Fora dos holofotes após a conturbada eleição para presidência do Senado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) deu uma mergulhada e evitou entrar em polêmicas. Passado esse período de quarentena, Renan vai aos poucos retomando seu papel de uma das principais vozes no Senado.
Essa semana, o senador quebrou o silêncio e deu uma longa entrevista a revista Época onde comentou sobre a eleição da Casa, o governo Jair Bolsanaro e outros fatos relevantes da política nacional.
Leia a entrevista na integra abaixo
RENAN CALHEIROS: 'HOJE, ESTOU NO BAIXO CLERO'
Alagoano reconhece que errou ao se candidatar à presidência do Senado e prevê que o governo Bolsonaro terá de se refundar se quiser prosperar
Amanda Almeida, Ana Clara Costa e Paulo Celso Pereira
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), de 63 anos, saiu das eleições de 2018 como um dos poucos caciques a sobreviverem à onda renovadora das urnas. Sofreu, no entanto, uma dura e inédita derrota na disputa pela presidência do Senado, que tentou ocupar pela quinta vez. A ÉPOCA, em sua primeira entrevista após a derrota na casa, o parlamentar investigado em 14 inquéritos no STF disse que, agora, faz parte do “baixo clero”, posição que, segundo ele, lhe garante mais “independência” para se posicionar em relação ao governo de Jair Bolsonaro.
Crítico dos primeiros 100 dias de governo, avaliou que o presidente não deve confundir o conceito de coalizão com “a velha política”, sob o risco de inviabilizar sua própria gestão. Conhecido como exímio antecipador de cenários — o que o levou, ao longo de sua trajetória, a abandonar aliados, como Fernando Collor e Michel Temer, em nome de sua sobrevivência política —, ele afirmou que o governo vive a “armadilha das redes sociais” e que, se quiser sobreviver, terá de recomeçar.
1. Neste início de governo, as coisas estão saindo como o senhor imaginava?
Piores do que eu imaginava. Todo governo tem uma acomodação natural, uma espécie de lua de mel. Desta vez, o noivo trocou juras de amor por uma agenda beligerante, bate-cabeça, cria crises internas e dá declarações estapafúrdias sob os olhares dos padrinhos e madrinhas. Isso, de certo modo, acentua a preocupação de todos com o que vai acontecer. Os maiores oposicionistas, hoje, são os governistas. Acho que essa pirataria tinha de ser criminalizada. Se é verdade que a reforma da Previdência naufragou, como consequência, esse governo acabou. Vai ter de começar novamente. Mas é duro você vaticinar que o governo que nem sequer começou vai ter de recomeçar.
2. A reforma da Previdência naufragou, em sua opinião?
As dificuldades políticas que são colocadas no caminho das reformas preocupam. Sobretudo pelo entendimento verbalizado pelo presidente de que já havia feito sua parte ao entregar a proposta. Isso obscurece um pouco a concepção do que, para ele, significa ser presidente da República, sentar naquela cadeira, potencializar a instituição, fazer política, cuidar das demandas legislativas.
3. Governar sem articulação política pode funcionar?
Não se trata de velha e nova política. Há política e há vazio político. Confundir articulação política, negociação, coalizão com a velha política é, antes de qualquer coisa, não compreender seus limites e o que ela pode ajudar a resolver do ponto de vista dos avanços, do crescimento econômico, da geração de emprego.
4. Setores do governo têm convocado a militância para pressionar parlamentares em favor da reforma. É uma boa estratégia?
Esse território da rede social mais prejudica do que ajuda. Ele contém uma dosagem de irracionalidade que engana, obscurece. Bolsonaro foi colocado na Presidência da República em função de circunstâncias várias, mas, sobretudo, graças ao desgaste da política, que foi exposta como nunca nos últimos cinco anos. Mas ele precisa ter clareza sobre um projeto de desenvolvimento, políticas públicas, programa de governo, planos, metas. Ou pode continuar nessa armadilha, recorrendo a todo momento ao discurso dos costumes, que, em vez de aproximar as pessoas, mantém o conflito na sociedade. Evidente que, quando se soma isso a declarações estapafúrdias, como o apelo para comemorar 64, o elogio ao sanguinário Pinochet, ao Stroessner, isso ajuda a colocar o presidente no papel de desagregador.
