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Maceió/Al, 12 de março de 2025

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Jorge Luiz Bezerra Jorge Luiz Bezerra
É professor universitário, advogado, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), delegado de Polícia Federal aposentado, especialista em Política Criminal, Segurança Pública e Privada, além de autor de diversos livros e artigos jurídicos.
05/02/2025 às 20:34

De Eliot Ness ao PCC: a obsessão no combate ao Crime Organizado

Os Intocáveis - filme de 1987 Os Intocáveis - filme de 1987

Se Al Capone resolvesse dar um “Rolé” pelo século XXI, é provável que se sentisse em casa ao conhecer Marcola e o PCC. Não pela moda — afinal, terno listrado e bermuda de presidiário são estilos opostos — mas pela forma impecável como ambos transformaram o crime em um negócio organizado, quase corporativo. Entre os anos 1920 e hoje, trocou-se uísque clandestino por cocaína, extorsão de comerciantes por controle de facções. O crime evolui, mas sua cartilha de "unidos venceremos" permanece surpreendentemente atual. Quem diria que gangsters e chefes do tráfico compartilhariam mais do que uma queda por códigos de silêncio, suntuosas residências e gastar fortunas com belas mulheres?

Precedentes:

A Lei Seca nos Estados Unidos foi instituída pela 18ª Emenda à Constituição (que proibia a fabricação, venda e transporte de bebidas alcoólicas nos EUA) ratificada em 16 de janeiro de 1919, e implementada pelo Volstead Act (Lei Volstead), que entrou em vigor em 17 de janeiro de 1920, após o Congresso derrubar o veto do então presidente Woodrow Wilson.

Com efeito, o Volstead Act (Lei Volstead) foi elaborado pelo Congresso dos Estados Unidos, com autoria principal do deputado Andrew Volstead, que era presidente do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes.

Criação e Propósito

A proibição do álcool foi impulsionada por grupos religiosos e movimentos abolicionistas do álcool, como a Women's Christian Temperance Union (WCTU) e a Anti-Saloon League. O objetivo era reduzir o crime, a violência doméstica e os problemas de saúde pública causados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

O que a Lei Seca proibia?

A fabricação, venda e transporte de bebidas alcoólicas para consumo. O consumo não era diretamente ilegal, mas a distribuição foi fortemente reprimida.

Protagonistas

Eliot Ness (1903–1957) foi um agente do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e um dos principais responsáveis pela investigação e repressão ao império criminoso de Al Capone durante a Lei Seca (1920-1933). Ele ficou famoso por liderar a equipe dos "Intocáveis" (The Untouchables), um grupo de agentes incorruptíveis que enfrentou a máfia de Chicago, ajudando a desmantelar a organização de Capone. Em 1927, Ness ingressou no Bureau of Prohibition, órgão federal encarregado do cumprimento da Lei Seca, que proibia a fabricação, venda e transporte de bebidas alcoólicas.

Eliot Ness

Os Intocáveis e a Guerra contra Capone

Em 1929, foi escolhido para chefiar uma unidade especial contra Al Capone, sob ordens do Secretário do Tesouro Andrew Mellon.

Ness, selecionou pessoalmente um grupo de agentes incorruptíveis, que se tornaram conhecidos como "Os Intocáveis" devido à sua resistência a subornos.

Avançaram contra destilarias clandestinas e redes de distribuição de álcool, causando milhões de dólares em prejuízos à máfia.

Em que pese, Ness tenha enfraquecido a organização criminosa, Capone foi finalmente preso por sonegação de impostos, graças ao trabalho do agente do Tesouro Frank J. Wilson e sua equipe de contadores. Após a prisão de Capone em 1931, Ness continuou atuando no combate ao crime organizado, porém em outras cidades.

Al Capone

Alphonse Gabriel "Al" Capone (1899–1947) foi um dos mais notórios chefes do crime organizado nos Estados Unidos. De origem italiana,nascido no Brooklyn/New York, tornou-se o líder da Chicago Outfit, uma das maiores organizações criminosas da época, especialmente durante a Lei Seca (1920-1933). Trabalhou em New York para o criminoso Frankie Yale e, após um desentendimento, foi enviado para Chicago em 1919.

Al Capone

Em 1919, chegou a Chicago, entrou para a gangue de Johnny Torrio, um mafioso que comandava o jogo, prostituição e extorsão na cidade. Tornou-se o braço direito de Torrio, ajudando a expandir os negócios ilegais. Em 1925, Torrio sofreu um atentado e decidiu se aposentar, passando o controle da Chicago Outfit para Capone. A partir daí, dominou o contrabando de bebidas alcoólicas, jogos de azar e prostituição.

Corrupção e Influência:

Subornava policiais, juízes e políticos para manter suas operações ilegais. Criou uma rede de destilarias e bares clandestinos, faturando milhões de dólares.

Similitudes entre as máfias chefiadas por Capone e Marcola

Mutatis mutandis, há de fato importantes semelhanças entre o império criminoso de Al Capone e o Primeiro Comando da Capital (PCC), chefiado por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, mesmo que os contextos históricos e operacionais sejam distintos, sem esquecer que o PCC é infinitamente maior que a máfia de Capone. Entre as similitudes se destacam:

1. Poder econômico e corrupção institucional

Assim como Capone cooptava policiais, políticos, promotores e juízes para garantir impunidade, o PCC também se infiltra nas estruturas do Estado, corrompendo agentes penitenciários, policiais, advogados, vereadores, prefeitos e até servidores do Judiciário.

