e, fechou o ano de 2016, com uma dívida de R$ 2,89 trilhões. Nesse mesmo período, o investimento privado caiu de 16,05% do PIB para 15,39%, enquanto que o investimento das estatais baixou de 2,21% para 1,73% do PIB;
Por fim, o país registrou uma retração de -3,85% em 2015 e, em 2016, recuo de -3,90%. Resumindo: nossa economia vai recuar, em dois anos, 7,60%. A recessão do biênio 2015/2016 é considerada para o Brasil uma das maiores crises de sua história (a maior desde a depressão dos anos 1930).
Pedaladas fiscais e Impeachment
Conforme foi visto, as pedaladas fiscais ficaram conhecidas apenas após 2014, quando o país registrou um resultado negativo de - R$ 32,5 bilhões nas contas públicas. Esse fato foi repetido nos anos de 2015 e 2016, totalizando um déficit de - R$ 118 bilhões de reais. De fato, o Brasil não apresentava déficit primário nas contas públicas desde 1997, mantendo-se superavitário até 2013. A série abaixo mostra que somente os anos 1997, 2014, 2015 e 2016 apresentaram déficits primário.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) preconiza que, quando a receita do Estado não é suficiente para garantir o cumprimento da meta, o governo deve reduzir seus gastos.
O TCU, ao julgar as contas da presidente Dilma em 2015, determinou que todos os passivos acumulados durante o primeiro mandato de Dilma fossem quitados. Esse valor chegava a R$ 118 bilhões de reais em 2015. Isso não foi feito.
Essa foi a base jurídica para o pedido de impeachment de Dilma, em 2016. Era o fim da era Dilma.
Por fim, diante do exposto, para você a recessão que o Brasil enfrentou no final do governo Dilma - a maior desde a depressão dos anos 1930 - foi decorrente do fato dela abandonar o “tripé macroeconômico” e adotar “nova matriz econômica”? Foi por que, no período do seu governo, aconteceu o fim do boom das commodities e de um ambiente externo favorável para o crescimento econômico? Ou foi devido a erros da Dilma adotar diversas medidas econômicas, políticas e administrativas equivocadas?
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