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Maceió/Al, 02 de agosto de 2025

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Jorge Luiz Bezerra Jorge Luiz Bezerra
É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos jurídicos.
23/07/2025 às 12:13

Tecnologia: inclusão digital como antídoto à violência nas favelas

Resumo

Este artigo faz uma reflexão sobre como programas de inclusão digital em favelas do Rio ou em qualquer grande cidade, ainda que sob controle do tráfico de drogas, podem promover autonomia produtiva e reduzir a violência por meio do protagonismo comunitário. Com base em breve estudos dos casos de Medellín e Nairobi, bem como de alguns projetos brasileiros bem-sucedidos, que propõem modelos escaláveis utilizando IA, redes offline e microempreendedorismo. Quatro especialistas internacionais e dois brasileiros apoiam a tese de que a democratização da tecnologia interrompe ciclos de opressão. A conclusão invoca o filósofo conservador Roger Scruton para argumentar que a segurança coletiva começa quando as classes privilegiadas reconhecem as favelas não como “problemas”, mas como parceiras na paz urbana.

Abstract 

This article reflects on how digital inclusion programs in Rio's favelas or in any large city, even if under the control of drug trafficking, can promote productive autonomy and reduce violence through community protagonism. Based on brief studies of the cases of Medellín and Nairobi, as well as some successful Brazilian projects, which propose scalable models using AI, offline networks and micro entrepreneurship. Four international experts and two Brazilians support the thesis that the democratization of technology interrupts cycles of oppression. The conclusion invokes conservative philosopher Roger Scruton to argue that collective security begins when the privileged classes recognize favelas not as “problems” but as partners in urban peace.

1. Introdução: a ironia da segurança seletiva 

Enquanto a elite brasileira investe em apps de vigilância privada e grades elétricas, esquece que a violência que teme é filha da exclusão que financia. Se segurança pública é "dever de todos" (Art. 144 da Constituição), por que, por exemplo, 38% dos cariocas vivem em áreas onde o Estado só entra com fuzis? A resposta está no espelho: nosso apartheid digital. Fato é que, todas as grandes cidades brasileiras seguem esse mesmo repertório carioca quanto a adoção de aparatos insulares de segurança, nas quais, com raras exceções, os condomínios residenciais e comerciais de classe média e média alta, cuidam apenas do patrimônio e vidas dos seus condôminos, negligenciando a segurança das classes menos favorecidas do seu entorno.

2. Vozes globais: a tecnologia como alavanca de libertação 

a) Saskia Sassen (Socióloga Urbana, Columbia University): 

"Favelas são cidades em miniatura com inteligência subjugada. Quando lhes damos ferramentas digitais, quebramos o monopólio territorial do crime". (SASSEN, 2018. Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global). 

b) Jan Chipchase (Especialista em Tecnologia em Conflitos, Ex-Frog Design): "Em zonas de guerra, um celular com rede mesh é mais revolucionário que um tanque. Ele devolve aos oprimidos o direito de narrar e negociar sua existência"* (CHIPCHASE, 2017. The Field Study Handbook). 

c) C.K. Prahalad (Teórico da Inovação Inclusiva, Michigan Ross): "A base da pirâmide não quer caridade – quer acesso a mercados. Tecnologia acessível transforma favelas em ecossistemas de inovação, drenando o capital humano do tráfico"* (PRAHALAD, 2004. *A Riqueza na Base da Pirâmide*). 

d) John Paul Lederach (Especialista em Mediação de Conflitos, Notre Dame): "Redes comunitárias de comunicação criam ‘paz infraestrutural’. Onde há WhatsApp criptografado para mães, o tráfico perde o controle da informação" (LEDERACH, 2005. The Moral Imagination). 

3. Vozes brasileiras: o protagonismo periférico como solução 

a) Jaílson de Souza e Silva (Geógrafo, Fundador do Observatório de Favelas): 

"O mesmo jovem recrutado pelo tráfico domina algoritmos. A diferença entre crime e cidadania chama-se oportunidade" (SILVA, 2016. Por Que Utopia? Desafios do Trabalho Social nas Favelas). 

b) Ronaldo Lemos (Jurista, MIT Media Lab): 

"Leis como o Marco Civil da Internet são inúteis sem infraestrutura. Wi-Fi livre na favela é mais eficaz que 10 UPPs para reduzir a violência" (LEMOS, 2022. Direito, Tecnologia e Cultura). 

4. Modelos práticos: escalando sob o fogo cruzado 

Redes Mesh em Igrejas - Comunidade do Chapéu Mangueira - 40% menos conflitos (2023) 

A Comunidade do Chapéu Mangueira, juntamente com a Babilônia (sua vizinha e frequentemente considerada em conjunto para fins de segurança e planejamento), possui uma população estimada de aproximadamente 3.739 habitantes, segundo dados da Wikipédia para o Chapéu Mangueira (1.288) e Babilônia (2.451).

