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Maceió/Al, 15 de fevereiro de 2025

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Jorge Luiz Bezerra Jorge Luiz Bezerra
É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos jurídicos.
25/07/2019 às 20:33

O que a tragédia de Brumadinho deve ensinar à segurança urbana

Se a tragédia de Mariana/MG era para ter servido de exemplo para evitar hecatombes como a que vimos em 25/01/2019, na pacata Brumadinho, que resultou num dos maiores desastres com rejeitos de mineração do mundo, além da perda de centenas de vidas, que lições podem ser aproveitadas pelas mineradoras e autoridades brasileiras?

Construção de barragens próximas a cidades

Em 05/11/2015, a ruptura da barragem de Fundão, destruiu o povoado de Bento Rodrigues, Subdistrito de Mariana que se localizava a quase 6 km do local do infausto acontecimento.

Fixe-se que a tragédia não foi pior, quanto as mortes ( 19 pessoas), porque Paula Alves, terceirizada da Samarco, residente naquele povoado, estava com colegas de trabalho, quando teve sua atenção chamada: “ por volta das 15h30, o rádio de uma das camionetes da Samarco quando começou a enviar um chamado urgente pela faixa 4, própria para alertas máximos de segurança da empresa. Preocupado, o grupo se aproximou do veículo e ouviu o inimaginável: barragem de Fundão rompera, avisava uma voz assustada e confusa.” (https: (//piaui.folha.uol.com.br/materia/a-onda-de-mariana/). (o grifo é nosso).

 Na sequência, heroicamente, Paula pegou a motocicleta, e saiu da barragem até a cidade, alertando a população.

No caso de Brumadinho (MG) foi pior. Neste curso, vejamos o que Cristina Serra comenta:

“No caso de Brumadinho, o que me chocou num primeiro momento é a proximidade do centro administrativo e do refeitório, que ficavam à jusante da barragem. A empresa pode dizer que operava dentro de todos os padrões de segurança, mas não se coloca gente tão próxima de uma barragem, porque nenhuma é 100% segura”. (in Tragédia em Mariana: A história do maior desastre ambiental do Brasil).

A falta que fez um sistema de sirenes

“Levaria pouco mais que dez minutos para que a ponte que ela cruzara fosse arrastada pela avalanche. Com a mão enterrada na buzina, (Paula)Alves percorreu algumas ruas, aos gritos: “Foge todo mundo, a barragem rompeu!” Ao deixarem suas casas e olharem para as montanhas, os moradores avistaram uma descomunal onda de poeira e lama se deslocando celeremente em direção à vila, produzindo um som de imensas cataratas. Àquela hora da tarde, cerca de 300 pessoas estavam no povoado. Começou então uma alucinada corrida para as partes mais altas do lugar”. (https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-onda-de-mariana/).

A transcrição acima visa demonstrar quão grande é a importância de um sistema de sirenes e alarmes, pois a melhor forma que a funcionária terceirizada da VALE, achou para alardear a iminência de uma tragédia foi pressionar a buzina do veículo, insistentemente. E funcionou, dezenas de vidas foram salvas em Mariana.

Em março último, a Barragem Sul Superior, da mina Gongo Soco da Vale em Barão de Cocais entrou em alerta máximo para risco de rompimento; sirenes foram acionadas na noite da sexta-feira (22/03/2019). Esta foi a segunda vez que as sirenes foram disparadas em pouco mais de um mês, e moradores já haviam sido retirados de suas casas no dia 8 de fevereiro. Em nota, a Vale informou que a medida é preventiva e foi tomada após uma auditoria independente informar à mineradora que a barragem tem “condição crítica de estabilidade”. A orientação para a mudança do nível de alerta partiu da Agência Nacional de Mineração (ANM). De acordo com a agência, o nível 3significa "rompimento ou risco eminente de romper". (Humberto Trajano e Luciane Amaral, G1 Minas 22/03/2019).

