Resumo
Este artigo examina a política pública e o contexto legal do uso da buprenorfina no tratamento da dependência de opioides- especialmente do fentanil - nos Estados Unidos. Aborda o funcionamento do tratamento, os requisitos médicos e as fontes de financiamento. Detalha as exigências legais federais e estaduais, com foco na flexibilização pós-pandemia. Analisa a produção e os efeitos do fentanil, o principal opioide ilícito, e discute as políticas federais de combate ao tráfico, incluindo as relações com México e Canadá. O estudo também apresenta a visão de renomados autores norte-americanos e brasileiros sobre a buprenorfina e conclui com uma reflexão otimista sobre o futuro do tratamento.
Abstract
This article examines the public policy and legal context for the use of
buprenorphine in the treatment of opioid addiction – especially fentanyl – in the
United States. It covers how the treatment works, the medical requirements and
funding sources. Details federal and state legal requirements, with a focus on postpandemic flexibility. Analyzes the production and effects of fentanyl, the main illicit
opioid, and discusses federal anti-trafficking policies, including relations with
Mexico and Canada. The study also presents the vision of renowned North American
and Brazilian authors on buprenorphine and concludes with an optimistic reflection
on the future of the treatment.
1. O tráfico de Fentanil nas fronteiras do EUA
A crise dos opioides nos Estados Unidos, especialmente impulsionada pelo
fentanil, é uma das emergências de saúde pública mais urgentes da atualidade. Na
segunda presidência de Donald Trump, foi adotada uma política tarifária rigorosa
sobre Canada e México, com a justificativa de conter o tráfico transfronteiriço.
A verdade dos números revela que o Canadá respondia por menos de 1% das apreensões de fentanil na fronteira — cerca de 43 libras no ano fiscal de 2024 (em contraste com aproximadamente 21.100 libras pelo México). Nos primeiros quatro meses do mesmo ano fiscal, esse volume caiu para apenas 10 libras vindas do Canadá, enquanto o México registrou 4.409 libras — mantida a proporção de 0,2 % costas Norte/Sul.
Mesmo diante desse contexto, as tarifas surtiram efeito: o Canadá lançou um robusto plano de fronteira ainda em dezembro de 2024 — com investimento de US$ 1,3 bilhão, nomeação de um “czar do fentanil” e colaboração intensa com os EUA. Isso levou à redução de 97% nas apreensões, caindo para 0,03 libras interceptadas em janeiro de 2025.
Essa evolução sugere que o endurecimento tarifário gerou pressão diplomática e operacional concreta, promovendo ações efetivas de repressão ao fentanil nos países vizinhos e fortalecendo a argumentação de que o comércio e a segurança devem caminhar juntos em estratégias multidimensionais de controle.
Buprenorfina: um agonista parcial semissintético
A buprenorfina é um opioide semissintético, o que significa que sua produção envolve a alteração parcial de um componente natural, a tebaína, que é um alcaloide derivado da papoula (Papaver somniferum). Diferentemente da morfina, que é extraída diretamente da papoula, a buprenorfina é sintetizada em laboratório a partir da tebaína. É um agonista parcial dos receptores opioides mu, o que lhe confere um "efeito teto" (atinge um platô de efeito mesmo com doses crescentes), reduzindo o risco de depressão respiratória fatal em comparação com agonistas completos como o fentanil.
Fentanil: um agonista sintético potente
O fentanil é um opioide totalmente sintético, o que significa que é produzido inteiramente em laboratório, sem a necessidade de precursores derivados de plantas como a papoula. Sua síntese envolve reações químicas complexas a partir de precursores químicos. Essa característica o torna particularmente perigoso, pois pode ser produzido em larga escala e com alta pureza em laboratórios clandestinos, sem depender de cultivos agrícolas. O fentanil é 50 a 100 vezes mais potente que a morfina, e mesmo pequenas quantidades podem ser letais.
2. Efeitos da buprenorfina em dependentes de Fentanil A buprenorfina é um componente crucial do Tratamento Assistido por Medicamentos (MAT) para a dependência de opioides, incluindo a dependência de fentanil. Seus efeitos em dependentes de fentanil são:
• Redução do craving (ânsia) e sintomas de abstinência: A buprenorfina liga-se aos receptores opioides, mas com um efeito menos intenso que o fentanil, o que ajuda a aliviar os sintomas de abstinência (como náuseas, vômitos, dores musculares, diarreia, ansiedade) e a reduzir o desejo intenso de usar a droga (craving).
