OPINIÃO E INFORMAÇÃO Facebook Twitter
Maceió/Al, 26 de abril de 2024

Colunistas

Valderi Melo Valderi Melo
É jornalista profissional formado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) desde 1994. Há mais de 20 anos escreve sobre a política alagoana.
06/12/2016 às 23:02

Afastamento de Renan é ativismo do STF, critica jurista

Decisão do ministro Marco Aurélio Mello é contestada por juristas de renome Decisão do ministro Marco Aurélio Mello é contestada por juristas de renome

A decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello de afastar o senador Renan Calheiros, da presidência do Senado, foi criticada por alguns dos mais importantes juristas do País. Um deles, o gaúcho Lenio Luiz Streck, em artigo publicado nesta terça (6), afirma que a liminar do ministro afastando Renan da presidência do Senado é a expressão máxima do ativismo do STF. “A Constituição é o remédio contra maiorias”, lembra o jurista ao contestar a decisão.

Leia o que esceve Lenio Luiz Streck

“A decisão do ministro Marco Aurélio, afastando da Presidência do Senado, o senador Renan Calheiros, mostrou-se um perigoso equívoco. Não há previsão constitucional para esse afastamento. Estamos indo longe demais. O Supremo Tribunal Federal não é o superego da nação, para usar uma frase da jurista Ingeborg Maus, ao criticar o ativismo praticado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha. 

Vou invocar uma frase famosa que eu mesmo fico repetindo e que é da autoria do ministro Marco Aurélio: os poderes da República são Legislativo, Executivo e Judiciário e não o contrário. Quando ouvi isso da boca do ministro, vibrei! Eu disse: Bingo! Só que agora o ministro fez o contrário do que havia dito.

De fato, hoje mais uma vez ficou demonstrado o extremo ativismo do STF, contra o qual eu achava que o ministro Marco Aurélio estava imunizado. Mas, não. Na decisão, o ministro fala das manifestações de rua: “O Senador continua na cadeira de presidente do Senado, ensejando manifestações de toda ordem, a comprometerem a segurança jurídica”.

Ora, a Suprema Corte não é porta voz do povo. Ao contrário: nela temos que ver a garantia contra maiorias exaltadas. A Constituição é o remédio contra maiorias. E o STF deve ser o guardião da Constituição. Quem disse que a voz das ruas tem legitimidade? Somos duzentos milhões de habitantes e menos de 400 mil foram às ruas. Isso é fundamentação? Cadê a Constituição? Aliás, no HC 126.292 o próprio ministro Marco Aurélio disse — sabiamente — que a decisão sobre a presunção da inocência não poderia ser dada ao sabor da voz das ruas. E agora, ministro?

Sou insuspeito em falar sobre isso. E não tenho simpatia pelo Renan. Sou um conservador em relação ao constitucionalismo. Já muita gente me chamou de “originalista”. Não. Não sou originalista. Sou um jurista que defende a Constituição naquilo que o constitucionalismo foi cunhado pela tradição democrática. Proteção contra injunções morais e politicas. O Supremo Tribunal Federal, desse modo, comporta-se moralmente. E Direito não é moral. A moral não corrige o Direito. Quem deve tirar o presidente do Senado é o Senado. Seria inconcebível que o Senado ou Legislativo lato sensu quisesse tirar o presidente da Suprema Corte. Onde estão as relações institucionais? No mínimo, a decisão teria que ser proferida pelo Plenário da Corte. Qual é a urgência?

De todo modo, enfrento outro argumento utilizado, o de que já havia uma maioria quando da votação de ADPF na qual um ministro pediu vista. Essa maioria justificaria o afastamento do presidente do Senado. Dois problemas: primeiro — o uso de uma decisão ainda dependente de um pedido de vista. (Em novembro, seis dos oito ministros do STF votaram a favor da ação apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade de que réus não poderão ocupar cargos na linha de sucessão presidencial, que inclui os presidentes da Câmara e do Senado. 

A sessão, no entanto, foi suspensa após pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Na ocasião, os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso não estavam presentes na sessão). Segundo: o uso da analogia do artigo 86, parágrafo 1º, I, da CF. Esse dispositivo só impede que o presidente do Senado venha a assumir a Presidência da República eventualmente, quando isso venha a acontecer. O dispositivo não impede que o Senador Renan fique na presidência do Senado. Essa interpretação é demasiado elástica.

Explico melhor: A Constituição estabelece no artigo 86 que somente o presidente da República é que deve ser afastado do cargo caso vire réu em ação penal comum perante o STF durante o exercício do cargo. No caso, o STF fez uma superinterpretação (sobreinterpretação) do texto. Por ela, todos que estiverem na linha de sucessão e que se transformem em réus também devem ser afastados. 

