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Maceió/Al, 21 de dezembro de 2024

Colunistas

Jorge Luiz Bezerra Jorge Luiz Bezerra
É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos jurídicos.
05/12/2024 às 05:23

Delay Deny Defend (Atrasar, negar, defender)

Jay M. Feinman Jay M. Feinman

Jay M. Feinman, especialista em direito de seguros, delitos e direito contratual e professor da renomada Rutgers Law School, em Canden/New Jersey, escreveu a brochura Delay, Deny, Defend: Why InsuranceCompanies Don't Pay Claims and What You Can Do About It que se já era muito lida, deverá estourar as perspectivas editoriais, em razão do assassinato de Brian Thompson, de 50 anos, presidente-executivo da UnitedHealthcareuma das maiores seguradoras de saúde dos Estados Unidos, foi morto a tiros em Midtown Manhattan/NY, nessa quarta-feira (4/12). O suspeito, que está foragido, deixou mensagens nas balas que usou para matar o executivo.

De acordo com fontes policiais ouvidas pelo New York Post, o criminoso teria marcado os projéteis com as palavras: Atrasardepordefender. Fontes disseram, ainda, que várias das evidências continham uma frase que pode indicar que o assassino tentou, de fato, deixar uma mensagem. Com efeito, os três verbos usados pelo assassino como marca de sua ação, também lembraDelay Deny Defend (Atrasar, negar, defender), que vez a ser a estratégia mais usada, porém, banida moralmente, para embromar e fazer o segurado demandante desistir ou fazer um acordo que beneficie mais a seguradora.

Ressalte-se que New York Times relatou que políciaencontrou as palavras “atrasar”(delay) e “negar”(deny) nas cápsulas de balas, em vez de “negar”, “defender”(defend)e “depor” (depose) que fariam referência mais direta à frase comumente usada para criticar o setor de seguros de saúde.(www.forbes.com/sites/mollybohannon/2024/12/05/deny-defend-depose-what-to-know-about-words-reportedly-on-shell-casings-tied-to-unitedhealthcare-ceo-shooting/)A conferir.  

Por seu turno, a perícia já está analisando o três cartuchos de calibre 9 milímetros e as três cápsulas deflagradas em frente ao hotel Hilton na Sexta Avenida, onde Thompson comandaria uma conferência de investidores, segundo afirma o New York Post (05/12).

 Delay, denydefend

É o título de uma obra que aponta os erros e truques das grandes seguradoras de saúde norte-americana: Delay, Deny, Defend: Why Insurance Companies Don't PayClaims and What You Can Do About It , em português:Atrasar, Negar, Defender: Porque as companhias de seguros não pagam as reivindicações e o que você pode fazer sobre isso.

Com efeito, creio que a essa altura, os Blues do lendárioNYPD-New York Police Department, já devem feito o link entre a sentença de morte (Delay, deny and defend) e a obra do ProfJay M. Feinman.

A obra procura explanar, porque as companhias de seguros não pagam reivindicações e o que se pode fazer sobre isso. Uma exposição da injustiça do seguro e um plano para consumidores e legisladores lutarem. A negação de reivindicações de seguro válidas não é ocasional ou acidental ou culpa de alguns funcionários ruins. É o resultado de um foco crescente e sistemático na maximização dos lucros por grandes empresas como a Allstate e a State Farm. Citando dezenas de histórias de vítimas que tiveram o pagamento injustamente negado, o livro esclarece como as pessoas podem ser mais cuidadosas ao comprar apólices e o que fazer ao buscar uma reivindicação contestada. 

Procurando o Ovo da Serpente

Como disseaté a presente data, o NYPD se identificou o assassino do CEO da UnitedHealthcare, não publicou o nome do celerado, daí como livre pensar é só pensar, veio a mente, a constatação que muitos dos criminosos nos países do Primeiro Mundo, são cultos, gostam de ler e apreciam as infovias da Web. Daí, chegamos ao título do livro, cujas palavras iniciais, estavam na munição usada e arrecadada pela polícia: Atrasar, depor, defender (Delaydepose and defend)ecoa uma frase comumente usada para descrever as táticas das seguradoras para evitar o pagamento de indenizações.

É válido salientar que UnitedHealthcare fornece cobertura para mais de 49 milhões de americanos e arrecadou mais de US$ 281 bilhões em receita no ano passado como uma das maiores seguradoras de saúde do país. A UnitedHealthcare e suas rivais se tornaram alvos frequentes de críticas de médicos, pacientes e legisladores nos últimos anos por negar reivindicações ou complicar o acesso ao atendimento.