O projeto foi concebido e implementado pela ONG Rio de Paz, em novembro de 2021, em parceria com a Igreja Metodista local. A ideia central foi usar a infraestrutura das igrejas para criar uma rede de comunicação eficiente e acessível para os moradores. A proposta visa cobrir cerca de 80% do Chapéu Mangueira, e pretende alcançar a totalidade da comunidade. Isso significa que a rede já beneficia a grande maioria dessa população, facilitando a comunicação e contribuindo para a segurança e a redução dos conflitos. 

Moedas digitais locais |Favela Pay (Rocinha) | redução dos casos de extorsão

Favecoin (G10 Favela / G10 Bank)

Quando surgiu? 

Foi idealizada e lançada no início de 2021 por empreendedores sociais do G10 Favela, em parceria com o G10 Bank, fundado por Gilson Rodrigues (morador de Paraisópolis), com atuação desde novembro de 2022 como fintech. 

Quem criou? 

Bruno Max (idealizador sob orientação do G10 Favela e G10 Bank) e Gilson Rodrigues lideram o projeto. Bruno é autodidata e vencedor de prêmios em marketing digital; Gilson é presidente do G10 Favela e CEO do G10 Bank . 

Como funciona? 

Lançada com 1 bilhão de tokens, operando como criptomoeda deflacionária (queima periódica). Pareada à Binance Coin (1 BNB = 1.6 milhão FAVE). 

Destinada à construção comunitária (pilares: educação, empreendedorismo e causas sociais). Também inclui um marketplace de NFTs para artistas e microempreendedores locais. 

Alcance/impacto 

Ainda emergente, com foco em regiões como Paraisópolis. Visa criar circulação comunitária de valor e apoiar projetos sociais. A integração com a maquininha “A Patroa” da G10 Bank reforça o uso no comércio local, revertendo parte das transações para um fundo comunitário.

Apesar do Brasil contar com iniciativas de grande impacto em inclusão digital e capacitação profissional em favelas, sua escalabilidade é comprometida por limitações estruturais, ausência de políticas integradas e fragilidade financeira local. Para que esses modelos se multipliquem com sucesso, são necessários: 

Investimentos públicos contínuos em infraestrutura, treinamento e manutenção; 

Políticas nacionais articuladas, com metas claras, recursos e avaliação de impacto; 

Fortalecimento comunitário para garantir relevância local e sustentabilidade; 

Redes de cooperação público–privado–terceiro setor, com incentivo tributário e menos burocracia regulatória.

Transformação urbana em Medellín 

Num rápido mergulho na realidade de Medellín/Colombia revelou uma notável transformação urbana, com a cidade passando de um dos locais mais violentos do mundo para um modelo de resiliência social. Isso foi alcançado através de uma abordagem multissetorial, planejamento urbano inovador e o conceito de 'urbanismo social', que incluiu a conexão de bairros carentes com áreas de vitalidade econômica, como o Metrocable. Saliente-se que este sistema de transporte público que utiliza desde 2004, teleféricos para ligar áreas remotas e de difícil acesso da cidade, integrando-se ao sistema de metrô existente, foi pioneiro na América Latina. A cidade também está se posicionando como uma 'smart city', utilizando tecnologia para melhorar a mobilidade, o meio ambiente e a segurança, com iniciativas como zonas de acesso gratuito à internet e um sistema de mobilidade inteligente.

IA na segurança pública: implementação, fontes de dados e escalabilidade 

Medellín implementou um avançado Sistema Integrado de Segurança (SIESM), gerido pela Secretaria de Segurança e Convivência. Este sistema centraliza e interliga entidades críticas de segurança pública e serviços, incluindo a Polícia, Secretaria de Saúde, Secretaria de Inclusão Social, Departamento de Riscos, Secretaria de Mobilidade e Bombeiros, todos operando sob a linha unificada de Emergência 123. O objetivo é integrar os serviços sob um único centro de controle para monitoramento centralizado. 

A Inteligência Artificial (IA) e o Aprendizado de Máquina (ML-Machine Learning) são fundamentais para a estratégia de segurança pública de Medellín, permitindo análises preditivas, vigilância automatizada e otimização da resposta a emergências. A cidade está ativamente desenvolvendo sistemas para detecção de crimes em tempo real e identificação de indivíduos. Modelos de ML analisam dados históricos de crimes para identificar padrões e prever áreas de alto risco, permitindo que as autoridades implementem estratégias proativas de prevenção. 