Ora, caso o presidente da República fosse réu antes de tomar posse como presidente, nem a ele se aplicaria o artigo 86, por ter o crime sido cometido antes do mandato. Já estaríamos fora da hipótese do artigo 86, portanto. No caso de Renan, o caso é anterior ao seu mandato atual e anterior ao mandato do atual Presidente da República. O que quero dizer é que a Constituição fala em perda de cargo no caso do presidente da República que vire réu. 

A analogia, neste caso, é construção de um novo texto. Uma emenda constitucional. O presidente do Senado somente poderia vir a ser impedido de assumir o cargo se o processo fosse decorrente deste mandato (crime cometido no exercício do seu mandato quando processado. Impedido de assumir. E não ter seu cargo de presidente cassado.

Isso pode não acabar bem. Somos duzentos milhões querendo trabalhar e progredir. Se há corrupção, devemos combate-la a partir da lei. Fazer atalhos é sempre perigoso. Uma democracia somente pode se consolidar se não for atrapalhada por uma juristocracia”.

Posição de outros juristas

O advogado Fernando Neisser diz que não pode aplaudir a decisão do STF e que a Constituição não prevê seu afastamento da presidência de um Poder por ter recebido uma ação penal. “[…] A construção feita pelo STF não faz sentido. Uma pessoa pode ser candidata a Presidente da República enquanto responde a uma ação penal. Pode até ter sido condenada em primeira instância”, afirma.

Para Neisser, é importante lembrar que a Lei da Ficha Limpa prevê ser inelegível quem foi condenado em segunda instância, “não aquele que apenas responde a um processo. Essa pessoa, se ganhar, poderá assumir a Presidência e exercer o mandato. Seu processo, anterior ao início do mandato, ficará suspenso e voltará a correr apenas depois dos quatro anos, suspendendo-se também a contagem da prescrição nesse interregno”.

Yuri Carajelescov, procurador da Assembleia Legislativa de São Paulo, diz que a tese que fundamenta o afastamento de Renan Calheiros vai “cair como luva para inviabilizar o Lula no ponto futuro, acaso Moro espane o taco”. Carajelescov considera que não se pode aplicar o comando constitucional em fatias.

“Assim, para receber a denúncia contra autoridade na linha de sucessão do Presidente da República, por essa lógica, deveria ser necessário colher a autorização de 2/3 da Câmara como é para o Presidente da República, pois não? Ou estou viajando e exigindo um excessivo ônus argumentativo de golpistas?”, argumenta.

O professor de direito Adriano Pillati comenta a estratégia que está em jogo com o afastamento de Renan. “Do ponto de vista da ‘guerrilha’ processual, Marco Aurelio fez uma jogada de mestre: no processo original, quando se estava prestes a obter maioria, Toffoli pediu vista para obstruir a decisão. Diante dessa manobra, Celso de Mello, o ‘decano’, fez questão de antecipar seu voto, formando a maioria necessária.

Mas com a votação interrompida pelo pedido de vista, a orientação já majoritária continuava sem efeito prático. Ao aplica-la ‘monocraticamente’, Marco Aurelio força a consumação da decisão pelo ‘Pleno’, pois agora, se for contra, Toffoli terá de votar para tentar derruba-la, e não conseguirá”.

Razões para tomar a decisão

Talvez o ministro Marco Aurélio Mello tenha sido tomada também motivada pelas ações do senador Renan Calheiros em relação ao Judiciário brasileiro como um todo. Renan criou uma comissão especial no Senado para investigar o pagamento de supersalários no serviço público. E onde mais se registra supersalários é justamente no Judiciário. Renan é também autor do projeto de lei (PLS 280/2016) que estabelece punições para membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Judiciário, o chamado abuso de autoridade.

Pode ser que o fato de mexer no salário exorbitantes que alguns magistrados chegam a receber, tenha desencadeado no ministro Marco Aurélio Mello o 'desejo de agir conforme o desejo das ruas' de afastar Renan da presidência do Senado. O ministro tem uma filha desembargadora do TRF da 2ª Região, que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, cargo para o qual foi indicada pela então presidente Dilma Rousseff e no qual chegou apesar de toda sua pouca experiência.

Talvez esteja aí uma das razões para levar o ministro a querer afastar Renan da presidência do Senado: o fato de mexer no bolso da própria filha-desembargadora, que pode passar a ganhar menos ao final dos trabalhos da comissão do Senado.

 




Comentários

Siga o AL1 nas redes sociais Facebook Twitter

(82) 996302401 (Redação) - Comercial: [email protected]

© 2024 Portal AL1 - Todos os direitos reservados.