5. O senhor será oposição?
O fato de não estar na presidência do Senado me deixa mais à vontade para o cumprimento de um papel mais independente, fazendo sugestões, críticas e cobrando resultados. Com relação à reforma da Previdência, que é um assunto que está aí na ordem do dia, eu vou acompanhar a posição dos governadores de minha região.
6. O senhor mencionou a palavra pirataria ao se referir ao governo. Isso se deve à eleição no Senado?
Eu não gosto nem de falar na eleição do Senado. Se tivesse de ser candidato novamente, confesso que não seria. Houve a interferência das redes no Congresso, no Supremo Tribunal Federal, houve a concessão de uma liminar antecipadamente determinando o voto aberto, algo nunca visto em nenhuma eleição legislativa no mundo. Aqueles dias de agonia, a necessidade de recorrer ao STF. Tudo isso colaborou para que eu não pense mais nessa hipótese de presidir o Senado.
7. Foi um erro de cálculo?
Eu acho que não deveria ser candidato porque eu mesmo disse em várias oportunidades que não queria ser presidente do Senado a qualquer custo. Eu já fui quatro vezes presidente. Hoje, estou no baixo clero. Sou um geraldino, que é a expressão que usavam para caracterizar o torcedor que frequentava a geral do Maracanã, que deixou de existir depois de uma dessas reformas. Com muito orgulho, integro aí essa bancada, a BBC, a bancada do baixo clero.
8. Houve esforço do Palácio contra sua candidatura?
Não, segmentos do Palácio. Setores do Palácio, sim. Mas o presidente estava doente, lá em São Paulo.
9. Ele ligou para o senhor em dado momento.
Sim, mas ele não chegou a falar sobre eleição. Ele ligou no dia em que o MDB estava fazendo a escolha internamente. E disse que estaria aqui, queria conversar comigo, mas ativamente ele não tratou de eleição.
10. A ruptura com Temer foi decisiva em sua reeleição num período de renovação inédita no Senado?
Eu não vinculo essas questões. No processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, eu estava na presidência do Senado e procurei fazer minha parte com isenção, conversando com todos. Colaborei com o começo do governo Michel, sugeri pautas, ajudei a aprová-las. Quando deixei a presidência do Senado, tive mais desenvoltura porque não carregava os mesmos compromissos. Como não concordava com muitas das propostas, deixei a liderança do MDB e passei a ocupar um certo papel na oposição.
11. Qual foi a última vez que o senhor falou com o ex-presidente Temer?
Estive com ele em São Paulo, por ocasião da eleição aqui para o Senado. Ele pediu para conversar comigo. O que aconteceu com ele foi uma injustiça, assim como o que aconteceu com Lula. As características são semelhantes, porque é a continuidade da criminalização da política generalizadamente, em que o Ministério Público Federal e setores do Judiciário consideram que podem prender para investigar, (aplicar) exageradas (conduções) coercitivas, punir sem prova, antecipar prisão.
12. No caso do Lula, houve condenação em segunda instância.
Lula foi condenado na primeira e na segunda instância por convicção. Sem fato concreto. É engraçado como o despacho do juiz Marcelo Bretas ocorre na mesma dimensão, sem fatos. Ele faz ilações e prende provisoriamente um ex-presidente da República. Para além de minhas divergências com ele, essas coisas não elevam, e sim diminuem o Brasil. Desde a época em que fui ministro da Justiça, sempre defendi as investigações. Elas devem ocorrer em qualquer circunstância, mas não concordo que, para combater a corrupção, você tenha de cometer crimes, romper garantias coletivas e individuais. Eu sempre defendi a lei contra o abuso de autoridade e a considero mais do que uma necessidade, uma emergência.
13. O senhor vai tentar mobilizar a votação desse projeto?
Sim. Na medida do possível, vou conversar com os presidentes das duas casas. Já votamos o abuso de autoridade no Senado. Ele foi proposto pelo Supremo Tribunal Federal. Não há como fazer cessar esses excessos repetidos sem a lei que possa punir aqueles que extrapolam.
14. O senhor tem sido crítico do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e menos crítico à procuradora Raquel Dodge. Diante da possível influência do juiz Sergio Moro na escolha do novo PGR, o senhor teme a sucessão?
O chefe do Ministério Público Federal, a quem cabe a defesa da sociedade, deverá passar por óbvios critérios de isenção, e não considero que o processo de seleção interna confira isenção a nenhum deles. Evidente que todos respeitamos mais a Raquel porque ela não ostenta o grau de exibicionismo dos outros. Ela demonstra ser mais responsável.