Os críticos dizem que as seguradoras estão interferindo cada vez mais até mesmo nos cuidados de rotina, causando atrasos que podem, em alguns casos, prejudicar as chances de recuperação ou até mesmo de sobrevivência do paciente. (https://apnews.com/article/unitedhealthcare-ceo-shooting-delay-deny-defend-depose 05/12/2024).

Quem é Brian Thompson?

 O CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson, era um dos vários executivos seniores da empresa sob investigação pelo Departamento de Justiça(DOJ) quando foi morto a tiros do lado de fora de um hotel em Manhattan na quarta-feira(04/12).

Brian Thompson exerceu opções de ações e vendeu ações no valor de US$ 15,1 milhões em 16 de fevereiro, menos de duas semanas antes das notícias da investigação antitruste federal se tornarem públicas, de acordo com uma reportagem do Crain's New York Business de abril.

O mercado reagiu e o preço das ações caiu drasticamente após a revelação de que o DOJ estava investigando se a empresa havia feito aquisições que consolidaram sua posição de mercado, violando as leis antitruste, disse uma fonte familiarizada com a investigação ao veículo.(https://nypost.com/2024/12/04/us-news/slain-unitedhealth-ceo-brian-thompson-was-facing-doj-probe-for-insider-trading-report/

Isto posto, buscando na experiência policial e vivência acadêmica, não é difícil, ao menos imaginar que o autor do crime, possivelmente tenha uma relação frustrada direta ou indireta com seguradora de saúde comandada pelo CEO trucidado.

De fato, este trinômioAtrasar, negar, defenderé usado como estratagema para desestimular os segurados que demandem contra seguradoras de várias matizesnão só nos EUA, mas em todo o mundo ocidentalClaramente, esse artificio viola as regras para lidar com reivindicações que são reconhecidas por todas as empresas, ensinadas aos ajustadores e incorporadas na lei. Dentro da vasta burocracia das companhias de seguros, os atuários avaliam os riscos, os subscritores precificam as apólices e avaliam os possíveis segurados, e os agentes comercializam as apólices. O único trabalho do departamento de reivindicações é pagar o que é devido, nem mais, nem menos. Um texto clássico usado para treinar ajustadores, The Claims Environment, de James Markham, afirma o princípio: "A função essencial de um departamento de reivindicações é cumprir a promessa da companhia de seguros, conforme estabelecido na apólice de seguro.  A função de reivindicação deve garantir a entrega rápida, justa e eficiente dessa promessa," lembra Feinman na obra citada.

Desde os anos 90, muitas grandes companhias de seguros reconsideraram esse entendimento do processo de reivindicações. O insight era simples. A maior despesa de uma companhia de seguros é o que ela paga em reivindicações. Se ela paga menos em reivindicações, ela mantém mais em lucros. Assim, o departamento de reivindicações se tornou um centro de lucro em vez do lugar que cumpria a promessa da empresa.

Feinman observou que maior passo nessa transformaçãoocorreu quando a Allstate e outras empresas contrataram a megaempresa de consultoria McKinsey & Company para desenvolver novas estratégias para lidar com reivindicações. A McKinsey via as reivindicações como um "jogo de soma zero", com o segurado e a empresa competindo pelos mesmos dólares. Cada reivindicação não seria mais tratada por seus méritos. Em vez disso, sistemas de computador seriam colocados em prática para definir os valores que seriam oferecidos aos segurados, os reclamantes seriam dissuadidos de contratar advogados para ajudar com suas reivindicações e os acordos seriam oferecidos em uma base de aceitar ou litigar. Se a Allstate mudasse de "Boas Mãos" para "Luvas de Boxe", como a McKinsey descreveu, os segurados aceitariam uma oferta baixa das pessoas de boas mãos ou enfrentariam as luvas de boxe de um litígio prolongado.

Seria o esquema do delay, deny, defend muito praticado? Com ​​que frequência o seguro não funciona? Há duas respostas: muito difundido e bastante frequente, e pior,bem a sorrelfa, malandramente.

