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Maceió/Al, 15 de janeiro de 2025

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Jorge Luiz Bezerra Jorge Luiz Bezerra
É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos jurídicos.
28/12/2024 às 09:16

STF de obrigar o uso de câmeras corporais nos PMs paulistas, invade a Separação de Poderes?

Governo paulista diz que implantação das câmeras corporais será feita de forma gradual Divulgação / Governo do Estado Governo paulista diz que implantação das câmeras corporais será feita de forma gradual Divulgação / Governo do Estado

Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não possui uma Constituição”. (Montesquieu)

A decisão do ministro Luís Roberto Barroso em relação à obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares do Estado de São Paulo, duranteoperações, é no mínimo, polêmica, posto que pode ser analisada sob diversas perspectivas filosóficas e políticas, especialmente à luz de pensadores como, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Thomas Jefferson, Alexis de Tocqueville, Thomas Hobbes e Thomas Sowell.

Tripartição dos Poderes
Charles Louis Secondat, Senhor de La Brède e Barão de Montesquieu, ao formular o princípio da separação dos poderes no Espírito das Leis (1748), enfatizou que cada poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve atuar dentro de suas competências, com mecanismos de controle mútuo para evitar abusos. Nesse contexto, a decisão do ministro Barroso pode ser vista como um potencial tensionamento desse equilíbrio, uma vez que interfere diretamente em uma política pública implementada pelo Executivo estadual.

Por outro lado, o Judiciário tem o papel de zelar pela Constituição e pelos direitos fundamentais, incluindo o controle de eventuais excessos ou omissões dos outros poderes. Se a decisão judicial for interpretada como necessária para proteger direitos, ela estaria em conformidade com o papel do Judiciário segundo Montesquieu, mas se considerada uma intromissão desproporcional, poderia ser vista como uma hipertrofia do Judiciário.

Perspectiva Democrática
No Contrato Social (1762), Jean-Jacques Rousseau defendia que a vida social deve ser considerada sobre a base de um contrato em que cada contratante condiciona sua liberdade ao bem da comunidade, procurando proceder sempre de acordo com as aspirações da maioria.

Thomas Jefferson, era um iluminista, seguidor de John Locke, também foi um dos mais influentes Founding Fathers (os "Pais Fundadores" da nação), conhecido pela sua promoção dos ideais do republicanismo, notadamente quando fora o 3º Presidente dos Estados Unidos. Concebia o país como a força por trás de um grande "Império de Liberdade". É de Jefferson, o seguinte pensamento: “Considerar os juízes como os árbitros finais de todas as questões constitucionais é, de fato, uma doutrina muito perigosa e que nos colocaria sob o despotismo de uma oligarquia.”

Rousseau e Jefferson exaltam a soberania popular e o papel dos representantes eleitos na formulação de políticas públicas. Sob essa ótica, a decisão do STF pode ser criticada por enfraquecer a autonomia de um governo democraticamente eleito, desconsiderando sua proposta de gestão de segurança pública. Isso pode ser interpretado como uma lesão ao princípio da democracia representativa.

Por outro lado, Alexis-Charles-Henri Clérel, Visconde de Tocqueville em seu clássico, A democracia na América (1835) advertia sobre os riscos de "tirania da maioria" e a necessidade de instituições robustas para proteger os direitos das minorias e os princípios fundamentais. Assim, a decisão do STF poderia ser justificada como uma garantia contra políticas que possam comprometer direitos humanos ou aumentar a violência policial.

Hobbes e a Hipertrofia do Poder
Thomas Hobbes, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1642), defendia um Estado forte para garantir ordem e segurança, justificando uma concentração de poder no soberano para evitar o caos. A decisão do Min. Barroso pode ser interpretada como hobbesiana se for entendida como uma tentativa de impor uma medida de controle centralizado (pelo Judiciário) sobre a atuação do Executivo estadual, com a justificativa de garantir segurança e respeito a um dos direitos capitais que é a segurança pública. Nesta perspectiva, o judiciário assume um papel dominante para garantir a segurança e a ordem. No entanto, isso é muito problemático e controverso numa democracia que valoriza a separação de poderes e os freios e contrapesos.