Mais recentemente, (23/06/2019), as últimas notícias dão conta que a Vale, tomou várias medidas preventivas e corretivas para evitar uma nova tragédia, entre elas alocar 200 homens que trabalham no local. O fato é que o talude norte da Mina Gongo Soco, registrou velocidade de movimentação de 51,8 cm/dia neste domingo (23/06). O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais informou que a estrutura, acima da cava da citada mina, na Região Central de Minas Gerais, está escorregando lentamente para a cava. Com o deslizamento gradual, a Vale disse, no dia 16 de junho deste ano, que “o momento corrobora as estimativas de que o desprendimento do talude deverá ocorrer sem maiores consequências”. (Portal G1 Minas — BH- 23/06/2019). 

Por seu turno, a preocupação imediata após a tragédia de Mariana deveria ter sido rever os procedimentos de alerta em caso de rompimento. Como dito, não havia qualquer sistema de sirenes nas barragens da Samarco que romperam em 2015.

Fazendo um contraponto, na sua empresa, no seu condomínio, na sua universidade ou na organização na qual trabalha tem um sistema de sirenes e alarmes em caso de incêndios, queda de aviões, graves ameaças em geral etc.?

No caso de Mariana, os próprios moradores tiveram que alertar uns aos outros ao perceberem que uma tragédia estava prestes a ocorrer. Todavia, 19 pessoas não tiveram tempo de se salvar.

Após a sacrifício de várias vidas, aprovou-se uma lei que exige a instalação de sistemas de alerta por sirenes nas barragens. No caso de Brumadinho, elas foram instaladas nas comunidades próximas à barragem. Entretanto os moradores dizem que as sirenes não tocaram.

Plano de evacuação

Outra questão que ficou clara após a tragédia de Mariana são as graves consequências da ausência de um plano de contingência e evacuação.

A legislação já exigia a elaboração de um plano de emergência para cada barragem. Mas o da barragem de Fundão, em Mariana (MG), não continha sequer uma estratégia para alertar diretamente os moradores de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana que ficava na rota da lama.

Portaria do Departamento Nacional de Produção Mineral estabelece que cabe à empresa que administra as minas alertar e garantir rotas de evacuação para a população na região abaixo da barragem, já que não haveria tempo para uma intervenção das autoridades.

Mas, no caso de Mariana, além de não haver sistema de sirenes nas barragens e nas comunidades próximas, os moradores não foram orientados sobre rotas de evacuação em caso de desastre.

Uma das lições que ficaram dessas tragédias é a de que é imperioso um projeto eficaz de evacuação que inclua um sistema de alerta rápido aos moradores e caminhos de fuga que levem a áreas fora de perigo, além de treinamento à população para o caso de desastre.

Por sua vez, a experiência tem demonstrado que poucos são os condomínios em São Paulo, cujos moradores ou usuários de uma forma geral, são instruídos sobre rotas de fuga e áreas de segurança em caso de desastres, incêndios ou outra ameaça. Ainda que na exigência do AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros ) disponha sobre regras que deverão ser seguidas para prevenção, combate a incêndios e procedimentos padronizados que precisam ser adotados em situações de pânico, muitos síndicos ou diretores de empresas e outras entidades não obedecem as normas ( Lei Complementar nº 1257/2015 - Código Estadual de proteção contra Incêndios e Emergências etc.)

A esta altura, cabe aqui algumas indagações ao leitor: conhece a rota de fuga do condomínio onde mora ou trabalha? Qual o ponto de encontro? Você já teve algum treinamento de evacuação? Seu condomínio ou organização tem um sistema de alarme integrado com sensores e sirenes?

O que a tragédia de Brumadinho ensina a prevenção criminal?

Como sabido, o desastre é o desaparecimento de um equilíbrio estável. Esta supressão leva ao estabelecimento de um novo equilíbrio seguindo uma modificação contínua das forças que atuam no sistema. Mutatis mutandi, o crime também, a depender da gravidade, do grau de violência também desequilibra e altera a vida de uma comunidade, de uma organização.