À medida que as novas estratégias de reivindicação foram implementadas, houve um número crescente de casos em que as empresas atrasaram o pagamento, negaram reivindicações válidas e defenderam litígios desnecessariamente. Pequenos acidentes automobilísticos se tornaram a fonte de grandes litígios, pois as empresas negam rotineira e sistematicamente as reivindicações. Os proprietários não podem mais ter certeza de receber o suficiente de suas seguradoras para reconstruir suas casas e suas vidas. Quando desastres em massa acontecem, as coisas pioram ainda mais. Depois que o furacão Katrinaatingiu em 2005, os segurados que acreditavam que foram tratados injustamente por suas seguradoras reclamaram ao Departamento de Seguros da Louisiana à taxa de vinte mil por mês durante os primeiros seis meses após a tempestade. Milhares de segurados processaram suas seguradoras; mais de 6.600 processos foram abertos no tribunal federal apenas em Nova Orleans, e muitos casos ainda estão pendentes.

Mas, ardil do delay, deny, defend não é restrito a seguros de automóveis e proprietários de imóveis. Todas as seguradoras têm um incentivo para dobrar seus clientes e com isso aumentar os lucros. A Unum Group, a maior vendedora de seguros de invalidez e cuidados de longo prazo nos Estados Unidos, fundada em1848, tornou-se famosa por não pagar o que devia a trabalhadores doentes ou feridos. Vários tribunais penalizaram a empresa por táticas inescrupulosas, argumentos legais absurdos e falta de objetividade, o que equivale a má-fé na negação de demandas. Os funcionários que foram especialmente agressivos na negação de reivindicações foram reconhecidosdescaradamente com o "Hungry Vulture Award(Prêmio Abutre Faminto) da empresa. Em um acordo com reguladores de seguros em todos os estados, a Unum foi forçada a revisar reivindicações negadas entre 1997 e 2004, e reverteu suas decisões em 42% dos casos, pagando US$ 676 milhões em benefícios adicionais. Quase todo mundo que tem seguro saúde tem uma história sobre uma negação arbitrária ou incompreensível de uma reivindicação. Em 2009, o então procurador-geral de Nova York, Andrew Cuomo, concluiu que os bancos de dados usados ​​pelas seguradoras para calcular as taxas razoáveis ​​e costumeiras que pagariam por tratamento fora da rede eram parte de um esquema para fraudar os consumidores, baixando sistematicamente as taxas. UnitedHealthcare, Aetna, Guardian e outras empresas concordaram em parar de usar os bancos de dados defeituosos e contribuir para a criação de um novo banco de dados independente. A história de atraso, negação, defesa por empresas de propriedade/acidentes é parte do fracasso do seguro como um todo. Veja aqui que a UnitedHealthcare, uma das empresas useiras e vezeiras em práticas nocivas ao direito do consumidor mencionadas, é justamente a empresa presidida pelo CEO Brian Thompson, assassinado dia 04/12/2024.

Por outro lado, muito pouco se sabe do quão difundido é o atraso, a negação e a defesa, porque parte dessa história é a falha dos reguladores estaduais de seguros em policiar a conduta das seguradoras. O seguro é o setor mais fortemente regulamentado nos Estados Unidos. Cada estado tem um comissário de seguros que licencia empresas e agentes, define padrões financeiros, exige relatórios regulares e examina as operações das empresas. A maior parte do esforço regulatório é dedicada a garantir que as seguradoras tenham os recursos para honrar sua promessa de pagar as reivindicações, e esse esforço funciona bem; quando a gigante dos seguros AIG entrou em colapso em setembro de 2008, sua divisão de produtos financeiros estava em frangalhos, mas os reguladores relataram que suas subsidiárias de seguros de propriedade/acidentes eram sólidas. Garantir que as empresas realmente honrem sua promessa recebeu muito menos atenção. Os comissários de seguros geralmente nem mesmo coletam, analisam e publicam números abrangentes sobre o pagamento e a negação de reivindicações. (Feinman: 2010).

No Brasil, os consumidores também não sabem o quão difundido o mantra golpista do atraso, da negação e da defesa repercute nas pessoas jurídicas e físicas. ASuperintendência de Seguros Privados (SUSEP) órgão do Ministério da Fazenda que fiscaliza as seguradorasnão atende plenamente aos consumidores. Inclusive, pouco se sabe quanto ao controle fiel e justo dessas artimanhas das seguradoras contra o consumidor.

Fico pensando, se moda gringa, de matar executivos que não são justos no atendimento das demandas da clientelachegar por aqui, teremos verdadeiras crônicas escritas a balas em nossas calçadas.

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