Princípios de Checks and Balances (freios e contrapesos)
Os princípios do Checks and balances são basilares para evitar a concentração de poder e garantir que nenhum ramo do governo se torne dominante. A decisão do Min. Barroso pode ser vista como uma violação desses princípios, uma vez que o judiciário está impondo sua vontade sobre o executivo estadual. No entanto, também pode ser argumentado que a decisão é uma forma de garantir a responsabilidade e a transparência, elementos essenciais para uma boa administração pública.

Thomas Sowell e a Eficiência
Sowell, como sabido um dos maiores economistas e filósofos contemporâneos, norte-americano, negro e conservador, PHD em Economia pela Universidade de Chicago e professor sênior de Stanford, frequentemente discute a importância de limitar o poder do governo para proteger as liberdades individuais. O seu pensamento enfatiza a importância de avaliar políticas públicas com base em resultados práticos e na eficiência. Se a proposta do governador Tarcísio de Freitas realmente demonstrar maior eficiência em termos de custo-benefício e impacto positivo na segurança pública, a decisão do STF há de ser criticada como uma imposição ideológica ou dogmática, desconsiderando a realidade prática. A decisão do Min. Barroso pode ser vista como uma expansão do poder judiciário em detrimento do executivo, o que deve ser considerado uma hipertrofia de um poder sobre o outro. Demais disso, não custa lembrar que a segurança pública é uma atribuição dos governos estaduais.

Conclusão I:
A decisão do Min. Barroso é complexa e pode ser analisada sob diferentes perspectivas:

• Pró-Democracia e Direitos Humanos: Protege direitos fundamentais e atua como um contrapeso necessário, cumprindo normais internacionais e recomendações de organismos de direitos humanos que sugerem a adoção de tecnologias que aumentem a transparência e facilitem as responsabilizações dos agentes de segurança pública.

• Crítica à Separação de Poderes: Pode ser vista como uma interferência do Judiciário no âmbito do Executivo, violando o princípio de tripartição de poderes.

• Hobbesiano ou Tocquevilleano? Dependendo do prisma, o Min. Barroso pode ser acusado de hipertrofiar o Judiciário ou ser elogiado por proteger princípios essenciais em uma democracia pluralista.

Conclusão II:
O artigo 144 da Constituição Federal define a segurança pública como um dever do Estado (União), também como, um direito e uma responsabilidade de todos. O Governador Tarcísio de Freitas, pode está embasado na premissa de que cabem aos Estados-membros implementarem medidas para garantir a prevenção e a repressão ao crime, garantindo a ordem pública. Logo, a escolha das melhores estratégias, abordagens e modus operandi para atingir os fins colimados é da responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, subordinada ao Executivo estadual.

Numa síntese apertada, a decisão do Ministro Barroso pode ser interpretada de várias maneiras, dependendo da perspectiva teórica, das correntes políticas e filosóficas adotadas. Ela pode ser vista tanto como uma medida necessária para garantir a transparência e a responsabilidade do policial militar durante as abordagens ou operações, sendo, portanto, uma medida que visa fortalecer os direitos civis, a transparência e a responsabilidade do ente estatal mercê de condutas que atinjam os direitos do cidadão, quanto como uma interferência indevida na autonomia do Executivo estadual. Por derradeiro, como visto, a análise desse equilíbrio entre competências é complexa e reflete as tensões inerentes ao federalismo brasileiro e, principalmente a gradual tensão entre as decisões do STF e do Governo Federal em contraponto com políticos conservadores e governos oposicionistas, diante dos crescentes índices de violência que ameaçam a segurança nas ruas, mormente nas grandes cidades.

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