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Maceió/Al, 19 de setembro de 2024

Colunistas

Arnóbio Cavalcanti Arnóbio Cavalcanti
Doutor em Economia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, HHESS, França. Professor da Universidade Federal de Alagoas com linhas de pesquisa em Finanças Públicas, Economia do Setor Público, Macroeconometria e Desenvolvimento Regional.
17/09/2024 às 09:52

Economia brasileira nos governos Dilma: da industrialização tardia à “grande recessão” de 2014/16

A política econômica nos governos Dilma Rousseff, período que se estendeu de 2011 à 2016, foi caracterizada por dois momentos distintos. No seu primeiro governo (2011-2014), a presidenta Dilma buscou manter o ritmo de crescimento econômico do governo Lula, mudou a política “macroeconômica” e ampliou os programas sociais herdados. A condução da política econômica no seu breve segundo governo (2015-2016), no entanto, foi marcada pela implantação de um plano de austeridade fiscal de natureza ortodoxa, com a economia brasileira perdendo seu dinamismo.

Nesse artigo fazemos uma breve análise sobre a política macroeconômica nos governos Dilma. Buscaremos destacar os fatores que levaram, no seu primeiro mandato, o governo conduzir a política de crescimento econômico vigente e a implantação de uma agenda industrialista. Destacaremos, ainda, que em seu curto segundo mandato, a orientação da macroeconômica consistiu essencialmente em implantar políticas voltadas para a contração da demanda doméstica e para o “ajuste” dos preços estratégicos visando garantir o nível de investimento, aqui caracterizada como “austeridade”.

A herança do governo de Lula e os ajustes estruturais

Em 2010, último ano do governo Lula, foi marcado por uma rápida recuperação da economia brasileira. O país registrou um crescimento industrial de 10,7%, aliado a uma forte redução da taxa de desemprego (5,3%, em dezembro), com o dólar em queda (em janeiro de 2010, o dólar era negociado por R$ 2,34, fechou o ano de 2010 em queda sendo cotado a R$ 1,67), a inflação controlada (4,3%) e a população contemplando aumento do poder de compra. Com isso, os programas sociais implantados durante a “era Lula” e a política econômica adotada passaram a ter inclusive reconhecimento e destaque internacional. Por tudo isso, a maioria dos economistas apostavam que, em 2011, a economia brasileira tinha se recuperada da crise financeira de “subprime” de 2008.

Primeiro governo Dilma (2011-2014) - “a nova matriz econômica”

O ano de 2011, primeiro ano do governo Dilma, foi marcado pelo debate da manutenção do crescimento herdado da “era Lula”, com a defesa da efetivação de uma política estatista e desenvolvimentista, baseada na ampliação dos gastos públicos, associado a uma expansão dos programas sociais. Em termos de orientação da política econômica, o governo foi marcado pelo abandono do “tripé macroeconômico”, que vinha sendo adotado desde 1999, inaugurando a “nova matriz econômica - NME”.

Os 4 pilares da “nova matriz econômica”

A nova “agenda desenvolvimentista” foi estruturada em quatro pilares: política monetária expansionista, reversão da política cambial expansionista dos governos anteriores, preços monitorados e desoneração tributária (renúncia fiscal).

i. A principal premissa da “nova matriz econômica” consistia em reduzir o papel da política fiscal vis-à-vis a política monetária. Nesse novo arranjo da política econômica, o governo passou a atuar com uma política monetária expansionista, reduzindo a taxa de juros. Assim, o Banco Central passou a adotar uma prática de corte na taxa Selic, mesmo em situação em que a expectativa da inflação fosse de alta. A rápida redução dos juros teve início em agosto, quando a taxa anual de juros era de 12,5% a.a., alcançando o valor de 7,25% a.a., em outubro de 2012. Além disso, o governo passa a usar também os bancos oficiais - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES - para forçar artificialmente a redução do spread bancário. Neste período, por exemplo, o BNDES foi expandiu sua carteira de crédito, passando seu valor de R$ 549 bilhões, em 2010, para R$ 877 bilhões, em 2014.

ii. Na política cambial, o BC passou a adotar medidas para flexibilizar a taxa de câmbio. O objetivo dessa política era desvalorizar o real, visando aumentar a competitividade da indústria nacional, impactando as exportações brasileiras. Com efeito, entre 2011 e 2013, a   taxa de câmbio se desvalorizou em cerca de 40%, traduzindo em aumento das exportações do período.

iii. A estratégia de monitorar os preços de energia e de combustível teve a dupla função: redução de custos para o setor industrial e, por outro lado, de compensar a alta inflação de serviços, para manter a inflação no intervalo da meta.

iv. Para preservar a competitividade da indústria nacional no contexto internacional, o governo Dilma implantou um programa de desoneração tributária. Inicialmente o programa foi estruturado para beneficiar apenas quatro setores da indústria: moveleiro, calçadista, de artefatos de couro e de confecções, consideradas, à época, as indústrias mais afetadas pela competição externa e as importações. Entretanto, com o passar do tempo, a lista dos setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamento passou a 56. Com a ideia de que a desoneração aumentaria a competitividade da indústria nacional, compensando assim a perda de receita da União, estima-se que, entre 2012 e 2015, a arrecadação da Previdência Social foi penalizada em mais de R$ 54,3 bilhões de reais. Destacamos, ainda, que mesmo implantado em 2012, a prática da desoneração da folha de pagamento continua nos dias atuais.