De acordo com a EIRD-ONU (Estratégia Internacional de Redução de Desastres, da Organização das Nações Unidas) o “desastre é uma séria interrupção no funcionamento de uma comunidade ou sociedade causando uma grande quantidade de mortes, bem como perdas e impactos materiais, econômicos e ambientais que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada de fazer frente à situação mediante o uso de seus próprios recursos.” 

Pois bem, na mesma trilha das comparações com a devidas adequações, o crime, como por exemplo, os incêndios criminosos de ônibus e automóveis nas vias públicas provocam medo, interrompem o mecanismo de funcionamento de comunidades, as quais, muitas vezes se quedam inertes pela falta de capacidade de enfrentamento dos delinquentes.

É notório, que em que pesem os crimes de colarinho branco (golpes contra o erário, corrupção, megafraudes etc.) gerarem mais prejuízos à sociedade, são os delitos do cotidiano, como os contra o patrimônio, estupros e tráfico de drogas os que mais assustam a população.  Neste curso, destacam-se o roubo e o furto de bens pessoais como: bolsas, carteiras, aparelhos celulares, carros, motocicletas etc. que ocorrem em áreas de grande adensamento populacional. A prática tem comprovado que para lidar com este tipo de evento, não adianta o emprego de forças especiais portando armamento bélico etc., como aliás, muitas autoridades imaginam.

No 7º Congresso das Nações Unidas de Prevenção ao Crime (1985), em Milão, adotou-se um Plano de Ação e Diretrizes para Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, que destacou a prevenção ao crime como parte de uma política social: a relação entre desenvolvimento e criminalidade, estudos do impacto do crime sobre a sociedade, planejamento intersetorial, participação da comunidade em esforços de redução da criminalidade etc.

Com efeito, para enfrentar a criminalidade habitual é essencial o uso de estratégias de prevenção primária, entre elas, medidas que previnam o surgimento de situações favoráveis ao crime, dificultando o acesso aos alvos e reduzindo as oportunidades.

A doutrina norte-americana chama essa estratégia de criar óbices a escalada criminosa, ao ataque do delinquente a pessoa e/ou a um bem de terceiros de Target Hardening (Endurecimento do Alvo). Esta, por sua vez, compõe o conceito do Crime Prevention through Environmental Design (CPTED) ou seja da Prevenção ao Crime através do Design Ambiental, que nasceu com Jane Jacobs (1961) e Jeffery que definitivamente formatou a concepção (1971), contando com a influência também de Oscar Newman (1972).

Para Crowe (2000), CPTED baseia-se na criação do design adequado e o uso eficaz do ambiente construído que podem levar a uma redução do medo e na incidência da criminalidade e uma melhoria na qualidade de vida.

De volta a Brumadinho e Mariana, em ambas tragédias ocorreram mortes que poderiam ter sido evitadas, senão todas, mas em grande parte, se houvesse um sistema de alarme com potentes sirenes.

A fixação com a idéia do uso de sirenes não é a toa. Em toda a Escandinavia, bem como em todas cidades norte-americanas usam-se sirenes para alertar a iminência de desastres naturais ou não. No Brasil, não temos essa praxe, posto que nosso país não é suceptivel as grandes desastres naturais como as nações européias. Todavia, malgrado não termos terremotos, avalanches, furacões etc., temos também terríveis desastres como foram Brumadinho e Mariana, além de grande incêndios e deslizamentos morro abaixo nas franjas das cidades. Por seu turno, tão mortíferos quanto os exemplos do estrangeiro, em nosso país temos os maiores índices de crimes contra o patrimônio do mundo.  O que fazer?

Ora, não há dúvidas que o ladrão, o estuprador são predadores, logo, agem a sorrelfa, aguardando uma distração para atacar de surpresa o seu alvo. Pois bem, e se invertermos essa lógica nefasta e surpreendermos os predadores?