15. Por defender o projeto de abuso de autoridade, o senhor passou a ser visto como contrário à Lava Jato.
Eu sempre defendi as investigações e procurei fazer a prova contrária, que é a mais difícil das provas. Tanto que o Supremo já arquivou dez investigações e vai arquivar as demais porque eu fui investigado por “ouvir dizer”, porque alguns delatores que não me conheciam disseram que interpretavam, que o “mercado falava”. Outros diziam que, quando conversavam com sicrano, viam ali minha presença intrínseca. Não há um fato concreto contra mim. E não haverá. Eles me viraram de cabeça para baixo durante 15 anos. Não há nas minhas contas um centavo sequer que não seja de uma fonte declarada. E eu me submeti a tudo isso. Mas, pela ligeireza da qual sempre fui vítima, eu não concordo com prejulgamento. Essa questão do Flávio Bolsonaro, há coisas esquisitas que precisam ser investigadas, claro, mas não dá para prejulgar, para que, ao discutir o tema, você anuncie, antecipe sentenças. A vida, na democracia, não se faz dessa forma. Porque isso facilitaria muito o papel de cada um.
16. No caso do Flávio, o que o senhor não concorda?
Eu acho que não dá para você condenar antecipadamente. Precisa, sim, ser investigado, mas, por mais diferença que se tenha com ele, não dá para você antecipar sentença, prejulgar. É a mesma coisa do Onyx (Lorenzoni). O Onyx confessou um crime. Está sendo investigado pela Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul. Vamos aguardar o julgamento para formular ponto de vista. Não dá para antecipar o que vai acontecer. Já fui vítima disso. Isso não faz meu perfil.
17. O senhor é o decano no Senado. Participou desde o governo Collor muito ativamente de todos os governos, vendo de perto a ascensão e a queda de alguns presidentes. À luz dessa experiência, o senhor vê estabilidade política neste governo?
Todos os presidentes que não deram importância para a relação com o Congresso tiveram muitas dificuldades. Todos. Jânio, Collor...
18. Dilma Rousseff?
Dilma até tinha, porque eles tinham um eixo partidário, mas também foi vítima disso. Mas acho que, se o Bolsonaro não mudar — e não acredito mais que isso possa acontecer —, ele vai pagar um preço muito alto. Não acho que se eleja um presidente da República para, a toda hora, fazer campanha “fora sicrano, fora beltrano”. Acho que é importante a oposição olhar, observar, deixar completar 100 dias. O governo continua diariamente dando tiros no pé. Tem dia que um, dois, até três.
19. Qual seria esse preço alto?
Governos, quando não caem nas crises, costumam recomeçar. Considero um preço alto você ter de recomeçar um governo várias vezes em quatro anos. E acho que estamos próximos da necessidade de começar o segundo governo, sobretudo sem a reforma da Previdência.
20. O senhor tem falado com os militares?
Os militares têm nessa circunstância um papel muito importante. Mas tenho preocupação porque, a continuarem os apelos do presidente Bolsonaro para comemorar o 31 de março de 64, os elogios a Pinochet, a condecoração ao Ustra, a relação com milícias, os militares podem, diferentemente do que tem acontecido ao longo da história do país, desgastarem-se com isso.
21. Qual deve ser o papel dos militares, em sua avaliação?
Colaborar com a infraestrutura, com plano de desenvolvimento e, no dia a dia, colocar juízo nessa gente que acha que governar é uma chacrinha, que você faz buzinando, corneteando. Os filhos mais prejudicam do que colaboram. E parecem onipresentes, oniscientes, deuses, entendem que podem despachar no Palácio do Planalto, criar crises, demitir ministros, substituir chanceler, defender ocupação militar da Venezuela.
22. Após a eleição aqui no Senado, o senhor desferiu ataques duros contra algumas pessoas, inclusive uma jornalista. Por quê?
Essa coisa da rede social não deve ser feita com o fígado. Quando percebi o exagero, retirei a postagem. O que não aconteceu ao longo dos anos com a jornalista. Mas nunca foi meu perfil. Tão logo compreendi que eu não podia descer para essa discussão, retirei a postagem. E fica o exemplo de não mais fazer essas coisas da forma que fiz. Eu me arrependi muito. Essas coisas não se justificam. São erros. Política não se faz assim.
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