Crise econômica de 2014

A mudança da política econômica para nova matriz econômica, baseada nos seus 4 pilares estruturantes, não surtiu efeito positivo para o país. A economia brasileira chega no último trimestre de 2014 numa situação econômica crítica, com o PIB crescendo apenas 0,5% no ano, afetando formalmente a recessão técnica no biênio 2015/2016, quando o país encolhe - 3,5% e - 3,3%, respectivamente. Entre 2014 e 2016, o produto per capita brasileiro caiu cerca de - 9%.

Essa crise foi resultado de fatores internos e externos.

O primeiro fator que contribuiu para a recessão de 2015/2016 foi o esgotamento da “nova matriz economia”, a partir do final de 2014. A condução da política econômica no primeiro governo Dilma através da nova matriz economia não conseguiu manter a economia brasileira num nível de crescimento sustentável. De fato, a adoção da política de flexibilização do “tripé macroeconômico”, combinando com uma política monetária que reduziu artificialmente a taxa de juros e uma política fiscal com dirigismo no investimento, elevação de gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços de energia, reduziram a produtividade da economia brasileira e, com isso, o produto potencial.

Diferente da “era Lula”, quando o mundo viveu o “boom” das comodities, ainda no início dos anos 2010 a economia internacional começou a apresentar sinais de desaquecimento, notadamente na Zona do Euro. A partir de 2012, o mundo assiste a elevação da taxa de juros internacional.

Segundo governo Dilma (2015-2016): o ajuste neoliberal

Em 2014, após 17 anos de superávits consecutivos, o país registra um déficit de 0,6% do PIB brasileiro, evidenciando um resultado negativo nas contas públicas de - R$ 32,5 bilhões. Esse descontrole das contas públicas resultou numa exploração mediática da direita nacional, gerando munição para iniciar um clima de polarização, ódio e descontentamento no país.

Diante desse fato, o governo resolve acenar para o mercado implementando um importante ajuste neoliberal na economia brasileira. Nesse programa, o governo decide implementar um corte nos gastos de mais de R$ 70 bilhões de reais. Esse corte atingiu não somente o PAC, mas também os gastos com saúde e, sobretudo, a educação superior com suspensão de bolsas de pós-graduação em diferentes áreas disciplinares, atraso na transferência de verbas para as universidades, atraso no desembolso dos recursos do Fies, do Pronatec e a suspensão dos programas Ciência sem Fronteira e Farmácia Popular.

A troca da “nova matriz econômica” pelo “ajuste fiscal liberal” se mostrou ineficaz enquanto política econômica. Senão vejamos:

Em 2014, o Brasil registrava 6.452.000 de desempregados ou 6,50% da população economicamente ativa. No final do segundo governo Dilma, havia 11.089.000 de desempregados ou 10,90%. Entre agosto de 2014 e agosto de 2015, o mercado de trabalho brasileiro perdeu 985.669 postos de trabalho formais. Nesse mesmo período, a taxa de desemprego subiu de 5,0% para 7,6%, nas seis regiões metropolitanas do país;

Em 2014, a dívida chegou a R$ 2,30 trilhões e, fechou o ano de 2016, com uma dívida de R$ 2,89 trilhões. Nesse mesmo período, o investimento privado caiu de 16,05% do PIB para 15,39%, enquanto que o investimento das estatais baixou de 2,21% para 1,73% do PIB;

Por fim, o país registrou uma retração de -3,85% em 2015 e, em 2016, recuo de -3,90%. Resumindo: nossa economia vai recuar, em dois anos, 7,60%. A recessão do biênio 2015/2016 é considerada para o Brasil uma das maiores crises de sua história (a maior desde a depressão dos anos 1930).

Pedaladas fiscais e Impeachment

Conforme foi visto, as pedaladas fiscais ficaram conhecidas apenas após 2014, quando o país registrou um resultado negativo de - R$ 32,5 bilhões nas contas públicas. Esse fato foi repetido nos anos de 2015 e 2016, totalizando um déficit de - R$ 118 bilhões de reais.  De fato, o Brasil não apresentava déficit primário nas contas públicas desde 1997, mantendo-se superavitário até 2013. A série abaixo mostra que somente os anos 1997, 2014, 2015 e 2016 apresentaram déficits primário. 


A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) preconiza que, quando a receita do Estado não é suficiente para garantir o cumprimento da meta, o governo deve reduzir seus gastos.

O TCU, ao julgar as contas da presidente Dilma em 2015, determinou que todos os passivos acumulados durante o primeiro mandato de Dilma fossem quitados. Esse valor chegava a R$ 118 bilhões de reais em 2015. Isso não foi feito.

Essa foi a base jurídica para o pedido de impeachment de Dilma, em 2016. Era o fim da era Dilma.

Por fim, diante do exposto, para você a recessão que o Brasil enfrentou no final do governo Dilma - a maior desde a depressão dos anos 1930 - foi decorrente do fato dela abandonar o “tripé macroeconômico” e adotar “nova matriz econômica”? Foi por que, no período do seu governo, aconteceu o fim do boom das commodities e de um ambiente externo favorável para o crescimento econômico? Ou foi devido a erros da Dilma adotar diversas medidas econômicas, políticas e administrativas equivocadas?

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