A facção movimenta bilhões de reais, lavando dinheiro através de empresas legais e operações financeiras sofisticadas, muito semelhante ao esquema de Capone.

2. Lavagem de dinheiro e controle de empresas

Capone utilizava lavanderias, restaurantes, casas de apostas e destilarias clandestinas para escoar seus ganhos ilícitos.

O PCC investe em postos de gasolina, empresas de ônibus, construtoras, redes de mercados e até transportadoras, além do uso de criptomoedas e laranjas  para disfarçar a origem dos lucros do narcotráfico.

3. Expansão do crime organizado

A máfia de Capone começou em Chicago, mas expandiu sua influência por várias cidades americanas, dominando o comércio ilegal de álcool.

O PCC nasceu nos presídios paulistas, mas se espalhou por quase todo o Brasil e para países vizinhos, operando no tráfico internacional de drogas, contrabando de armas e roubos milionários.

4. Violência e demonstração de poder

Capone utilizava execuções brutais e espetaculares, como o Massacre do Dia de São Valentim (1929), para eliminar rivais e manter seu domínio pelo medo.

O PCC também promove rebeliões, chacinas e ataques a forças de segurança, como os ataques de 2006 em São Paulo, onde a facção ordenou ações contra policiais e prédios públicos.

O que pode ser feito contra o PCC à luz dos Intocáveis?

A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) – que, diga-se de passagem, vem sendo muito bem conduzida pelo corajoso Secretário Guilherme Muraro Derrite - poderia se inspirar na atuação de Eliot Ness e sua equipe para montar uma força-tarefa estadual e federal com foco no desmantelamento financeiro do PCC. Dentre as ações possíveis incluiriam:

1. Ataque ao financiamento do PCC (modelo "Al Capone")

Em vez de focar apenas no tráfico de drogas e assaltos, manter e priorizar o ataque ao sistema financeiro da facção, rastreando empresas “laranjas”, contas bancárias, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

Trabalhar em conjunto com a Receita Federal, COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Polícia Federal para mapear as fontes de renda ilícitas.

2. Criação de uma unidade anticorrupção e de elite

Formar uma equipe altamente treinada e incorruptível, como os "Intocáveis", para atuar exclusivamente no combate ao crime organizado, sem interferência política.

Utilizar policiais federais, estaduais e agentes especializados em crimes financeiros, garantindo que os membros não tenham histórico de corrupção.

3. Interceptação de comunicações e inteligência avançada

Ness utilizou escutas telefônicas e informantes infiltrados para entender as operações da máfia.

O Brasil pode expandir a vigilância eletrônica sobre líderes do PCC, utilizando técnicas de cyberinteligência, monitoramento de criptomoedas e infiltração de agentes no núcleo da facção.

4. Destruição da logística da facção

A máfia de Capone dependia de rotas para o contrabando de álcool etílico, muitas vezes vindo da Jamaica (Rum); Ness destruiu destilarias clandestinas e interrompeu o fluxo financeiro.

O PCC depende do fluxo de drogas e transporte de valores; a polícia pode interceptar cargas, fechar rotas logísticas e confiscar bens usados pela facção.

5. Trabalho de imagem e pressão da opinião pública.

Eliot Ness usou a imprensa para ganhar apoio da população e expor a corrupção dos agentes que protegiam Capone.

A SSP-SP poderia utilizar transparência e mídia para mostrar as ações contra o PCC, mantendo as denúncias ao público sobre funcionários públicos envolvidos e garantindo apoio social à repressão.

A guisa de conclusão

A queda de Al Capone mostrou que a força policial isolada não basta contra uma organização criminosa sofisticada; é preciso desmantelar suas finanças, atacar sua estrutura logística e expor seus aliados dentro do sistema estatal.

Em resumo, a formação de uma joint venture entre a SSP-SP, a Polícia Federal, COAF e a Receita Federal, seguindo o modelo dos “Intocáveis” podem fortalecer significativamente a luta contra o PCC, combinando recursos, informações e expertise para desmantelar a organização criminosa de maneira mais eficaz.

No fim das contas, tanto Capone quanto Marcola descobriram — cada um à sua maneira — que montar um império sobre escombros morais é como construir castelos na areia: uma maré alta de operações policiais combinadas, delações e a incômoda teimosia da justiça pode derrubar tudo. Enquanto Capone usava lavanderias para lavar dinheiro, Marcola usa bocas de fumo e apps clandestinos; enquanto a Máfia comprava policiais, o PCC além de corromper, infiltra-se em cadeias e instituições. A diferença? Hoje, o combate ao crime deve assimilar a lição de Ness: não basta prender líderes, é preciso desmontar a máquina — seja com a obsessão de um policial do passado, seja com inteligência artificial e cooperação internacional.

Se há algo que une Chicago dos anos 1920 e as celas de São Paulo, é a ironia de que nenhum líder criminoso, por mais astuto, escapa do efeito dominó de suas próprias ambições. E assim, entre um capanga ou assecla preso e um contador com crise de consciência, fica a lição: até no submundo, o trabalho em equipe é vital... principalmente para derrubar quem acha que está acima da lei.

(P.S.: Se algum aspirante a gângster ler isso, fica a dica: invista em criptomoedas anônimas. Ou em plantar melancias. A segunda opção é menos estressante.)

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