• Bloqueio de efeitos de outros opioides: Devido à sua alta afinidade pelos receptores opioides, a buprenorfina pode bloquear os efeitos eufóricos de outros opioides, como o fentanil, caso o indivíduo tente usá-los durante o tratamento. Isso desencoraja o uso indevido e ajuda na adesão ao tratamento.
• Redução do risco de overdose: Ao estabilizar o sistema opioide do paciente e reduzir o uso de opioides ilícitos, a buprenorfina diminui significativamente o risco de overdose fatal.
• Melhoria da qualidade de vida: Combinada com terapia psicossocial, a buprenorfina permite que os indivíduos se estabilizem, participem de atividades diárias, trabalhem e se reconectem com suas famílias e comunidades, melhorando sua saúde geral e bem-estar.
3. Maiores produtores de fentanil e contexto nos EUA
Maiores produtores de fentanil
De acordo com a DEA (Drug Enforcement Administration) dos EUA, os principais produtores e fornecedores de fentanil e substâncias relacionadas com fentanil traficadas para os Estados Unidos são:
• China: A China é a principal fonte de precursores químicos necessários para produzir fentanil. Embora o governo chinês tenha tomado algumas medidas para controlar a exportação desses precursores, a produção e o envio continuam sendo um desafio significativo.
• México: Cartéis de drogas mexicanos, como o Cartel de Sinaloa e o Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG), importam os precursores químicos da China e sintetizam o fentanil em laboratórios clandestinos no México, traficando-o posteriormente para os EUA, principalmente através da fronteira terrestre.
Apreensões e consumo de Fentanil nos EUA
Embora dados precisos sobre o consumo por estado sejam complexos de obter, as apreensões e as taxas de overdose fornecem uma indicação das áreas mais afetadas:
• Estados com maiores apreensões de Fentanil: Os estados fronteiriços e aqueles que servem como grandes centros de distribuição tendem a ter as maiores apreensões. O Arizona é um exemplo de estado fronteiriço com grandes apreensões, como a maior apreensão de fentanil já registrada em uma carga de produtos mexicanos. A Flórida também tem reportado apreensões significativas, com quantidades capazes de matar milhões de adultos.
• Estados com maior consumo e impacto (taxas per capita): Em termos de taxas por pessoa de mortes por overdose (que refletem o consumo e o impacto da droga), os estados mais afetados incluem: o Virgínia Ocidental (WV), Delaware, Maryland, Estados da Nova Inglaterra (como New Hampshire, Massachusetts), Ohio, Pensilvânia, Nova York, Califórnia e Flórida
4. Políticas federais norte-americanas contra o tráfico de Fentanil
A política federal dos EUA contra o tráfico de fentanil é multifacetada e tem se intensificado consideravelmente devido à gravidade da crise. As principais abordagens incluem:
• Legislação Federal (21 U.S. Code § 841): As penas para o tráfico de fentanil são severas, baseadas na quantidade da droga. Por exemplo, a posse de ≥100g de fentanil pode resultar em no mínimo 5 anos de prisão.
• Lei "Kingpin Statute" (21 U.S.C. § 848): Visa desmantelar grandes redes de tráfico de drogas, prevendo prisão perpétua para líderes de organizações criminosas.
• Cooperação Internacional: Esforços diplomáticos e de aplicação da lei com países como China e México são cruciais para interromper a cadeia de suprimentos de precursores químicos e fentanil. Isso inclui o compartilhamento de inteligência e operações conjuntas.
• Tecnologia e vigilância na fronteira: Investimentos em tecnologia de detecção e aumento da fiscalização nas fronteiras para interceptar o fentanil. • Priorização do tratamento para usuários: A abordagem federal tem se deslocado de uma política de "guerra às drogas" focada apenas na criminalização para uma que prioriza o tratamento e a saúde pública para os usuários. Programas de desvio judicial (Drug Courts) oferecem reabilitação como alternativa à prisão para casos de posse para uso pessoal.