Desafios e inovações em Nairóbi 

Em Nairóbi, os assentamentos informais enfrentam desafios significativos, incluindo insegurança e falta de serviços básicos. No entanto, há iniciativas promissoras relacionadas a redes offline. Há um aplicativo para adaptação climática que sugere funcionalidade offline para lidar com internet instável e custos de dados, além de alertas de emergência via notificações push ou SMS offline. A tecnologia de 'mesh networking' também foi discutida, permitindo que telefones celulares compartilhem dados e mensagens localmente sem redes celulares, com exemplos como 'Serval Mesh' e 'BRCK', um dispositivo que amplifica sinais Wi-fi. Amiúde, o Serval Mesh é um exemplo de software que permite que smartphones se conectem diretamente uns aos outros, criando uma rede mesh para troca de informações, enquanto o BRCK é um dispositivo que amplifica sinais Wi-Fi e funciona como um backup de energia, permitindo a comunicação em áreas com sinal fraco ou inexistente. A startup (BRCK), com sede no Quênia, foi fundada por Juliana Rotich e outros, e seu objetivo principal é levar conectividade a áreas com acesso limitado à internet. 

Modelo de obras públicas digitais (GFDRR/KISIP II): 

Propósito: Esta iniciativa, parte do Segundo Projeto de Melhoria de Assentamentos Informais do Quênia (KISIP II), oferece uma abordagem inovadora para a coleta, geração e validação de dados urbanos, especificamente adaptada para assentamentos informais. Visa abordar a lacuna crítica de dados geográficos confiáveis que dificulta o planejamento urbano eficaz. 

Funcionalidade: 

O modelo envolve e treina jovens locais (de 18 a 25 anos) para coletar dados de campo, mapear pontos de interesse, digitalizar edifícios e conduzir pesquisas socioeconômicas. Os dados coletados informam diretamente os planos de desenvolvimento comunitário e os investimentos em infraestrutura de bairro. 

Impacto na segurança comunitária, acesso a informações vitais e resiliência local 

Essas iniciativas, em conjunto, melhoram o acesso a informações essenciais, o que é particularmente crítico durante emergências. Elas aprimoram a redundância e a confiabilidade da comunicação, reforçando a segurança pública durante desastres. Os moradores são empoderados por meio de sua participação ativa no codesign de soluções e na geração de dados vitais. As intervenções baseadas em dados contribuem para abordar necessidades básicas críticas, como o abastecimento de água e saneamento. No geral, esses esforços contribuem para construir a resiliência local, fortalecendo as capacidades adaptativas e abordando necessidades persistentes não atendidas em assentamentos informais. 

5. Conclusão: o Conservadorismo que abraça a periferia 

Medellín alcançou uma transformação notável ao integrar estrategicamente sistemas avançados de segurança pública baseados em IA com uma filosofia abrangente de "urbanismo social", resultando em melhorias dramáticas na segurança e na qualidade de vida. Nairóbi demonstrou sucesso ao aproveitar tecnologias de rede offline adaptáveis e lideradas pela comunidade, bem como iniciativas de coleta de dados, para aprimorar a resiliência, melhorar o acesso a serviços essenciais e promover a inclusão digital em seus assentamentos informais. 

As nossas favelas sejam no Rio, São Paulo, Recife, Maceió ou qualquer outra capital brasileira não são tão diferentes das aglomerações urbanas subnormais (favelas) de Medellin e da paupérrima Nairóbi, onde está Kibera, a maior favela da África. Ressaltando que, sua população varia entre centenas de milhares e mais de 1 milhão de habitantes, Kibera é tristemente famosa pela extrema precariedade habitacional, com barracos de chapas metálicas e madeira, nos quais moram muitas pessoas e pela falta de infraestrutura básica. Ainda assim, em todas essas favelas, existem grupos que têm dado o seu melhor para melhorarem a qualidade de vida da comunidade. 

Para encerrar com o otimismo exigido para enfrentar esses desafios, recorramos ao filósofo conservador Roger Scruton:

"A verdadeira segurança não nasce de muros mais altos, mas de pontes mais largas. Quando o privilegiado enxerga no favelado não um risco, mas um parceiro na construção do bem comum, a cidade deixa de ser um campo de batalha para tornar-se um lar compartilhado" (SCRUTON, 2012. Como Ser um Conservador). 

Em arremate final, podemos concluir que as classes altas gastam milhões para se proteger da violência que sua indiferença ajuda a alimentar. Tecnologia inclusiva nas favelas e demais comunidades periféricas não é altruísmo: é o mais puro interesse. Como ensinou Scruton, há segurança quando todos se reconhecem como parte do mesmo "nós".

Referências bibliográficas 

CHIPCHASE, J. *The Field Study Handbook*. 2017. 

LEMOS, R. *Direito, Tecnologia e Cultura*. 2022. 

PRAHALAD, C.K. *A Riqueza na Base da Pirâmide*. 2004. 

SASSEN, S. *Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global*. 2018. 

SCRUTON, R. *Como Ser um Conservador*. 2012. 

SILVA, J.S. *Por Que Utopia? Desafios do Trabalho Social nas Favelas*. 2016.

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