Aproveitando a lição de Dietrich Dorner, The Logic of Failure (A Lógica do Fracasso) podemos entender que para planejar algo na defesa de um sistema subjacente ( qualquer comunidade) requer coletar e analisar dados. Coletar dados demais ou muito pequenos é problemático. Se coletarmos poucos dados, tomamos decisões mal informadas. Se coletarmos muitos dados, ficaremos presos em um loop de feedback de coleta de dados.  Temos que lidar e vencer a incerteza. Quanto mais dados coletamos, mais percebemos quão pouco sabemos e mais dados queremos coletar. Um dilema socrático (Só que sei que nada sei) ou Mito de Sísifo? Há um caminho: A regra dos 70% de Jeff Bezos (dono da Amazon) é uma maneira útil de contornar essa paralisia (ou seja, tomar uma decisão quando se tem cerca de 70% da informação que acha que precisa).

Assim, entendemos que uma das formas mais eficazes para proteger vidas, bens e a comunidade como um todo, também contra os predadores, se materializa com a implantação de sistemas de alarmes com sensores ou não, em áreas vigiadas pelo videomonitoramento.

Jorge Lordello, renomado especialista em segurança urbana, também defende o uso do sistema de alarme integrado com sensores de presença e sirenes, como se segue: “É acionada pela central de alarme quando um ou mais dos sensores é acionado, ou quando o sistema for violado (tentativa de sabotagem). Normalmente usam-se sirenes eletrônicas de 120 decibéis a 1 metro de distância, existem também sirenes que reproduzem a voz humana, a sirene de polícia e o latido de um cachorro. Deve ser instalado em local de difícil acesso e que não abafe o som, de preferência, devem ser aplicados no mínimo duas sirenes em locais opostos da edificação, para que em caso de sabotagem de uma delas a outra possa dar o alarme a tempo.” (Na sua Sirene, o alarme que salva.http://tudosobreseguranca.com.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=454&Itemid=144).

Defendemos o uso de sirenes externas, inclusive o emprego das sirenes estroboscópicas, em rigor estas são frequentemente negligenciadas em favor de sistemas silenciosos de alarme. No entanto, o objetivo de um alarme é tornar conhecida uma situação de emergência. Quer melhor maneira de fazer isso do que estimular os sentidos através de uma sirene alta e um estroboscópio brilhante e piscando? Montar uma sirene e estroboscópio ao ar livre serve a vários propósitos valiosos. Em primeiro lugar, é um impedimento direto para um intruso que sabe que o imóvel ou aquela área estão protegidos e que certamente será detectado. Como barulho das sirenes não são facilmente ignoradas, a situação alertará os vizinhos, passantes, assim como qualquer pessoa dentro de casa ou da empresa, passando uma clara mensagem de perigo. O estrobo, especificamente, pode ajudar na identificação do local em perigo, especialmente em uma noite escura.

Lembram da inversão da lógica mencionada linhas atrás: as sirenes surpreendem os predadores, e como tais, normalmente fogem. Imaginem a cena: ladrão ataca uma mulher na rua, tentando subtrair a bolsa, de repente, alguma das câmeras capta, a Central de Monitoramento do condomínio, de pronto, aciona a sirene, o COPOM e, se a noite, também o estrobo. Até os lobos se assustam e fogem, diante do inusitado.

Para concluir, aproveitando o conceito do CPTED acima citado, temos que o emprego eficiente do ambiente construído (câmeras, sirenes, sensores de presença) certamente levarão à uma redução da sensação de medo e das ocorrências policiais, com uma consequente melhoria na qualidade de vida da comunidade.

Em arremate final, temos que, normalmente, a origem do desastre ou mesmo das falhas no enfrentamento ao crime está na incapacidade em fornecer conhecimento, preparação e treinamento para a comunidade sobre o que fazer em uma situação de crise, permitindo assim, que se amplie sua vulnerabilidade e, consequentemente, o impacto de desastres e outros eventos nocivos. 

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