5. Autores favoráveis ao MAT (com Buprenorfina)
Autores norte-americanos
1. Dr. Nora Volkow (Diretora do NIDA): Defende o MAT como padrão-ouro baseado em evidências científicas. Suas publicações, como artigos no JAMA sobre a "Neurobiologia da Dependência", consistentemente apoiam a eficácia da buprenorfina.
2. Dr. Sarah Wakeman (Harvard Medical School): Argumenta que o MAT, incluindo a buprenorfina, reduz a mortalidade em 50% em comparação com a abstinência. Sua obra "Comparative Effectiveness of Different Treatment Pathways for Opioid Use Disorder" (NEJM, 2020) é um exemplo de sua defesa.
3. Sam Quinones (Jornalista/Pesquisador): Em "Dreamland: The True Tale of America's Opiate Epidemic" (2015), Quinones defende o MAT integrado a um forte suporte comunitário como solução para a crise.
4. Dr. Keith Humphreys (Stanford): Crítico das barreiras regulatórias à buprenorfina, Humphreys, em "Addiction: A Very Short Introduction" (Oxford, 2023), argumenta pela facilitação do acesso ao tratamento.
5. Dr. Andrew Kolodny (Brandeis University): Advoga pela ampliação do MAT no sistema prisional e na saúde pública, como discutido em "The Opioid Epidemic as a Systemic Failure of Regulation" (AJPH, 2020).
Autores brasileiros
1. Dr. Danilo Antonio Baltieri: Autor de "Diretrizes para o tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opioides no Brasil" (Revista Brasileira de Psiquiatria, 2004), Baltieri é uma referência na psiquiatria brasileira, defendendo a importância de abordagens medicamentosas como a buprenorfina.
2. Dr. Francisco I. Bastos: Pesquisador da Fiocruz, Bastos tem contribuído com estudos sobre as tendências do uso de opioides no Brasil. Em coautoria com Noa Krawczyk e M. Claire Greene, publicou "Tendências crescentes das vendas de opioides sob prescrição no Brasil contemporâneo, 2009–2015" (American Journal of Public Health, 2018), que, embora não seja exclusivamente sobre buprenorfina, aborda a dinâmica dos opioides e a necessidade de tratamentos eficazes
Conclusão
O Brasil ainda não enfrenta uma epidemia de fentanil nos moldes da crise norteamericana, mas o risco é real e crescente. Autoridades de saúde e segurança pública já identificaram sinais de alerta, como a apreensão inédita de fentanil ilícito no Espírito Santo em 2023 .
Apesar dos desafios impostos pela crise de opioides, a buprenorfina representa um farol de esperança nos EUA com reflexo no mundo. Como afirmou a Dra. Nora Volkow, diretora do NIDA, "A buprenorfina é uma das ferramentas mais eficazes que temos para combater a crise de opioides. Precisamos garantir que ela esteja disponível para todos que precisam dela." Essa visão otimista, baseada na ciência e na experiência clínica, ressalta o potencial transformador da buprenorfina quando integrada a políticas públicas robustas e acessíveis. A superação da crise de opioides nos EUA e em outras partes do mundo dependerá da capacidade de remover barreiras ao tratamento, expandir o acesso e priorizar a saúde pública sobre a criminalização, garantindo que a esperança da recuperação seja uma realidade para todos.
Referências bibliográficas
Baltieri, D. A. (2004). Diretrizes para o tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opioides no Brasil. Revista Brasileira de Psiquiatria.
Bastos, F. I.; Greene, M. C.; Krawczyk, N. (2018). Tendências crescentes das vendas de opioides sob prescrição no Brasil contemporâneo, 2009–2015. American Journal of Public Health
Humphreys, K. (2023). Addiction: A Very Short Introduction. Oxford University Press.
Kolodny, A. (2020). The Opioid Epidemic as a Systemic Failure of Regulation. American Journal of Public Health annualreviews.org.
Quinones, S. (2015). Dreamland: The True Tale of America’s Opiate Epidemic.
Volkow, N. D. (NN). Neurobiology of Addiction. JAMA e outras publicações do NIDA.
Wakeman, S. E. et al. (2020). Comparative Effectiveness of Different Treatment Pathways for Opioid Use Disorder. JAMA Network Open, 3(2): e1920622 .
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