No intrincado labirinto do sistema carcerário do Rio de Janeiro, a introdução de celulares transcende a mera transgressão, configurando-se como um microcosmo da dinâmica social e econômica que permeia as prisões. Sob a ótica da criminologia crítica, o aumento alarmante de apreensões de celulares, saltando de 7.541 em 2023 para 9.544 em 2024, revela não apenas a falha do sistema em coibir o ilícito, mas também a resiliência de uma economia paralela que floresce nas sombras da ilegalidade.
A sociologia da prisão nos convida a analisar esse fenômeno sob a perspectiva da adaptação e da resistência. Em um ambiente onde a comunicação com o mundo exterior é severamente restrita, o celular torna-se um símbolo de poder e autonomia, uma ferramenta para a manutenção de laços sociais e, inegavelmente, um instrumento para a perpetuação de atividades criminosas. A facilidade com que os aparelhos circulam, com uma média de um celular para cada 2,7 internos, sugere uma rede complexa de corrupção e conivência, onde agentes do Estado e facções criminosas se entrelaçam em um jogo de interesses obscuros.
Com efeito, a quantidade de celulares apreendidos nas entradas e nos interiores dos presídios fluminenses aumentou de 2023 para 2024: de 7.541 para 9.544 aparelhos. Desde o início deste ano, já foram 700 celulares flagrados nas unidades da Seap - Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Amiúde, desde 2023 um total de 17.785 celulares foram localizados em prisões, nas quais existem atualmente, em torno de 46 mil presos, o que significa em média, um por 2,7 internos.(https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/03/16/presidiosdo-rio-vao-ter-novo-sistema-de-bloqueadores-de-celular-wi-fi-e-drones-paratentar-frear-entrada-de-aparelhos-em-unidades.ghtm).
A despeito de tantas apreensões e da manifestação do Governo Estadual quanto a abrir uma Licitação para aquisição modernos bloqueadores de comunicação entre telefones móveis, a antropóloga Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), defende que o custo-benefício não justifica implantar novos bloqueadores nas unidades prisionais:
“A cobertura dos bloqueadores é limitada. Quando você termina de implantar, já envelhecem. Toda hora o sinal de internet muda. Muita gente vai ficar feliz ganhando dinheiro com esses brinquedos, mas eles são insuficientes. — argumenta.— Os bloqueios não funcionam. Eles criam zonas cinzentas, que comprometem inclusive o entorno da cadeia. Não é só o preso que não vai falar pelo celular. Também não vai falar as pessoas que moram na área e o gestor da cadeia. E se tiver uma rebelião?” (O Globo, idem)
Segundo ainda a antropóloga , a solução passa por melhoria de gestão e de controle e por inteligência penitenciária. Do contrário, os chamados chefes dos escritórios do crime continuarão tendo conexão para fora, seja com o uso de celulares privilegiados, seja com os “pombos correios” que entram e saem dos presídios.(O Globo, ibidem).
As falhas do sistema prisional brasileiro na repressão a introdução dos celulares
A disponibilidade de dados específicos sobre condenações e cumprimento de penas relacionadas à introdução clandestina de celulares em presídios brasileiros entre 2022 e 2024 é limitada, principalmente devido a três fatores:
1. Fragilidade na sistematização de dados: O Brasil não possui um sistema nacional unificado e atualizado em tempo real para crimes específicos.
2. Morosidade judicial: Muitos casos ainda estão em andamento, especialmente os de 2023 e 2024.
3. Subnotificação: Nem todos os flagrantes resultam em processos formais, e acordos de delação premiada podem alterar estatísticas.
Dados Disponíveis (Atualização até junho/2024):
1. Flagrantes e Inquéritos (2022-2023): Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2022, houve 2.500 flagrantes por crimes relacionados a contrabando em presídios (incluindo celulares). Em 2023, estimativas apontam 3.000 flagrantes, com aumento em estados como Rio de Janeiro e São Paulo.
2. Taxa de condenação (Dados parciais): Apenas 8-15% dos casos de introdução clandestina de telefones móveis em presídios resultam em condenação efetiva, segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Motivos para a baixa condenação: Falta de provas concretas (muitos casos dependem de testemunhas vinculadas ao crime organizado). Acordos de delação premiada (reduzem a pena ou extinguem o processo).
Presos reincidentes muitas vezes já cumprem penas por outros crimes, dificultando a contabilização específica.
3. Cumprimento de Penas: Menos de 5% dos condenados cumprem pena integralmente em regime fechado. A maioria recebe penas alternativas (como prestação de serviços) ou é liberada por progressão de regime.
Exemplo Prático (Rio de Janeiro): Em 2023, a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP/RJ) registrou 420 flagrantes pelo ingresso clandestino de celulares.
Destes, apenas 35 casos (8%) resultaram em condenações até março/2024.
Apenas 2 presos foram mantidos em regime fechado após condenação definitiva.
Comparação com outros crimes: Crimes de contrabando em presídios têm taxas de condenação inferiores a homicídios ou tráfico de drogas, devido à dificuldade de coleta de provas e à priorização judicial de casos mais graves.
Conclusão:
No Brasil, a pena para introduzir celulares em presídios é severa (2-8 anos), especialmente se vinculada ao crime organizado. Em outros países, as penas variam de 1 ano (Japão), nos EUA vai de 1 a 5 anos e, no México a máxima é 12 anos.
Por sua vez, em que pese, o número de flagrantes tenha aumentado (especialmente após operações como a "Operação Choque de Ordem", no caso do Rio de Janeiro, menos de 10% dos casos resultam em condenações efetivas, e uma fração mínima cumpre pena integral. Isso reforça a percepção de que, no Brasil, o risco de punição real pelo ingresso ilegal de celulares em presídios é relativamente baixo, o que incentiva a continuidade dessas práticas.
A alta taxa de apreensões, com 700 celulares flagrados apenas no início de 2024, ironicamente, pode ser interpretada como um indicador da eficiência do sistema em detectar o problema, mas não necessariamente em resolvê-lo. Afinal, a cada celular confiscado, quantos outros escapam da vigilância? E quantos desses aparelhos são utilizados para orquestrar crimes que extrapolam os muros da prisão, alimentando um ciclo vicioso de violência e ilegalidade? A pergunta que ecoa nos corredores não apenas na Seap, mas em todo sistema prisional brasileiro é: até quando a tecnologia, que deveria ser um instrumento de progresso social, continuará a ser cooptada pelo crime, transformando as prisões em centros de comando do submundo? Resta-nos observar se a próxima inovação tecnológica trará consigo uma solução ou apenas um novo capítulo nessa saga de luta contra a criminalidade moderna. Afinal, o Poder Público precisa mostrar aos celerados que se arriscam também nessa forma de ilícito, que o crime não compensa.
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